
Eu não costumo aderir a postagens coletivas. Este blog é temático e nem sempre o tema sugerido se coaduna com a minha proposta aqui. Mas o nosso grande
Lino fez uma sugestão e será um prazer fazer parte da corrente.
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Pois bem. Está proposto o tema da PAZ. Paz para o mundo. Teremos a partir de hoje muitos blogs escrevendo sobre este anseio de tantos. Certamente escritores muito melhores que eu vão discorrer sobre o tema, com belas palavras.
De cara, lembro de uma bela música do Gil, cantada pela minha “ídala” Zizi Possi. Essa mesmo que vocês estão ouvindo.

Vivemos tempos difíceis. Tempos de guerra. Bem diferente daqueles que muitos viveram nos tempos das antigas ternuras. Daí, ansiamos pela paz, essa palavrinha de três letras que quer dizer tanto. Com a violência que anda por aí, ela virou um sonho distante. O que fazer para se ter PAZ? Antes de falar em paz para o mundo, falo de paz para a minha aldeia. O que fazer para se ter paz aqui?
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Bem, não é tarefa fácil. Infelizmente, não se pode conseguir paz pelos textos da internet. A repressão da violência passa por ações de Estado, por ações políticas e pelo esforço de cada um. O Estado não tem dinheiro e, pelo que se vê, nem competência para diminuir o clima de guerra em que vivemos. Os políticos, além de não terem competência, não têm moral para determinar ações que reduzam e inibam a violência.
O que fazer? Nada a fazer e sim a lamentar? Bem, sim, há algo a fazer. Mas o que se pode fazer é tão ou mais difícil que ações de Estado ou da classe política. A solução para este mal passa necessariamente por algo chamado
natureza humana. E a História, a Ciência (vide evolução darwiniana) e a Economia mostram como somos seres belicosos. Li uma vez que ao longo de TODO o Século 20 (e vale para o 21 também...) o planeta não passou um só dia em PAZ. Em algum lugar do globo sempre existia algum conflito. Então, o que podemos fazer pela paz?
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Vou lhes contar uma história que ouvi em Sabará, em minha recente viagem pelo planeta Minas.
No Século 19, havia na cidade uma senhora muito católica, membro de irmandade, que ia muito à missa, comungava, orava, respeitava todos os sacramentos da Igreja... Só que ela era extremamente perversa com seus escravos. Sentia um enorme prazer em torturá-los, espancá-los; nem precisava ter motivo para isso. Bastava ter vontade. E sempre tinha vontade de descer o relho na criadagem.
Ela possuía uma escrava de nome Peregrina. E esta deu à luz a um menino. Desgraçadamente, o menino devia sentir muitas cólicas, pois chorava muito a noite... Certa vez, a tal senhora foi acordada pelo choro do bebê. Irada, foi até a cozinha, tirou o neném dos braços de Peregrina e o matou para que parasse de chorar. Matou a criança na frente da mãe. Esta, tomada pelo desespero, pegou o pau do pilão e bateu, bateu até abrir a cabeça de sua dona. Claro, ela foi presa e sua condenação era certa. Imagine se a moda pegasse: escravos matando seus senhores...
Peregrina tinha uma amiga também escrava. Chamava-se Rosa. E Rosa era amante do juiz da cidade. Ela foi pedir ao amante que intercedesse pela amiga no julgamento. O juiz disse que poderia fazê-lo se ela se envolvesse no crime, ou seja, se dissesse que tinha participado da morte da tal senhora. Com a amante do juiz envolvida, os jurados abrandariam a pena de Peregrina. E Rosa, por amizade, foi se entregar ao delegado, se dizendo cúmplice.
O que ela não sabia era que o juiz, homem católico, que ia muito à missa, membro de irmandade, orava e respeitava os sacramentos da Igreja... Já, desde muito, planejava se livrar da amante. Ele viu naquele caso a chance que queria...
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No julgamento, ele se empenhou pessoalmente na condenação das duas escravas. Ambas foram condenadas à forca.
No dia da execução em praça pública, Peregrina falou para todo o povo que lá fora assistir que Rosa nada tinha a ver com o crime, que era inocente, que a poupassem. O povo entendeu e começou a pedir pela vida da escrava. O juiz, apavorado com aquela hipótese, mandou o carrasco apressar a execução. Primeiro, Peregrina foi enforcada. Depois seria a vez de Rosa. E o povo pedindo que a libertassem. O juiz exigindo que a enforcassem. O carrasco coloca a corda no pescoço de Rosa, que clamava inocência. O alçapão se abriu sobre os seus pés e... a corda arrebentou. Todos viam naquilo uma intervenção divina. Mais ainda pediram pela escrava. O juiz, colérico, exigia que a sentença fosse cumprida. Arranjaram uma nova corda e Rosa finalmente foi enforcada.
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A partir daquele dia, todas as vezes que o juiz saía à rua, todas as pessoas fechavam suas portas e janelas. Se estavam na calçada, entravam em algum lugar, que prontamente cerrava suas portas. Ninguém mais dirigia a palavra ou sequer o olhar para o tal juiz. Sem condições de lá permanecer, ele deixou a cidade para sempre.
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Pois é. Muita gente que pede paz, coloca faixa na janela, participa de passeata, não ajuda à paz. Não faz por onde ela existir. A paz passa necessariamente por ações de Estado, por ação dos políticos, mas passa por gestos de cada um dos cidadãos. Sem cidadania não existe paz. Clamar pela paz e pagar salários humilhantes aos empregados, não acompanhar com interesse e cuidado a educação dos filhos, dirigir pelo trânsito como se estivesse em guerra pessoal com os semelhantes, inundar as ruas de lixo... Existe uma série de pequenas ações que não se coadunam com quem pede paz. Gestos como os pais do menino João perdoando os bárbaros que arrastaram o filho pelas ruas se diluem em milhares de pequenas violências diárias de envolvidas na lei do “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
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Ontem assisti ao filme-sensação do momento: “Tropa de Elite”. Quem já o assistiu, já percebeu que estamos a anos-luz de obter a PAZ. A natureza humana que leva o mau cidadão a corromper e se corromper, trabalha ativamente contra a paz.
O notável escritor Zuenir Ventura escreveu uma crônica, dizendo que quando estava iniciando o seu livro “Cidade Partida”, subiu à favela para tentar descobrir porque tantos jovens se envolviam com o tráfico. Saiu de lá admirado por tão poucos estarem envolvidos.
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Existe uma enorme massa de jovens, crianças e adolescentes que são tangidos feito bois para a alternativa da droga. Segundo Zuenir, 99% conseguem ficar fora, mas o 1% que sucumbe é muito significativo. Não sei se estes números são reais. No livro “Falcão, os meninos do tráfico”, de MV Bill e Celso Athayde, a gente pode constatar a falta de futuro de crianças que sequer chegam a uma escola. Como falar de paz para mim, para outras pessoas que têm casa, carro, comida, computador, EMPREGO, se existe uma enormidade de gente que não tem e não vai ter NUNCA isso?
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Eu tive chances na vida. Embora órfão de pai, cresci com valores que minha mãe deu a mim e a meus irmãos. Tive acesso a escola, tive acesso a emprego. Nasci branco, e isso também é algo que faz enorme diferença. É desastroso dizer isso, mas é verdade. A estatística diz que pela cor da minha pele mestiça tenho mais oportunidades que outros.
Eu quero paz. Eu procuro fazer por onde. Não faço mal a ninguém, na medida do possível, ajudo a meus semelhantes, procuro ser cidadão.
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Será que isso é o bastante?
M.S.

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Eu queria agradecer do fundo do coração às pessoas que me deram prêmios e selos:
Érika, pelo belo selo “Proncovô”,
Renata pelo Selo “Corrente da Amizade”, e
Bruxinhachellot pelo “Esse blog é 5 Estrelas”. Sei que pelas regras eu deveria indicar os que devem receber o post-corrente pelo meu repasse. Pois eu repasso os dois prêmios a todos os blogs da minha lista “Outras Palavras”. Todos vocês são mais que merecedores.
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Quando eu escrevi o post sobre as Janelas de Minas era minha intenção convidar os mineiros que me dão a honra de freqüentar este blog para escreverem também sobre suas janelas. O meu olhar de forasteiro as viu daquela forma. Tenho curiosidade de saber como vocês, nativos do planeta Minas, vêem as suas próprias janelas. Portanto, Luma, Érika, Claudinha, Renata, meu caro amigo Rubo... Sintam-se convidados a abrirem suas janelas de Minas.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “A Paz”, de Gilberto Gil, cantada pela sempre ótima, e esplêndida Zizi Possi.