
O mês de julho é festivo para os franceses. Foi num 14 de julho de 1798 que o povaréu derrubou a monarquia absolutista, culminando com o carrasco falando para a rainha Maria Antonieta: “Olha, vai ser só a cabecinha...”
Para celebrar este mês que finda, vou contar alguns “causos” interessantes (que até já narrei aqui faz tempos...), que certamente interessarão aos francófilos. E a quem sabe que...”A História tem cada história”..., título de uma das seções que mais gosto de fazer aqui no nosso Antigas Ternuras.
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Pois bem. Vocês sabiam que Napoleão esteve perto de vir ao Brasil? Na verdade, ele morou pertinho daqui.
Não, eu não estou maluco das idéias. Estou falando sério.
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A ilha de Santa Helena, onde Napoleão Bonaparte foi aprisionado pelos ingleses, depois de ter perdido a guerra em Waterloo (nada a ver com aquela frase que todo engraçadinho diz quando encontra uma moça na posição cabeça para baixo e bunda para cima...), em 1815, fica no Atlântico Sul. A localização mais aproximada seria, entre o Brasil e a África, um pouco mais perto da costa da Namíbia que do litoral brasileiro, na altura do sul da Bahia, mais ou menos em linha reta para dentro do mar, a partir da cidade de Ilhéus.

E pensar que o corso baixinho, padroeiro dos doidos varridos de piada de hospício, viveu seus últimos anos logo ali, quase em frente da terra do Nacib e da Gabriela!

E olha que nem ficava tão longe assim. Quando o Amir Klynk atravessou o Atlântico Sul em barco a remo, saindo da África para o Brasil, ele passou pela ilha de Santa Helena. Quer dizer, se Napoleão conseguisse fugir da ilha, não seria difícil vir para o Brasil (taí um bom tema para um romance: “o dia em que Napoleão fugiu para o Brasil”). O problema é que a Família Real portuguesa, que escapara dele, ainda estava por essas bandas.
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Mas eu falei que quase Napoleão esteve por aqui. E, de certa forma, foi por pouco mesmo que o corpinho do velho corso não veio dar (no bom sentido...) nessas terras.
Se não, vejamos.
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Em 1938, o príncipe de Joinville, François-Ferdinand-Philippe, filho do rei de França, Louis Phelippe de Orleáns, esteve no Rio de Janeiro, como membro da tripulação da corveta “Hercule”. Na ocasião, ele conheceu a princesa Francisca Carolina (veja a foto), irmã de Pedro II, então com 14 aninhos.

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O François caiu de amores pela princesa brasileira... Vendo o retrato da moça, a gente até acha que ela tinha os seus encantos, visto que, de forma geral, a descendência de D. João VI e de D. Carlota Joaquina estava mais para “cão chupando manga e de aparelho nos dentes” do que para “apolos e afrodites”... E a tendência era piorar, visto que os casamentos eram feitos por procuração e arranjados entre representantes das famílias nobres. Não importava sentimentos ou beleza e sim a descendência de sangue azul. Para casar com um brasileiro e viver no meio do mato, só um tribufu topava, já que não conseguiria um bom casamento na Europa. Para despertar o interesse dos príncipes, enviava-se um retrato da noiva. Acontece que os pintores daquele tempo utilizavam um sistema que, podemos dizer, era o “tataravô do Photoshop”. Eles melhoravam e muito a aparência das barangas, digo, das princesas e o noivo caía feito um patinho. Numa dessas, Pedro I teve de aceitar D. Leopoldina e Pedro II acabou engolindo D. Teresa Cristina, duas princesas muito simpáticas e agradáveis, mas feias feito o Capeta chupando mariola.
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Mas, voltando ao François-Ferdinand. Ele se encantou pela Francisca, deixou a cidade, mas é de se supor que tenha firmado algum compromisso. Afinal de contas, princesas bonitas e dando sopa só são comuns em desenhos da Disney.
Em 1840, seu pai, o Rei de França, Luis Felipe de Orleáns, deu-lhe a missão de viajar até a ilha de Santa Helena para trasladar os restos mortais de Napoleão, que lá tinha morrido e sido enterrado.

Como se sabe, o corso baixinho que chacoalhou com a Europa em fins do século 18 e início do 19, foi aprisionado naquele rochedo administrado pelos ingleses.
Na viagem, antes de chegar a ilha, François-Ferdinand, que era excelente navegador, embicou o seu navio “La Belle-Poulle” na direção de Salvador, onde fez uma curta escala. Com certeza, isso é fato: o navio que ia pegar os restos mortais de Napoleão fez um pit-stop na Bahia. Pena que não parou depois de pegar o Bonaparte. Já pensou a festa que a baianada iria fazer? No mínimo, iriam levar o corpo do corso até a igreja do Senhor do Bonfim, ao terreiro do Gantois, ao som do grupo “Bisavós de Gandhi”! E todo mundo, Napoleão inclusive, seguindo atrás do trio a óleo de baleia (não tinha eletricidade), pedindo muito axé a todos os santos.
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Depois que François-Ferdinand chegou à Santa Helena, iniciaram as cerimônias fúnebres. E pelo que li no site francês Le retour des cendres, foram muito bonitas. A chegada do caixão com o corpo de Napoleão na França foi uma apoteose quase tão grande como a que os baianos fariam.
Os festejos duraram meses (que nem o Carnaval em Salvador). Soube que os franceses tomaram até banho, pra vocês verem como eles estavam empolgados.
Quem tiver a chance de ir à França, poderá ver no memorial da igreja de Saint-Louis des Invalides, o túmulo monumental de Bonaparte

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Depois da festa, começaram as negociações envolvendo o casamento do príncipe de Joinville com a princesa Francisca Carolina. Nesta fase, estiveram envolvidos, o Imperador do Brasil, o Rei da França, o Conselho de Estado francês, o Papa, Deus, o mundo e a torcida do Flamengo O barão de Langsdorff e emissários franceses chegaram ao Rio de Janeiro para tratarem do dote da princesa, de como seria a cerimônia, enfim, essas coisas românticas que envolvem casamentos de nobres.
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Depois de todos acertos feitos, o Chico francês e a Chica brasileira casaram-se no Palácio da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, em 1 de maio de 1843. Decerto que a festa foi belíssima. Depois do casório, os noivos seguiram para Paris.
Óbvio. O amor do príncipe era grande, mas não a ponto de trocar a mais civilizada cidade do mundo pelo balneário onde porcos e vacas andavam diante do Paço Imperial...
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Um dado interessante: parte do dote da princesa foi terras na província de Santa Catarina. Embora residissem na corte de Louis Philippe, ainda assim eram proprietários de vasta propriedade no sul do Império brasileiro.
Com a célebre rebelião acontecida em 1848, vários nobres preferiram fugir de Paris. A guilhotina de 1789 ainda estava presente na memória. Os príncipes de Joinville optaram por sair do país para morarem em Londres. Na capital inglesa, tiveram alguns problemas financeiros e resolveram passar nos cobres o dote da princesa. Venderam as terras brasileiras, onde nunca estiveram, para uma empresa colonizadora alemã. Esta enviou levas de colonos para fundar lá, em 1851, a Colônia Dona Francisca, posteriormente transformada na cidade de Joinville, em Santa Catarina.
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Viram? Napoleão quase esteve aqui. Era só ter acontecido algum probleminha com o barco que transportava seus despojos que o capitão do navio não teria outra alternativa a não ser vir para Salvador, ou para o Rio de Janeiro, quem sabe...
E, olha... Se o corpo do Napoleão tivesse vindo para o Rio, ele não iria querer saber de sair daqui. Já estou até vendo a cena: uma roda de pagodeiros num boteco no Morro da Mangueira, muita cerveja, o caixão do cara numa das cabeceiras da mesa, e a galera levando no gogó: “Ô coisinha tão bonitinha do pai... Ô coisinha tão bonitinha do pai”... Fala Napô!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras vocês ouvem Edith Piaf cantando a “Marselhesa”, hino da França, considerado o mais bonito do mundo, depois do “Hino do Flamengo”, é claro...