sexta-feira, agosto 04, 2006

Futebol é pra homem!


Ultimamente, tenho pensado muito nos meus amigos do tempo de moleque, da rua em que me criei. Tem batido a vontade de pegar o carro e dar uma passadinha lá para ver quem encontro, quantos ainda estão morando na área, como estão...
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Noutro dia, eu me lembrei das minhas peladas no campinho onde praticamente aprendi a jogar futebol. Recordei especificamente uma determinada ocasião que fazia com que o futebol fosse especial. O último dia do ano, quando era disputada a tradicionalíssima pelada de solteiros contra casados. Até aí, nada de mais, não é?
Só que todos nós jogávamos vestidos de mulher. Era o famoso clássico “Pirabundas x Vagaranhas”.
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O Estádio João Careca, o “Carecão”, ficava engalanado. No lado do barranco (a bola só saía de um lado, do outro havia um barranco que limitava o nosso campinho), pessoas se empoleiravam para ver aquele espetáculo. No lado oposto, ficava uma enorme fileira de gente, acompanhando a lateral que dava pra rua. Era ótimo, pois eles impediam que a bola pudesse parar sob as rodas dos poucos carros que trafegavam na rua. E também impediam que uma porca, que vivia zanzando por ali com seus bacorinhos, entrasse campo adentro.
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E o monumental estádio da Rua Marambaia estava assim, pronto para receber os dois times de moçoilas. Nem imagino quem teve aquela idéia de jerico, só sei que foi aprovada por unanimidade. As mulheres dando duro em casa, preparando a ceia, e os homens enfiando o pé na jaca e jogando futebol. Eram tempos bem machistas.
Cada atleta tinha que se fantasiar de mulher da maneira que quisesse. Filhas, irmãs, esposas eram convocadas para aquele esforço de botar um monte de barbados parecendo elenco de apoio de “Priscila, a rainha do deserto”.
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Para mim, arranjaram um vestidinho de festa caipira. Era estampado em azul, curtinho, cheio de babados, mangas bufantes. Olha, não é por estar na minha presença, não, mas eu fiquei uma gata! Quando calcei o meu par de Ki-Chute, aí destruí corações! Me ofereceram maquiagem, mas recusei, tá pensando o quê.... Ficou só no vestido mesmo, com sunga de praia por baixo. Diziam que quando eu corria, aparecia o fundo das calcinhas, olha só o esculacho!...
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Mas teve gente que caprichou no visual drag-queen. Era hilário ver respeitáveis chefes de família com meia arrastão, bolsa tiracolo, peruca, batom... E o mais engraçado era ninguém ficar fazendo gestos afetados. Não! Éramos somente homens vestidos de mulher, o que é que tem? Futebol era coisa séria.
Do time dos casados eu gostaria de destacar um personagem inesquecível: o Bigode.
Era um alagoano com cara de cangaceiro, um baita bigodaço, que parecia uma taturana negra. Quando não enchia os cornos de cachaça, passava por nós com cara séria, só “bom dia”, “boa noite” e olhe lá. Nos finais de semana, quando encarava uma “marvada”, ele relaxava um pouco mais. Eu não lembro o nome dele. Quando ele chegou na rua, logo se enturmou com o pessoal da pelada. E aí no jogo, eu só chamava ele de “Bigode”. O apelido pegou. Jogava de zagueiro, sério, espanando tudo o que via pela frente.
No que ele apareceu no campo de saia, meia arrastão “mamãe-vou-à-zona”, blusinha estampada, rímel, rouge, batom vermelho sob aquela bigodaça, peruca e bolsinha...A galera quase se mijou de tanto rir.
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Lembro que uma vez apareceu alguém que não lembro exatamente quem, acho que era o Seu Antonio Careca, com uma caixa parecendo câmera de fotógrafo lambe-lambe, com tripé e tudo. A gente se juntou naquela pose clássica de time de futebol, o cara posicionou a câmera, gritou “olha o passarinho!”, a frente da caixa abriu e apareceu um boneco esguichando água na gente. Nem me perguntem por onde... Ê baixaria...
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Antes do jogo, Carlim Berreba, costumava aparecer com uma garrafa de Fogo Paulista para aquecer os atletas. E poucos dispensavam aquele aquecimento. Eu era um desses, já que tinha 15, 16 anos por essa época. Se hoje em dia eu praticamente não bebo, imagina naquele tempo.
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Tudo pronto para o jogo começar, cada time com seis de cada lado (normalmente, o campinho pedia dois times com cinco, mas era festa), obviamente não tinha juiz, o que dava um atestado de alta periculosidade ao confronto: doze caras vestidos de mulher, alguns cheios de uca nas idéias e todos querendo ganhar.
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Eu era atacante do time dos solteiros, marcado pelo Bigode, que ficava me acompanhando com aquele bafo de cachaça no meu cangote. Num dos jogos, na primeira chance, dominei a bola, joguei debaixo das pernas dele, peguei do outro lado e ele me deu uma pernada, me levantando a dois metros do chão.
- Não foi nada! Fui na bola! – vociferou o cíclope, vestido de vagabunda do Mangue.
Segue o jogo. Naquele estado em que estavam os atletas, do céu da boca pra baixo era “bola” e qualquer dividida era “terra de ninguém”.
Se alguém reclamasse, ouvia a seguinte pérola:
- Futebol é pra homem!
Isso dito por um sujeito de vestido tubinho estampado, colar de pérolas, peruca loura, sapato de boneca e batom vermelho vamp ficava bem curioso.
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Esses jogos eram disputadíssimos. Terminavam 12x11...coisa assim. Eu fazia muitos gols. Nessa época, eu jogava direitinho e além disso, estava com o “bico seco”.

Depois do jogo, todo mundo ia pro boteco do Zico, onde descia um engradado de Brahma estupidamente gelada para a alegria das vagaranhas e das pirabundas. Eu e poucos outros, tomávamos Fanta Laranja ou Grapette.
Era a hora das reclamações:
- Aquela bola saiu!
- Saiu o cacête! Foi gol legítimo!
Ah, sim. Nessa hora o pagode costumava comer solto. Samba de acompanhar na palma da mão que nem esse do Zeca, que vocês estão ouvindo.
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Ah, tempo feliz... Por incrível que pareça, ninguém tirava fotografia da gente (as fotos deste post são meramente ilustrativas). Toda essa farra ficou sem registro. Aquelas imagens, entretanto, estão vivamente impressas na parede da minha memória.
Por onde andam as pirabundas e vagaranhas da Rua Marambaia? Ô meu Deus...O que eu não daria por uma máquina do tempo!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo o grande Zeca Pagodinho e o “Samba pras Moças”.

22 comentários:

Saramar disse...

Marco, que delícia de lembrança.
Eu também gostaria muito de vê-lo vestido assim. Seria muito engraçado.

Beijos

Claudinha ੴ disse...

Tsc,tsc,tsc... quem diria, o moço tão sério... Hahahaha! Mas eu sei bem o que é isto, sou especialista em colocar cílios e unhas postiças no Szafir no carnaval. O pior é a sandália dourada de salto nº43 que fica na minha sapateira... E pior ainda, eles têm TODAS as fotos do bloco das virgens! Fazer o quê? Aceitar estes meninos e seus desejos escabrosos... Mas quanto ao futebol ser coisa de homem,me bate uma frustração. Sempre brinquei só com os meninos e adorava futebol, mas meu pai me colocava para dentro na marra, carregada pela cintura e esperneando. As minhas frustrações infantis: não poder jogar futebol e não ter o carrinho do exército daqueles que a gente pedalava (meu irmão é quem ganhou)!
Pena você não ter foto, queria ver como ficou de caipirinha... Que gracinha, hahahaha!

Vendetta disse...

hahahahaha! E um desses aí na foto? É você? hahaha! Marco, eu ia numa festa de faculdade chamada Gala Gay... meninos vestidos de meninas e meninas de meninos. ganhei um Gala Gay vestida de torcedor do Corinthians!!! Muito gostoso! Um beijão! ótimo final de semana!

Anônimo disse...

É tão bom relembrar estas coisas,MARCO.
Por coincidencia,esta semana o orkut me proporcionou encontrar um grande amigo que não via a uns dez anos ou mais...
Bons tempos de peladas,hehehe
Abraços!

Y. Y. disse...

hahuhahuhuahuuh ai q delicia... querido, toda vez q leio seu blog saio daqui com a impressão de ter lido um cara q viveu coisas incrivelmente deliciosas! te adoro!! um beijooo

Anônimo disse...

Quero acreditar que o meu caminho seja o mesmo.
Talvez você faça parte de uma procura de mim mesma.
Será?
Veja no Lua em Poemas em MOMENTOS TARTARUGA.
Um grande abraço um ótimo final de semana.

Anônimo disse...

Bom... pelo menos uma delas você sabe por onde anda, né mesmo? Anda se lembrando e nos encantando com suas antigas ternuras. Só não sei se é uma ex-pirabunda ou ex-vagaranha... risos.

Abração.

Lara disse...

A-DO-REI! Sabia que isso lembrou um episódio da minha infância? Quando eu morava em Angra, no carnaval, havia o bloco das piranhas. Então todos os homens da vila, respeitáveis médicos, engenheiros, advogados, vestiam seus melhores vestidos, perucas, plataformas e afins, enchiam a cara e caiam na folia! Era ótimo!!!

beijos!

Anônimo disse...

Rsrsrs... estou rindo sozinha, e me lembrando que as máquinas fotográficas (e principalmente os filmes e revelações) eram caros, portanto reservados pras ocasiões importantes...rs... Vc tem histórias sensacionais, Marco! Beijo!!

Anônimo disse...

Maravilha de texto!... Um abraço.

Anônimo disse...

Então, vai sair uma peladinha neste fim de semana? Um abração!

Anônimo disse...

Ai, ai, ai... essa máquina do tempo até eu gostaria de ter, só prá ver a cena aqui retratada... Tempos prá lá de bãos esses, querido amigo Marco. Diverti-me muito com a sua história - alegrou-me o fim de semana, assim como desejo que seja o seu, com alegria e paz! Grande beijo

Anônimo disse...

Marco querido,
ali na Tijuca onde morávamos também tinha o Bloco das Piranhas, hilário que sempre,como ái, começava com a peladona.
Meu armário era invadido e de lá saiam rapazes "lindas" e "charmosas" rumo a alegria.
Bom de ver, de rir, de lembrar...antigas ternuras suas e nossas.
Lindo findi querido,
beijossssssssss
*O encontro ontem foi tão agradável....pena não ter podido ir :(

AnaGarrett disse...

História fantástica. Muito descritiva. Quase nos arrasta para lá.
Saudade grande mesmo, desses tempos, hem?

Janaina disse...

Eu simplesmente adoro suas histórias!! Você é um excelente contador delas.
Também queria uma máquina do tempo para te ver vestido a caráter. Hahhaha!

Anônimo disse...

Hueaheuaheuahe... pois é , Seu Marco , pois é. E a galera da minha sala achando a maior farra fazer teatro e mudar de sexo , ainda que na ficção... :D

Abração!

Evandro C. Guimarães disse...

Rapaz, lembrei imediatamente das várias peladas que joguei na adolescência. Não sei porque me chamavam de cavalo, grosso, becão da roça... Só porque eu incapacitava alguns jogadores com minhas entradas viris! Até hoje não entendo estes apelidos maldosos e injustificados! hehehe!
PS: Finalmente atualizei o Restinga!

Dilberto L. Rosa disse...

Taí uma coisa que eu queria ver antes de abandonar a NET: tua foto como vagaranga! Rs. Olha só: a foto pelo link do "Que bonito é..." Rs. Falando nisso, os Morcegos ainda não se foram por completo... Abração!

Anônimo disse...

ah...
devia sim ter tirado fotos, mas a máquina da lembrança, com certeza nunca deixara esquecer...
mas deve tert sido muito legal...

volta lá, quem sabe encontra alguém...
não deixa pra depois não...

beijo querido, no coração

Anônimo disse...

Marco, o nome desse clássico ficou pra lá de engraçado... rs
Abraços. Bom domingo.

Anônimo disse...

Você descreve tão bem esses tantos personagens da sua História que é como se eu também os conhecesse de tão vivos que eles se apresentam nos seus textos... Adorei! :)
Mas, depois das altas revelações de pirabundas e vagaranhas, soltar um 'o que eu não daria...' soou nostálgico... ;)
Beijão!

Marco disse...

Quer dizer que vocês queriam ver uma foto comigo de vestido caipira, né? Eu também...

Querida Saramar: Pois é, não fizemos imagens, só lembranças, doces lembranças...

Minha doce Claudinha: Quem? Sério, eu? Claro...Muito sério! No quesito frustrações, levo alguma vantagem: eu jogava bola e ganhei um jipinho de pedalar! Quanto a foto, pois é... Seria literalmente uma doce e antiga ternura.

Querida Vendetta: Pelo visto, todo mundo teve um momento travesti na vida, não é? Essas recordações sempre nos são preciosas. E divertidas.

Grande DO: Todo mundo me fala que esse tal de orkut é excelente pra reencontrar antigos amigos. Mas não tenho muito tempo para ficar diante do computador. Pelo visto, você também gosta de uma recordação, não é?

Yumi, minha parceirinha querida: Ah, vivi, sim! E vivo ainda! E pretendo viver muitas outras coisas incrivelmente deliciosas!

Amiga Nancy: Vou no seu excelente blog ler sobre esse momento de que fala.

Grande Zeca: Rá! Rá! Rá!... Bem lembrado! Sei muito bem por onde anda essa pirabunda (do time dos solteiros) aqui. Agora queria saber dos outros. E dos vagaranhas casados também.

Querida Eduardinha: Como disse, todo mundo tem uma drag-queen na vida. Essas lembranças são sempre engraçadas e muito queridas.

Querida Ana Carla: Você matou a charada! Onde eu morava, as pessoas não tinham muita grana para comprar máquinas fotográficaas, filme... Se na época meu pai fosse vivo, ele certamente nos fotografaria. Ele vivia batendo foto de tudo!

Caro mestre Moacy: Valeu pela presença!

Querida Lili: Hoje ainda jogo futebol. Mas de calção e camisa. Ré! Ré! Ré!...

Querida Giulia: Como seria bom se existisse uma máquina do tempo, né? Não é à toa que é um dos meus assuntos favoritos. Já pensou rever nossas antigas ternuras in loco?

Marcíssima querida: Não me foi possível ir ao encontro de blogueiros, mesmo. Compromissos profissionais. Então você foi mais uma fornecedora de vestidos para Bloco de Piranhas? Não estou dizendo que todo mundo tem uma vagaranha na vida...

Querida Anagarrett: Que bom que você apreciou minhas antigas ternuras. me deixa muito feliz.

Querida Janaína: Gosta de minhas histórias? Puxa! Que legal! E é mais uma que gostaria de me ver vestido de mulher? Pois é. Pelo visto, tem um público enorme pra isso...

Grande Bruno: teu pessoal acha que estão inventando o travesti? Rá! Eles precisavam ver o Pirabundas x Vagaranhas...

Grande Evandro: Já até imagino uma dupla de zaga você e o Bigode... Não ia sobrar uma canela inteira! Já vou ver o Restinga!

Grande Dilberto! Que legal que ainda está por aqui! pois é. Você me prometeu o midi-voice do "Na cadência do samba" e até agora nada! E não adianta fazer chantagem, mesmo porque, infelizmente não existe nenhuma foto das pirabundas e vagaranhas...

Pois é, querida claudia: Eu me arrependo amargamente de não ter tirado nenhuma foto daqueles meus tempos de peladeiro. Quero voltar lá, sim. Não sei se encontrarei meua antigos camaradas. mas vale a pena tentar.

Grande Rubo: Pois é, rapaz... E como agitava a Rua Marambaia!

Querida Karine: Você se sentiu à beira do gramado (que no Estádio joão Careca era nenhum...)? fico muito feliz. Ri até da sua piadinha...

Valeu, moçada! Abraços e beijinhos e carinhos e ternuras sem ter fim!