segunda-feira, julho 16, 2007

Em Algum Lugar no Futuro



Rio de Janeiro, ano de 2057. Anotação de diário n. 382. Tema: Vida em 2007.

“Estava investigando sucata de antigos computadores. Vi um disco rígido jurássico que ainda estava em bom estado. Levei para um amigo que mantém uma relíquia, coisa incrível, um computador que precisa teclar as palavras e não transformar os eletro-impulsos mentais em frases como hoje em dia.
No hard disk tem uma série de textos numa pasta nomeada: “Pro blog Antigas Ternuras”. O dono do blog, que assina os textos como “M.S.”, escreveu sobre como era a vida em seu tempo e, pelo que pude entender, sobre sua infância e adolescência, que ele chama de “tempo das antigas ternuras”.São histórias do século passado, algumas engraçadas, outras nem tanto. Achei tudo muito curioso.
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“Interessante. Houve um tempo em que crianças tinham largos espaços vazios para brincar, moravam em casas com terrenos cheios de árvores e até subiam nelas, comiam frutas direto dos galhos. Hoje, só vemos árvores pela TV e nos museus, em hologramas. Claro, tem algumas reservas naturais, mas, como se sabe, não se pode entrar lá normalmente. Só cientistas e pessoas ricas têm acesso.
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“Vi que houve um tempo em que crianças brincavam com segurança na rua até à noite (!!). Os que tinham melhor condição financeira se misturavam livremente com os que tinham poucos ou quase nenhum créditos monetários. Não eram inimigos, não tinham animosidade, chegavam inclusive a serem amigos (!!!). Bem diferente de hoje, em que nós, que temos créditos para consumir bens, vivemos em separado dos que não possuem. Estes, como se sabe, vivem na zona sem lei, onde se mata gente como exterminamos formigas. Deus nos livre de um habitante da Zona de Guerra entrar nos nossos condomínios!! Eles não têm civilidade e vão destruir nossas propriedades e, pior, atentarem à nossa segurança, querendo beber a nossa água limpa e nos passarem suas doenças.
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“Nos textos do tal blog antigo fala-se de animais que não chegamos a conhecer como borboletas e pássaros. Sei como eles são por ver imagens na enciclopédia virtual holográfica. Eram bonitinhos, mas não sei exatamente para que serviam. Não entendi bem o que é “polinizar flores”, já que as que temos são cultivadas em estufas.
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“Foi interessante saber que naquele tempo as pessoas tomavam vários banhos por dia. Meu Deus! Que desperdício de água! Qualquer um sabe que hoje o nosso sistema de limpeza de germes e impurezas por jato de ar quente é muito mais funcional! Água é para se beber! Temos poucas fontes de águas totalmente limpas e é preciso ter muitos créditos para acessar a elas. Para quem não tem, só resta a água reciclada que tem gosto horrível de pó químico (eu já experimentei uma vez e detestei).
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“Mas o que me fez mesmo nadar em curiosidade foi saber que eles tinham pleno acesso a livros impressos em papel (!!). Os nossos livros digitais e os em lâminas degradáveis são muito melhores! E nem consomem árvores (na verdade, nem há muitas disponíveis para virarem celulose...) É certo que nem lemos muito hoje em dia. Também, com toda informação podendo chegar a nós até pela escova de dentes, não é preciso ficar lendo...
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“Os textos falam de automóveis. Não sabemos mais o que é isso desde o Engarrafamento Total, ocorrido há vinte anos. Tem carro preso lá até hoje. Nossos Veículos Coletivos de Trânsito Inter-condomínios são bem mais práticos. E por serem elétricos, não poluem mais ainda o nosso ar já complicado.
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“Uma coisa curiosa: naquele tempo parece que eles riam muito. Viam graça em tudo e pareciam se divertir com qualquer coisa. Que estranho... Eu não vejo tanto motivo para rir. Pelo menos, não tenho muitos hoje. Temos que estar concentrados no trabalho. Qualquer distração e não atingimos nossos objetivos funcionais. Já pensou se eu perco o meu emprego? Tem muita gente que está de olho na minha vaga. Se eu falhar, me substituem e eu fico sem uma fonte de créditos. Eu não posso nem quero me mudar para a Zona de Guerra, fora dos seguros condomínios. Acho que nem sobreviveria lá.
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“Nosso Conselho Governante precisava ver como eles faziam política naquele tempo! Não sei como o gênero humano conseguiu chegar até os dias de hoje. Eles se matavam por qualquer motivo e não por ar purificado e comida proteinada como hoje. Aliás, li nos textos que eles cozinhavam em aparelhos estranhos chamados “fogões”. O nome fogão vem de fogo, alimentado por hidrocarboneto fóssil em estado gasoso. Há muito tempo não temos mais isso. Acho que prefiro a nossa comida baseada em complexo concentrado de proteínas. Dá menos trabalho para desembrulhar e comer. Embora eu tenha visto lá a foto de um pão caseiro que me deixou com vontade de experimentar.
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“Bem, por hoje é só. Computador, fim do registro”. Clic.

(vídeo com 6min41seg)

Esta menina no vídeo é a canadense Severn Suzuki. Ela esteve no Rio de Janeiro, na ECO-92, onde fez este discurso, que mais parece um alerta sobre o futuro. Você acha que, de lá pra cá, as coisas mudaram?
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras você ouve “Gymnopedie n. 1”, de Eric Satie.
Na TV Antigas Ternuras, você vê o discurso de Severn Suzuki na Eco-92, Rio de Janeiro.

28 comentários:

Taís Morais disse...

antes de qq comentário... como vc conseguiu a Gymnopédia? já tentei achá-la e só consegui a numero 2... snifff.

Sim, o autor do blo AT era um cara que escrevia muito bem, e que espero, neste futuro, alguém continue o trabalho dele.
e nos remeta a antigss ternuras como só ele sabe fazer.

te beijo

boa semana.

Taís

Anônimo disse...

Adorei este post. Bem, ao mesmo tempo que adorei, também me senti triste e receosa. Deus me livre de um futuro sem árvores, sem a sensação de água no corpo, sem livros... Meu Deus, como seremos sem livros??!! Agora percebo o porquê de eles não rirem no futuro. Não existem os sonhos, a imaginação deixou de ser usada.

Triste futuro o nosso, dos nossos filhos, dos nossos netos se o mundo se tornar numa bola oca de sentimentos.
Já tinha visto esse vídeo e não, não acho que muita coisa tenha mudado. Os "Senhores" deste mundo, os que fazem as leis, não olham para o futuro, olham sim para o poder económico do presente.
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Um grande silêncio...

Beijos*.*

Anônimo disse...

Querido Marco,

Infelizmente a realidade toda de hoje só nos leva a crer neste futuro, não é?
Triste que mesmo com tantos avisos, como o desta menina, com tantos apelos pelo mundo ainda seja a minoria mundial que se preocupa e tenta salvar nossa casa.

Ficou lindo demais seu texto, chorei de tristeza por constatar que sim, podemos chegar a este futuro. Não é hipotético, pelo contrário, é assustadoramente real.
Mas ainda dá tempo. Se o mundo quiser.

Beijos.... ótima semana

benechaves disse...

Marco: bem interessante esta projeção para o futuro. Acho que será por aí mesmo. É uma pena que o Homem junto com o Progresso consigam destruir aos poucos a nossa Terra.
Quem viver verá!...
Olha: ficou legal o visual, muito oportuno.

Um abraço...

Tina disse...

Oi Marco!

Lindo texto! Prognóstico nada bom, mas real. Me fez lembbrar dos Jetsons...

Obrigada por dividir.

beijos querido, boa semana.

Moacy Cirne disse...

Li o seu texto como se estivesse lendo um conto de ficção científica (aliás, recomendo o excelente 'O pedestre', de Bradbury, escrito em 1951, e que se passa em 2051). Terrível e belo, ao mesmo tempo. Um grande abraço.

Lara disse...

Marco eu AMEI o texto! Amei mesmo.. a gente acha que as coisas vão durar para semrpe... fico pensando como será a vida dos nossos netos...
beijos

Anônimo disse...

No passado tive um amigopratodavida que me ensinou a ternura da simplicidade e no seu cantinho AT eu passava muito tempo recordando e rindo, sim, eu ria muito e de tudo, tomava muitos banhos, comia feijão com arroz e ovo frito feito num fogão a gás.
Tinha amigos por todo lado e livros também, mas o serumano destruiu tudo e com essa mania de querer mais foi desmantando nossas florestas virando o planeta nesse enorme lixão quente e sem água boa.
Guardo lembranças [na memória que não perdi] mas não tenho esperanças de que voltemos a ser o que éramos, e no coração conservo carinho pela vida vivida e pelas Antigas Ternuras que a grosso modo tento passar para meus netinhos.
beijosss

Anônimo disse...

Oi meu querido...
Olha a sua personagem aqui de novo...antes de mais nada, tem post novo no Caraminholas, e claro, com pitadinha de Mr. Bean nele...rs
Adorei teu post porque me remeteu completamente pra minha infância, de pés no chão, com brincadeiras que hj a maioria das crianças não sabem nem o que é, que no verão, a gente brincava até tarde na rua e não tinha perigo, que eu fiz curso de artesanato, e leio desde pequena, incentivada pela Mamis...
Meu, que saudades...
Hoje é tudo tão moderno que até as cartas de papel quase não existem mais, coisas que eu ainda prezo tanto...
Um beijo procê e linda semana.

Claudinha ੴ disse...

Olá Marco!
Ótimo post nos chamando todos a refletir no que estamos fazendo ao planeta. Os combustíveis fósseis, os hidrocarbonetos, são responsáveis em grande parte pela poluição, pela chuva ácida e como o produto de toda a combustão completa é CO2 e água,o carbono está provocando o Escurecimento Global e acho estranho que só se fale em efeito estufa e buraco na camada de ozônio. Não sei se podemos pensar em futuro.
Ótima idéia, você é um cidadão consciente de seus atos.
Beijo.

Renata Livramento disse...

oi Marco!
Espero que seu talento para cartomante seja nulo!!!!

Algumas dessas coisas eu já não vivi..como as crianças que podiam brincar na rua à noite... (aliás nem de noite nem de dia)

Esse vídeo é impressionante mesmo, eu tb já postei ele no DD. Aliás acho que todos nós blogueiros do bem..

bjos, querido e ótima semana!

Lila Rose disse...

Nossa, fiquei arrepiada. Apesar do prognóstico ruim, é um belo texto.

Sorte dele ter encontrado os restos mortais deste Blog especial, que hoje já nos trás lembranças tão maravilhosas de nossas "antigas ternuras".

Bisous.

Nena disse...

Vc sempre me emociona com seus textos, Ternurinha-Ternurovski!!!

Esse vou salvar pra mim, posso?

Estive viajando por aí, meu querido, por isso a demora em passera aqui que é lugar dentro do meu coração.

beijo

Anônimo disse...

Adorei,MARCO. VC se superou. O que não é novidade alguma.

Se vc permitir,gostaria muito de reproduzir o post num futuro PAPIRO AMIGO.

Boa semana!


Abração!

Anônimo disse...

Grande MARCO

Vc não precisa pedir desculpa alguma.
Cada um tem sua opinião e deve ser respeitada.
Democracia é isto.

Abraços!!

Moacy Cirne disse...

Oi, volto para informar que o seu blogue está sendo destacado no Balaio. Abraços.

Francisco Sobreira disse...

Uma postagem muito interessante, caro Marco. O ritmo acelerado do avanço tecnólógico e do progresso em outras áreas trazem benefícios pelos quais se tem que pagar um preço muito alto (claro que não estou falando só no aspecto pecuniário, isso é até o de menor valor). O que me leva a crer que não serão precisos 50 anos para se chegar ao estágio que está relatado no seu texto. Infelizmente. Tenho pena dos meus netos e bisnetos. É isso. Um abraço e uma bela semana.

Luma Rosa disse...

Deprimi.

Anônimo disse...

Pior que cada vez nos aproximamos mais da ficção. Lembro aqui de ADORÁVEL MUNDO NOVO, NÃO VERÁS PAÍS NENHUM e 1984: obras perfeitas que retratam um futuro onde a vida vale quase nada.

Muito bom este seu texto, Marco. Excelente!

O vídeo eu já assisti várias vezes, é de emocionar. O que mais me admira é a estampa de vergonha no rosto da platéia.

E, apesar da vergonha passada, nada mudou. Cada vez chegamos mais perto de transformarmos a ficção em realidade.

ninguém disse...

Desculpe fugir do teu post, mas estou indignada com mais este acidente.
Vamos reagir
MAIS UMA TRAGÉDIA AÉREA
ESTAVA ANUNCIADO! ATÉ QUANDO?

Somos um povo de ovelhas.
Nos roubam.
Nos matam.
Não fazemos nada.
Só assistimos.
Que tipo de povo somos nós, que nos contentamos com bolsa família e choro de um presidente vaiado? Gabinete da
crise: para quê? Dar as condolências.
Que Deus tenha pena de nós.

Anônimo disse...

Como todo artista, uma visão futurista à la Raul Seixas, rsrsrs. O mais interessante é que vim justamente falar que acabei de fazer o pão caseiro com azeitonas e ficou simplesmente ótimo. Um abraço.

Anônimo disse...

O que eu sei é que a gente tem que cuidar, cuidar e cuidar... aproveitar o que é bom, e tentar viver o melhor possível.

Mas uma coisa eu te digo: cada coisa a seu tempo :)

beijos

Dilberto L. Rosa disse...

Diário de Bordo, n. 12366, Enterprise... Rs. Muito bom, caro primo! Muita incongruência nesses nossos tempos... Mas ainda sou mais pessimista quanto ao futuro que estas previsões de seu conto... Amigo velho, sou fã incondicional do esquecido Gonzaguinha, e você acabou por me inspirar a dedicar-lhe um post especial! Grande abraço! Tem novidade lá nos Morcegos - e, a partir do próximo domingo, escreverei também para o Miscelânea!

Anônimo disse...

Infelizmente, mudou sim, para pior. Aproveito o embalo do tema para sugerir a leitura de "A Praga Escarlate", Jack London. Muito bom.

Beijão!

Jéssica disse...

Texto futurista, Bastante interessante. Um beijod e boa noite*.*

Ordisi Raluz disse...

Marco, venho agradecer seu generoso comentário em meu blog.

Reconheço que foi estimulante prefaciar o livro de Márcia. Motivo e tema tão gostosos que, adicionados a um pouco de sorte, conseguiram nos levar a um texto feliz.

Pelo menos o suficiente para deixar nossa querida amiga feliz também.

Grande abraço.

Giu disse...

Marco!
Interessante o seu texto, ao estilo 'de volta para o futuro', e ao mesmo tempo tão triste por saber que os meus filhos e netos viverão esse tempo, onde as relações humanas e as relações com a natureza cada vez valerão menos.
Carinhos e beijos,
Giulia

Anônimo disse...

você é bom rapaz,
deve ser bem velho pra lidar com as palavras com tanta habilidade e criatividade!