quarta-feira, janeiro 31, 2007

Isso dava o maior bode!


E lá vamos nós para mais uma explicação para expressões que costumamos usar, mas não sabíamos sobre sua origem. Esta é mais uma seção fixa do nosso Antigas Ternuras.
Hoje, apresentaremos a origem da expressão

Bode expiatório

Tem gente que faz alguma confusão com este tipo de caprino. Um contínuo que trabalhava no meu local de trabalho disse certa vez, quando aconteceu uma merda lá no setor: “Eu é que não vou ser o bode respiratório!”
Esse bode é outro, bem diferente do que eu pretendo explicar. Passemos, então, às devidas explicações.
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O seu sentido atual é que alguém vai "pagar o pato" (expressão que já expliquei aqui), uma determinada pessoa vai se dar mal, vai pagar por erros cometidos por todos.
Existe mais de uma explicação para esta expressão. As mais difundidas são as do ponto de vista hebraico e do grego. Acho a versão dos helênicos mais bonita e opto por contá-la.
Voltemos, então, ao tempo da antiga Grécia. Ao tempo em que os gregos cultuavam deuses que tinham características muito humanas. Depois, veio o domínio de Roma que adotou as mesmas divindades, só trocando os nomes. Pois é. Cada um daqueles deuses, tinha um (às vezes mais de um) animal que lhe era devotado. A Zeus (Júpiter, em Roma), dedicavam a águia; a Atena (Minerva), a coruja; a Hera (Juno), o cuco; a Posídon (Netuno), o touro; a Apolo (Febo), o lobo; a Dioniso (Baco)... o bode.
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Apolo (o da esquerda) e Dioniso eram filhos de Zeus, logo, eram irmãos. Mas tinham características bem diferentes para os gregos. O primeiro era o deus da polis, da cidade civilizada e culta, o deus da organização lógica.

O segundo (o da direita) era deus do vinho, da folia, era cultuado fora do limite da polis, da cidade, pois representava a loucura, o delírio, características opostas à organização. Mas, veja bem, esta desorganização era fundamental para a organização. Era a válvula de escape, o parâmetro do caos necessário para a existência da ordem. Apolo e Dioniso eram deuses opostos, mas complementares e fundamentais na polis. Basta dizer que a Música era considerada como uma dádiva de Apolo; e o Teatro era dedicado a Dioniso.
Este, diziam os gregos, se manifestava nas pessoas pelo transe. Se alguém caía em estertores assim,do nada, garantiam que era Dioniso pintando na área. Os epilépticos eram considerados como protegidos pelo deus, visto que nos seus ataques, estavam, na verdade, segundo eles, incorporando aquela divindade. Por isso, todos os epilépticos eram bem tratados, ninguém os fazia mal, nem os deixavam passar necessidade.
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Um certo dia do ano era dedicado a Dioniso, o Baco dos romanos. Eles escolhiam um dos epilépticos da cidade como rei naquele dia. Vestiam-no com uma pele de bode, entronizavam-no no poder e tudo o que ele pedisse era prontamente atendido Neste dia, faziam vários festejos dedicados a Dioniso, sempre fora da cidade. Era quando entravam em ação as suas sacerdotisas, as bacantes. E a bacanal corria solta! E tome saliência! Naquela festa, enchiam os cornos de vinho, penduravam a toga no cabide e caíam dentro sem culpa.
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E sabem porquê? Porque alguém iria assumir a culpa de todas as transgressões que cometessem naquele dia de orgia, em que ninguém era de ninguém. Mas quem seria a criatura, meu Zeus, que expiaria por todos?
Ora, o rei-bode.

Não era ele a personificação do deus? Tudo não era feito em seu culto e louvor? Então, ele seria o expiatório da culpas, da quebra na organização lógica da cidade. As pessoas precisavam voltar para os seus afazeres limpas de toda culpa, podendo olhar na cara da mulher do vizinho sem constrangimentos, depois de ter praticado com ela todo o kama-sutra, desde o “canguru perneta” até o “churrasquinho grego”.
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Então, no fim do dia, corriam ao rei-bode. Colocavam-no em uma liteira, enfeitada de uvas e flores. Faziam uma grande passeata, entoando canções em honra a Dioniso, e seguiam na direção de um penhasco. Lá, arremessavam no abismo o rei-bode, o bode que expiava por seus erros, o bode expiatório.
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Feito isso, retornavam a polis, reassumiam suas vidas sem culpas. De nada poderiam ser acusados. Estavam todos tomados pelo deus.
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Vocês já devem ter percebido que há uma forte semelhança entre partes desta história com o que acontece no Carnaval, em seu aspecto de festividade sem culpa, cuja absolvição é obtida na Quarta-Feira de Cinzas, não é? E também com um outro personagem muito importante na História, que é considerado como aquele que nos salvou de toda culpa, assumindo nossos pecados em seu sacrifício, certo?
Bem, como dizia meu querido mestre, Junito Brandão, com quem aprendi esta história: “os arquétipos são sempre os mesmos. Ainda que em épocas e lugares diferentes”.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras você está ouvindo os Tribalistas cantando “Já sei namorar”. Uma boa música para os seguidores de Dioniso cantar...
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Se você quiser saber a origem desta expressão pelo ponto de vista hebraico, clique aqui
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No post anterior, muita gente ficou perguntando o que afinal era espinhela caída. Eu confesso que não sabia. Fui pesquisar na internet. Quem quiser saber com exatidão, clique aqui.

25 comentários:

Anônimo disse...

Faaaaaaaaaaaaaaaaaala Marcão, meu amigo Singular!!! Nem li o post só prá ser o primeiro a comentar. Deu bode por aqui, estou sem pc e sem tempo. Mi vasquito está dando show, pode babar. Outra coisa, Isadora já tem dois dentinhos, eu que sou um grande babão. Té mais.

Claudinha ੴ disse...

Oi Marco, é sempre muito prático fazer o que bem quiser e deixar outro pagar por isto. Grande idéia, adotada por muitos... Santa conveniência...rsrs. Eu não sabia a exata explicação, valeu por mais este post. Beijos!

Anônimo disse...

Moral da história: tomar muito vinho dá bode... Um beijo e obrigada pelas lindas palavras.

Roby disse...

Eitchaaa que a festa rolava solto....
E como o ser humano é podre, apronta barbaridades, mas alguém tem que pagar o pato.
Óh céus..rs
Haja bodes, e haja penhascos..heheh
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Concordo contigo que a folia continua, a mesma essência , porém em épocas diferentes.

Bjão Markito.

Anônimo disse...

Boa - e divertida - explanação, querido escriba prelideto!
Como se vê, desde priscas eras o bode continua a expiar por outrem (parece que já vi "esse filme" antes, no nosso cenário político-econômico!).
Beijocas procê, amigo Marco!

Anônimo disse...

Marco:
O "bode respiratório" é ótimo. E, depois de lê-la, concordo com o seu mestre quando diz que os arquétipos se repetem. E como".

Anônimo disse...

Meu caríssimo Marco,
Já te disseram que ninguém sabe contar histórias como você? Unir texto limpo, informações, apronfundamento e...bom-humor é coisa pra poucos.
Já disse aqui, mas não custa repetir: sempre serei grato á Claudinha por ter me apresentado aos teus textos.
Uma coisa a confessar: sou jungiano, o que significa "trabalhar" arquétipos que, por sua vez, pressupõe conhecimento de Mitologia Comparada.
A confissão: po, que inveja (a santa, a pura, a saudável)de teu jeito de revelar os mitos!
Forte abraço, meu camarada.

Fernanda disse...

Nossa, que legal!!! Adorei saber sobre isso! Realmente não fazia idéia de onde vinha essa expressão!

Kisses

Fernanda disse...

Sim, eu já vi o trailer de HP e a Ordem da Fênix! Vai ser demais também! Tô louca para assistir a cena em que o Harry beija a Cho! hehehe...

Kisses

Janaina disse...

Primeiro: muito obrigada pelas palavras de aniversário, Marco! Adorei.
Segundo: bode respiratório foi o máximooooo!!! Imaginei uma máscara de oxigênio com dois chifres.
Terceiro: Adorei saber a história do bode expiatório. Não conhecia. Vou já exibir pra todo mundo que sou sabida ... hehehehe! Beijão, querido!

Anônimo disse...

Sugiro que na próxima faças a origem de bode "respiratório". Talvez tenha surgido depois de uma série de mortes em hospital público brasileiro por conta da falta de bombas de oxigênio.

Renata Livramento disse...

Não posso deixar de concordar: os arquétipos são sempre os mesmos...
A-D-O-R-E-I o post!
bj,

Taís Morais disse...

adorei saber. na verdade nem tinha noçao do que signifciava isso...
ainda bem que temos o AT para nos ensinar.

te beijo

taís morais

Anônimo disse...

oiiie meu querido Marco,nossa to perplexa com tanta explicação que só vc sabe fazer,e concordo contigo meu querido,o carnaval é sem duvida toda essa urgia disfarçada ,eu nem na tv gosto de ver ,antigamente era lindo aqueles mascarados jogavam serpentina com todo respeito ,mas hoje em dia ,nem tem palavras para definir é isso tudo que vc descreveu ,te adoro, desejo um lindo fim de semana,bjss

Anônimo disse...

Marco,

Eu adoro passear por aqui, saio sempre mais "culta"...descobrir o significados dessas expressões é bem bacana mesmo...
Inclusive do Bode Respiratório...kkkk
Ah, eu acho super engraçado qdo vc diz que sou um personagem...hehehe
Pior que tudo que escrevo lá, é a mais pura verdade.
Beijos e bom findy

Saramar disse...

Meu mais querido Meste, você tem um jeito de contar histórias que me faz ficar triste quando acaba.

É, amigo, o que seria de nós sem os arquétipos? Talvez um bando de bichos sem consciência. Uns inocentes ou cruéis bichos, sei lá.

beijos e ótimo final de semana.

Anônimo disse...

Poxa,Marco,confesso que nem passava pela minha cabeça que a explicação fosse esta.
Quer dizer que sempre tivemos vocação pra não assumir nossos "erros" e jogávamos a culpa em qualquer outro "bode".
Parabens!!
Adorei!!
Grande abraço!

Eärwen disse...

Marco como é bom vir aqui e aprender um pouco e rocordar algumas coisas....
Muito bom mesmo!!!!!
Continue nos brindando com esses achados!
Pérolas incandescentes de muita sorte nas tuas pesquisas.
Eärwen
03.02.07

Fugu disse...

Ótimo texto! Bem escrito como de costume, erudito sem ser besta. Uma ternura ...
Só falta explicar agora o que é o tal do canguru perneta e do churrasquinho grego ... rssssssss
beijo você

Anônimo disse...

Marco, então o bode-expiatório hoje vulgamente conhecido nada tem a ver com o que vc nos conta aqui. O de ontem era, no caso, o redentor. O de hj, bem, todos nós sabemos.
P.S. - estou soltando foguetes aqui. Faz uma semana que estou tentando entrar no seu blog. O meu lentium trava direto, a ponto de ter que reiniciá-lo. Acho que já disse, esse meu computador já nem tem memória mais. Tem somente uma vaga lembrança... rs
Abraços.
http://napontadolapis.zip.net http://dulcineia.blogspot.com

Anônimo disse...

Marco, quero te deixar um lembrete. Aquele epis. de Dulcinéia que vc leu, nao o considere mais> final. Acabei escrevendo mais dois, continuando a história. Logo, vc deverá ler O SEQÜESTRO e NA MANSÃO. Assim encerramos mesmo. Peço desculpas pela confusão. Esse é o mal de quem escreve "pelos cotovelos"... vai ver que tem uma explicação também para essa expressão.
P.S. - já está escolhendo o Melhor Comentário? O concurso chegou ao final.
Abraços, bom fds e fique na paz.
http://napontadolapis.zip.net http://dulcineia.blogspot.com

benechaves disse...

Pois é, Marco, mais uma aula de História para todos nós. Esse negócio de ser 'bode expiatório' dá bode, hein?.

Um abraço...

Vera F. disse...

Marco, essa mania que as pessoas tem de fazer o que não deve e jogar a culpa em outro é mais velha do que eu pensava! O que me entristece é que o homem não evolui. Acho tão bonito quando as pessoas assumem os seus erros mesmo correndo os riscos de se prejudicarem. Ce La Vie.

A da foto sou eu e o maridão. Esse ano fazemos 19 anos de casados, mas nem parece...ele é uma pessoa iluminada, do bem, aprendi muito com ele! Mas ele aprendeu muito comigo tbm. Somos amigos acima de tudo, onde o respeito e a fidelidade são fundamentais, mas sem cobranças ou ciúmes e sim por opção!

Bjos.

Lena Gomes disse...

Taí, gostei de saber tudo isso. Se tiver oportunidade, volto pra clicar nas outras sugestões... Beijos!
PS. É dia 7/02... os bacalhosos estão levando um baile do América, vc deve estar "levitando de prazer", hehehe...

Bel disse...

Eu ia comentar sobre a origem hebraica, que é mais antiga... mas vi o link da wikipedia! ;)