sexta-feira, agosto 25, 2006
Sons que vinham da rua
Estava eu caminhando para o trabalho, quando cruzei com um vendedor de vassouras, andando na minha frente, apregoando os seus produtos:
"Êêê...Vassoura!"
Foi o bastante para apertar o "rewind" de um videocassete que eu tenho na memória. Tinha um vassoureiro que, duas vezes por semana, aparecia na rua em que me criei.
E que potência de voz! Lembro que uma vez eu estava no fundo do quintal, trepado numa mangueira, escutando cabelo crescer (quando eu não tinha mais o que fazer, subia numa das muitas árvores do quintal e ficava lá, bestando...) e o homem apareceu na esquina, espraiando seu vozeirão por toda a vizinhança:
"Vasssssssouraaaaaaaaaa....Olha a vassoura!...De pelo e piaçaaaaaaavaaaaaaa!"
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Os sons que vinham da rua eram muitos e curiosos na sua maioria. Tinha o vendedor de cavaco:
"Dona Capitulina, o cavaco já chegou
O cavaco tem açúcar tem gosto e tem sabor
Chora, menino, pra mamãe comprar cavaco!"
(Caraco! Como é que eu ainda lembro disso???)
Pra quem não sabe, cavaco era um canudinho de biscoito, que o homem vendia em embrulhinhos com cinco cada um. Nem lembro quanto custava, mas era uma micharia.
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Tinha o vendedor de pirulito. Esse fazia um som difuso ("Ô-ôô!"), mas que o diferenciava dos outros pregoeiros. Além disso, ele sacudia uma matraca (tabuinha, com uma espécie de arco de arame preso pelas pontas, que ao ser sacudida produzia um som pelo ir e vir do arame). Esse eu lembro. Custava 100 cruzeiros. Quando sobrava algum dinheirinho do meu negócio de troca e venda de gibis, eu gostava daqueles cones açucarados, envoltos em papel-manteiga (que dava um baita trabalho para retirar...)
*
Pela minha rua passava um outro vendedor, que eu gostava de ouvir apregoar. Ele vinha carregado de coisas, e ainda contava com a ajuda de dois filhos, que praticamente corriam para alcançar os passos largos do pai. Eu achava que ele vendia de tudo, um armazém ambulante. Seus pregões eram assim:
"Cala-boca pra tirar mancha e ferrugem da roupa!
Pó de broca pra matar pulga, barata e formiga!
Tapete e colcha de chenile!
Anil, pregador e veneno pra rato!"
Minha mãe nunca comprava nada nele. Eu perguntava e ela dizia que já tinha tudo o que ele apregoava. Eu via o homem e seus dois meninos, andando naquele calorão, todos carregados de bolsas e penduricalhos. Quando alguém resolvia comprar algo, era um alívio até pra mim! Eles desciam as bolsas, para atender à freguesa e aproveitavam para pedir um copo d'água. Vi uma vez uma senhora dar limonada pros meninos. E eles falaram um “brigado”... que parecia um sussurro envergonhado. Em seguida, catavam as bolsas e lá iam de novo, perseguindo o andar apressado do pai.
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Eu também fui pregoeiro durante alguns dias. Meus amigos descobriram um depósito de picolés que emprestava caixa e cedia os gelados para a gurizada vender. A molecada da rua ia vender picolé para reforçar o orçamento de casa. Eu ia por farra, mesmo.
Recebi a minha caixa com 30 picolés de diversos sabores, que eu apregoava aos berros pelas ruas do bairro: “Aêêê...o picolé é cem! Coco, uva, maracujá, limão e milho verde!”
O pior era ficar ouvindo as piadinhas dos engraçadinhos de plantão: “Ô do picolé, tem de jiló?”, “Alô, picolé! Água pura ninguém quer!”, “E aí menino, o que você leva dentro?”...
Eles achavam isso tão engraçado...
Quando era alguém do meu tope a fazer a gracinha, eu invariavelmente respondia com frases envolvendo partes remotas de sua anatomia ou eventualmente algum comentário desairoso sobre sua inocente genitora. Mas, se fosse alguém maior, só me restava ignorar e seguir adiante, anunciando meus picolés.
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Eu só tive disposição para vender os sorvetinhos por três dias. Com a bola de futebol quicando no campo, imagina se eu iria andar debaixo daquela “lua” com uma caixa de picolés nos ombros... Com a féria desses três dias, fui na loja O Rei da Voz, e comprei um compacto duplo com a trilha sonora de “Romeu e Julieta”. Tenho o disco até hoje.
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Nas viagens que fiz e faço, sempre presto atenção nos pregões de rua. É claro que eu prefiro aqueles que são levados no gogó, sem amplificação. Afinal de contas, não tem graça nenhuma ficar ouvindo um mequetrefe gritar pelo alto-falante: “Pamonha! Pamonha! É o puro curau do milho verde!”
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Os antigos sons que vem da rua passam pelos meus ouvidos e acordam a minha memória: o ziiiiiiiiiiiinnnnn! do amolador de faca, o trim! trim! de campainha de bicicleta do padeiro, o fon-fon da buzina do vendedor de bolos e doces...
A sonoplastia de minhas lembranças desperta o menino que deixei no alto de uma árvore do quintal, escutando cabelo crescer. E que hoje, maiorzinho, quer manter aquele mesmo sorriso travesso e o mesmo brilho nos olhos ao ouvir as pequenas maravilhas em forma de sons que vêm da rua.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Pequenas Maravilhas”, com 14 Bis.
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21 comentários:
Olá Marco, lembrança são sempre lembranças e as da infancia são as melhores...belo texto.
abraços,
THA
Essas antigas ternuras estão se tornando muito familiares,rsss
Meu Deus!!
Lembrei de tudo e escutei cada grito de vendedores na rua...Marco, Marco...isso é ternura demais...e nem tão antigas.
Lindo findi querido
beijosssssssssssss
"Olha o doce de batata doce! Moça bonita não paga, mas também não leva!" Só você, querido Marco, para tirar o pó da memória. Um beijo e ótimo fim de semana.
... e também o apito do vendedor de algodão doce !! Agora o "Pour Elise" dos caminhões de gás me irrita!! rsrs... Um beijão, Marco!!
Céus! Onde você foi encontrar essa foto dos pirulitos/cone? Eram minha paixão de infância. Os melhores eram os puxa-puxa. Dava o dobro do trabalho tirar o papel mas, quando a gente conseguia, ah maravilha das maravilhas! Como bem disse a Márcia, é ternura demais ... rsrsrs beijos de açúcar pra você!
Olá Marco!
Adorei o post, uma verdadeira ternura. E a música então, me lembrou os sons das ruas em que cresci, quando o 14 Bis ficava a ensaiar lá no conservatório. Cantava nas portas das casas, antes de fazerem muito sucesso... lembro de passarinhos, de sons dos arcos que rodávamos nas ruas, dos carrinhos de rolimã ( que meu pai queria morrer ao me ver com aquilo). lembro do vendedor de Beiju (acho que é o tal cavaco), do vendedor de banana, do vendedor de fumo de rolo... Ah infância, marco. Você sempre nos levando ao passado com sua memória fantástica. Um beijo e um excelente final de semana!
Parabens,MARCO.
Vi-me em muitas situações deste seu post...
Minha timidez me impede de ser o tal "gritador",mas lembrei-me de muitos que passaram pela minha vida.
abraços e otimo final de semana
Marco, bom dia.
Você, mais que os sons dos vendedores, tem o dom de despertar maravilhosas lembranças.
Ai, esses pirulitos! Eram minha perdição....
obrigada, querido por essas doces recordações.
beijos e bom final de semana.
Marco querido amigo...tive a sensação de estar ouvindo cada som , de cada vendendor ambulante...
Alguns citados por ti , eu não cheguei a conhecer.
Mas recordo-me que na minha infância tinha os vendedores de algodão doce, que assoviava por um apito que zunia em nossos tímpanos..rs
Até hoje tem em minha cidade lá no sul os tais vendedores que se anunciam com os apitos estridentes, porém que eu amo de paixão, e meus filhos tb..rs
Está aí algo Marco, que nunca, mas nunca existirá aqui na Suiça, uma pena...grande pena...
SÃO DESTAS TERNURAS QUE FALTAM POR AQUI!!!
Bom findes pra ti e família querido amigo.
Ô belezura, amigo Marco! Uma viagem no tempo... voltei à infância com os sons dos ambulantes: lembro-me bem do vendedor de bijus e do amolador de facas e tesouras, na porta da casa de minha avó. A cidade cresceu e eles desapareceram... Agora, morando em cidade pequena do interior, tive a oportunidade de ouvir, novamente, alguns desses antigos sons de tantas ternuras. Grande beijo.
Estas lembranças são tb minhas. Mas eu não conseguirira escrev~e-las de forma tão gostosamente terna. Acho que as minhas andam mixadas...rs...
Beijocas
Enquanto lia pensava, será que ele nunca ouviu o som do amolador de facas?? e o vendedor de bijú com a sua catraca? Aqui pelas ruas de Cabo Frio ainda passa o padeiro com buzina fonfon e o vendedor de peixe, com uma lasca de lata que passa nas raias da bicicleta.
Boas lembranças menininho!! Beijus
Marco, suas lembranças são ótimas. Adorei os guarda-chuvinhas de grude.. hehhehee
Marco, estes sons de rua também evocam lembranças de minha infância, que o tempo tem tornado cada vez mais distante. Por aqui, no Riachuelo, ainda circula um vassoureiro e um vendedor de picolés (este até deveria ser tombado como patrimônio do bairro) que anunciam seus produtos na base do gogó. Agora, precisam disputar com os famigerados carros de som, principalmente aqueles que insultam nossos ouvidos com mentirosos feitos de candidatos políticos. Mudando de assunto, superaste o "mestre", hein? O AT tem até vídeo! Demais! Aproveito ainda para lhe agradecer pelas belas palavras que deixou no meu último post, em especial, quando fala que "perdemos" Plutão, mas ganhamos um novo astro no céu: o vô Sylvio. Valeu mesmo! Um grande abraço!
Que lindo seu texto Marco! Acho tão bonito relembrar a infância. Falando em sons lembrei de quando eu morava em Angra dos Reis e todos os dias no horário do almoço passava o "homem do cuz-cuz". Meu pai SEMPRE comprava. É uma doce lembrança que tenho dos dias em que meu pai morava com a gente.
Quando me mudei pra Brasília tinha o homem na pamonha e do abacaxi, mas ambos vinham nas suas respectivas kombis usando amplificadores potentíssimos! Então acho que aí já não conta muito né?
Beijos querido e boa semana!
Nossa, lembrei da primeira vez que fui ao maracanã com meus pais, assistir a Flamengo X Fluminense, há uns 18 anos atrás... eu nunca tinha visto tanta gente vendendo coisas e falando ao mesmo tempo nas arquibancadas... "Ó o biscoito pssss psssssss de sal e doce psssss pssssss". "Yopa! Yopa! Quem quer Yopa?"... eu queria tudo! Era muito vendedor ambulante junto... Hoje em dia só passam por aqui os vendedores de algodão doce... e sempre compro também, pra laimentar minha criança interior... mas eles não falam nada, só usam um assobio... Quando as crianças da rua virarem adultos, não vão ter lembranças tão boas quanto as suas e as minhas do Maracanã... apito não fica na memória como as palavras proferidas pelos vendedores...
Beijo!!
Aqui perto de casa ainda tem o verdureiro, que grita tão alto que meus quatro cachorros fazem a maior barulheira. Ainda tem também o cara com um carrinho de doces e sua buzina, vendendo cocada, cuscuz, pé-de-moleque e coisas do gênero. Pois é, meu amigo, aqui o tempo passa um pouco mais devagar!
Um grande abraço!
Nas cidades em que morei não haviam muitos desses...
Adoro o teu canto!!! É sempre uma volta a "antigas ternuras"...
beijos grandes pra ti
O ultimo comentário foi meu... rs
beijos
Olha o comentááááárioooooo!!!
Querida THA, das Desassistidas: Obrigado pela presença. Fui retribuir a sua amável visita e ri muito com os textos de vocês. Aliás, recomendo a todos e todas.
Marcíssima querida: Gostou, né? Não consegui lembrar de nenhum pregoeiro especial do tempo em que éramos quase vizinhos. Mas eles existiam. Os sons que vinham da rua estavam por toda a parte...
Pois é, querida Lili: Os pregões da feira. Só aí dava um outro post. Gostava de ir com meu tio à feira. Era um mundo de novidades que se abria pros meus olhos de criança. Boa lembrança.
Querida Ana Carla: A indústria eletrônica conseguiu transformar essa peça clássica de Beethoven em algo insuportável. Não dá para considerar como ternura esses sons eletrônicos.
Querida Fugu: Também levei um susto quando vi a foto dos pirulitos. Legal, né? Mas pra tirar o papel, o truque era colocar debaixo da torneira e ir arrancando aos poucos. Que bom que você gostou de relembrar isso.
Minha doce Claudinha: Puxa! Você tinha o 14 Bis tocando praticamente do lado da sua casa? Isso é uma grande maravilha! Eu adoro esses caras. Eram tantos os sons que nos chegavam da rua...e que hoje ressoam na nossa memória. Pois é. Tinha esquecido que o que era cavaco no meu tempo, era beiju em diversos outros lugares. Fico imensamente feliz por você ter gostado deste post e dessas lembranças.
Grande DO: Boas lembranças, não é? Eu não era uma criança tímida. Fui tímido com as moças. mas isso aí é uma outra história...
Que bom que gostou, querida Saramar. Essas recordações são nossas antigas ternuras, são partes integrantes de nós.
Ah, lembrou também, querida Roby? Na Suiça não tem disso, não, né? Fico imaginando os seus filhos ouvindo esses sons que vem da rua. Será uma antiga ternura pra eles quando crescerem.
Querida Giulia: Que bom que gostou, amiguinha. Imagino que no interior ainda persistam muitos desses sons que ouvi na infância/adolescência. Você os ouve? Que maravilha!
Querida Euzaloba: Obrigado pela presença e pelas palavras carinhosas. Vou retribuir tão logo possa.
Querida Luma: Imagina se eu ia esquecer dos sons do vendedor de beijus. Aliás, você manda beijus para todos em seus comentários e textos, não é? Ré! Ré! Ré!...
Você mora em Cabo Frio? Ih, então deve ouvir muitos desses sons de antigamente...
Bom, né, querida Janaína? Legal você ter curtido.
Grande Paulo, meu eterno personal teacher de template! Na sua área ainda tem esses sons? Pois realmente deveriam ser tombados como patrimônio cultural!
Gostou da TV Antigas Ternuras? No post novo botei até o trailer do filme. Quer que eu te ensine? Eu ficaria exultante por te ensinar alguma coisa!
Sobre o seu avô, o seu post me emocionou. Que Deus o tenha.
Querida Eduardinha: Bem lembrado! O vendedor de cuscus e quebra-queixo! Na minha rua (e na rua do meu colégio) tinha um que passava aos berros de "olha o cuscuuuuuuuuuussssss!" Muito legal! Valeu pela lembrança! Som de alto-falante não conta. O legal é a turma que leva no gogó.
Querida Karine: Ih, se for lembrar dos vendedores do Maracanã... Mas imagino a sua felicidade em ir pro Maraca ver o Mengão espancar o vasco e ainda ouvir aquela feira de pregões por todo o lado. Você nunca vai esquecer essas antigas ternuras. Quem não ouviu, não sabe o que perdeu...
Ah, grande Evandro!... Você mora em lugar que ainda tem esses sons? Puxa! Que legal! (Quatro cachorros? Caraco! Imagino a zoada queeles fazem quando passa o verdureiro!)
Querida Maga: Que bom que gostou. Aqui em minha velha cristaleira de emoções sempre tenho um agradinho pros meus fregueses. Acho que vou por um arquivo midi com a minha voz, gritando: "olha a antiga ternuuuuuura!"
Valeu, moçada! Obrigado por relembrarem essas coisas comigo. Abraços e beijinhos e carinhos e ternuras sem ter fim!
Você me trouxe lembranças parecidas, de quando eu também tinha árvores no quintal de casa e, quando não tinha nada melhor pra fazer, ficava empoleirado numa delas "ouvindo cabelo crescer" (gostei dessa!). O que eu mais gostava era o vendedor de bijú. Ele também chegava batendo uma matraca gritando "Óóóóóólhaobiijúúúúúúú!!!
E quando eu tinha alguma graninha obtida (também) com troca e venda de gibís e confecção de pipas, descia correndo da árvore e me deliciava com um bijú...
Abração.
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