quarta-feira, julho 12, 2006

Velha infância


Essa música dos Tribalistas tem para mim o sentido de me fazer relembrar que mesmo depois de burro velho ainda mantinha resquícios de minha tenra infância. Só Deus sabe o que aprontei nos meus primeiros anos na empresa onde tiro o pão com o suor do rosto. E não estava sozinho nas “reinações”. Éramos um bando de bobos, de adoráveis bobos, sem nada na cabeça. Hoje, quando encontro alguém daquele tempo e pergunto se recorda de nossas travessuras, uns riem nostalgicamente, outros dizem não lembrar... E quando alguém me vê fazendo palestras, ministrando cursos, fazendo minhas pesquisas históricas deve imaginar algo como: “Eis aí um rapaz sério!”
Rá! Ledo engano. Já fui um caso sério, isso sim. Claro que hoje não dá para ser o gaiato que era em priscas eras. Com o tempo, realmente fiquei mais “respeitável” (eu sei, há controvérsias...).
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Entretanto, este blog serve para recordar minhas antigas ternuras. E meus primeiros anos de trabalho são relembrados por mim com muito carinho. Bem, não sei se vocês perceberam, mas eu sou chegado em fazer umas gracinhas. E acreditem: já fui bem pior.
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O ambiente onde eu trabalhava favorecia minhas “aprontações”. Eu e alguns dementes como eu nunca perdíamos a chance de uma piada. Por exemplo: no nosso setor, deixar bolsa ou carteira dando sopa era um perigo sério. Bastava a vítima sair da sala que pegávamos a carteira e grampeávamos todas as suas notas. Fim do expediente, a criatura entrava no ônibus de volta para casa, na hora de pagar descobria que todo o seu dinheiro estava preso por milhares de grampos. Ficava ali, diante do cobrador, na catraca, arrancando um por um, e a fila atrás, só protestando: “Ô cobrador! Ó essa roleta aê!”
Dar mole com o guarda-chuva também não era aconselhável. Picávamos quilos de papel e enfiávamos entre as palhetinhas do bicho. Quando na rua, o incauto abria o guarda-chuva, virava bailarino de frevo sem querer, debaixo de uma chuva de confete.
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Tinha um cara no setor que, um dia chegou e tirou os sapatos e impregnando o ar com um chulé monumental. Aquela inhaca matava gambá na curva. O pé do cara deveria ser registrado na ONU como arma química de destruição em massa! Manja incêndio na fábrica de queijo gorgonzola? Pois é. E não adiantou protestar, o mané disse que a gente estava exagerando. Escolhemos um voluntário para surrupiar um pé de sapato daquele fedorento. Deu tudo certo. O indivíduo quando descobriu, implorou para que devolvêssemos. E olha, até onde eu sei, não devolveram, não. O cara voltou pra casa com um pé descalço, empestando a humanidade com aquele fedor de urubu com inhame.
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Poucos anos depois de eu ter sido admitido, me deram um cargo de chefe de equipe. E eu montei o meu grupo com esses elementos. Eu era o chefe mais esculhambado da paróquia. Sacaneava todo mundo e todo mundo me sacaneava. Mas, curiosamente, quando eu falava: “Gente, agora é sério”, nenhuma outra equipe rendia como aquela! E quando eu tinha que chamar alguém na chincha por ter cometido excessos, falava na boa e a pessoa compreendia e me dava razão. Nunca tive problemas com nenhum deles.
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Um dos componentes do meu grupo era o “Cristo” da turma. Vamos chamá-lo de Osmar. Pois é. O cara era tímido pra caramba. Bom de trabalho, talvez fosse o meu melhor funcionário. Super simpático, agüentava todas as brincadeiras que a gente fazia com ele. Não tínhamos como não gozar daquele cara! A postura dele ao andar praticamente o transformava em um personagem cubista do Picasso. Ele era curvo e empenado prum lado. Eu fiz uma música pra ele, pra ser cantada com a melodia de “Paisagem da janela”, do Beto Guedes. Era ele chegar e a gente cantava: “Seu andar é lateral...Parece um zumbi...” E o pior é que ele ria!
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Não satisfeitos em cantar paródias pro cara, eu e outros maus elementos resolvemos criar uma “história” pra ele. Inventamos que ele só sentia prazer sexual se estivesse fantasiado de Cavaleiro Negro, aquele justiceiro de gibi de faroeste.
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Ficávamos contando essa história pro setor inteiro. Obviamente, o Osmar ganhou o apelido de Cavaleiro Negro! E se ele tivesse algum interesse em alguma das moças, que esquecesse. Nenhuma toparia nada com ele. O Osmar até se engraçou com uma, que foi logo avisando: “O que? Nem morta! Ele pula de Cavaleiro Negro na minha frente e eu nunca mais vou ter concentração pra fazer sexo na minha vida!”
Não houve jeito de convencer a moça de que aquilo era inventado por um bando de canalhas. Não teve acordo.
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Mas a sacanagem não parou aí. Um dos rapazes, que não devia ter nada na cabeça, ficou em casa um dia, recortando cartolinas em forma de duas esporas. E o bicho foi caprichoso! Recortou com todo o cuidado, pintou na cor de prata e levou pro setor. Perto do final do expediente, ele foi devagarzinho, pelas costas até o Osmar. Prendeu as esporas na parte de trás do sapato dele com fita adesiva sem ele perceber. Pronto!
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Na saída, organizamos um grupo para segui-lo, pois queríamos saber até onde ele iria daquele jeito. Lá ia o Osmar, como se fosse um peão pronto para montar no touro Bandido e a gente atrás. O negócio estava organizado. Tinha uma tropa de choque pronta para impedir que alguém o avisasse. Ele andando na direção da estação de trem e nós o seguindo, segurando o riso. Teve uma hora que quase a vaca foi pro brejo. Um do grupo não se agüentou e começou a cantar alto: “Ó, Suzanaaaa...Não chore por mim!” Primeiro rimos. Depois quase linchamos o cara. Depois rimos de novo.
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Na estação, vem o trem. Todos entram. A tensão estava no ar. Será que ele iria de caubói urbano até sua casa? Olha, faltou pouco.
Ele só percebeu quando, no vagão, um menino olhava pra ele, olhava pro sapato dele; olhava pra ele, olhava pro sapato dele. Até que cutucou a senhora ao lado e falou bem alto:
“Manhê! Eu quero um brinquedinho igual ao desse moço!
Não sei como o trem não descarrilou. A explosão de gargalhadas foi sentida até no primeiro vagão.
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Definitivamente, o meu passado me condena...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Velha Infância”, com os Tribalistas..."Meu riso é tão feliz contigo..."

18 comentários:

Anônimo disse...

Dei boas gargalhadas aqui,Marco,heheheh
Quero morrer seu amigo,rapaz.
imagino as situações!!
Gostei!!

Grande abraço!!

Luma Rosa disse...

E com você, não aprontavam?? (rs*) Beijus

Anônimo disse...

Nossa, adorei!
Muito show o seu blog! :)

Y. Y. disse...

HAHUHAHAHAHUahuhuUHAhuUHAhu credo hein... o passado REALMENTE o condena! ahuahuahuhuauh um beijo, querido! ah é... vc baixou a música q eu deixei num link lah no blog? é uma música minha, ouve lah! ;-) um beijo, meu querido.

Lara disse...

ADOREI!!! Fiquei imaginando as cenas! É tão bom relembrar as coisas boas da vida, não é mesmo? Estou passando por momentos assim, me deliciando, curtindo cada instante!!!

beijos

Anônimo disse...

Marco querido,
fala sério heim? Você não era fácil, credo!!
Tadinhos dos que eram pegos pra Cristo,rsss
Mas diga uma coisa: nunca lhe aprontaram nada? Humm, sei, conta isso direitinho aí,rsss
Adorei, comecei bem a tarde, rindo muito.
Dia lindo querido,
beijossssssssssss

Claudinha ੴ disse...

Marco! Meu Deus quanta maldade! Mas eu não posso falar de ninguém, um dia eu conto as minhas... Olha,hummmm, esta de cavaleiro negro, eu até que achei interessante, hahahahah. Já falei que sou torta das idéias? Mas coitadinho do moço, você não tem dó de ninguém! Eu sempre aprontei mas não fazia maldades com os outros, só era levada da breca...
Espero que tenha tomado juízo!
Beijo!

Saramar disse...

Marco, meu querido, acho que nunca ri tanto na minha vida. Minha secretária está aqui perguntando se fiquei maluca. rsrsrsrs.

Seu passado demonstra que você sempre foi um amor de pessoa. E, pelo jeito, deve ser como vinho, cada vez melhor, à medida que a juventude vai lentamente se afastando.

Obrigada pelo texto adorável.

Beijos

Anônimo disse...

uma das coisas boas da vida é relembrar...

adorei querido

beijo

Anônimo disse...

Gargalhadas... quanta farra!! Mas sabe que acho que são essas situações de prazer no dia-a-dia que fazem a vida valer a pena? A gente trabalha muito, ganha pouco, e ainda assim consegue fazer graça. Que delícia de texto, que delícia de memória! Beijão!!

Anônimo disse...

oieeeeeeeeeee,meu querido,vc tem o dom de trazer alegrias com suas antigas ternuras,te adorooooo,brigaduuuuuuuuu,por existir e estar na minha caminhada,uma linda quinta feira ,cheinho de alegrias,e mil beijinhos,vc faz a vida acontecer,bjss

Roby disse...

Que tal o macho de esporas?
Haahahhahha....
E de papel ainda?? rsr
Ai Marco, o que vocês não aprontavam hein?
Custo-me acreditar que tu és carioca, nada contra, mas este seu jeito é típico mineiro com gaúcho..rs
Humor a flor da pele!!!
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Aquele abraço meu amigo..
Sinto que perderei chances e chances de rir contigo aqui, nas 5 semanas que estarei fora da net.
Mas na volta vou imprimir seus textos e fazer um livrinho de cabeceira..rs

Anônimo disse...

Teu passado te condena...rs... me visita aqui no blogspot e no meu espaço msn: http://meuaconchego68.spaces.msn.com... Uma ótima quinta pra você*.*

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkk! Só rindo da desgraça alheia mesmo...
Muito bom seu texto... e que peça rara você!!
Beijo!

Anônimo disse...

Marco, boas recordações. Lembrar de um bom ambiente de trabalho que hoje em dia quase sempre não é tão amigável, é um privilégio. Hoje a coisa já não tem tanta graça. É um tal de nego puxar o tapete do outro. Branco também puxa... rs. E se o tapete for voador, nego e branco atiram pra cima pra derrubar o cara... rs. Falei nas entrelinhas, mas trabalho do SPF e a coisa rola assim.
Ambiente que adorei foi colégio.Talvez daí a razão da minissérie Dulcinéia, ambientada numa escola... Ah! por falar nisso, dá-lhe 5º Episódio, final de ANDIE - a confusão.
Espero que goste. Estou te esperando lá pra ressolver aquele rolo que "rolou".
Abraços!

Roby disse...

Markito meu anjo!
Vim despedir-me ...pois estamos indo ao Brasil este final de semana de férias.
E antes de irmos, quero dar-te um upa!
Sentirei saudades viu?
Ficarei ausente por 5 semanas...
*
Até a volta ...
Fica com deus.

Vendetta disse...

Marco, tive uns problemas com o blogspot e mudei de espaço. Convido você a deitar no meu novo divã. Um beijão!

Marco disse...

E aí? Gostaram das loucas aventuras de minha infância tardia?
Vamos aos comentários:

Grande DO: Fico feliz por você ter curtido. Mas, olha, não sou só eu não, viu? Tem mais malucos no meu hospício, ré, ré, ré...

Querida Luminha: Pelo visto, muita gente quer saber se eu paguei micos como esse do "Osmar", não é? Se tivesse eu contaria. Não me levo nem um pouco a sério. Quem me lê há mais tempo já viu que eu conto sem nenhum problema minhas situações hilárias. Mas, todo cara sacana vive alerta para não receber o troco. E eu estava sempre antenado. Mesmo assim, de vez em quando rolava uma sacanagenzinha básica. Uma vez telefonaram da portaria, dizendo que eu deveria ir lá liberar a entrada de um representante da Abril Cultural. Era distante de onde eu estava. Fui e não tinha ninguém. Voltei quieto, porque naquele tempo éramos todos bons cabritos. Ninguém berrava. Só ia às forras.

Obrigado pela visita, Nikita. É um prazer tê-la aqui lendo minhas velharias. Vou retribuir a visita quando puder.

Querida parceirinha Yumi: Condena, MESMO! Rá! Rá! Rá!...Eu não consegui baixar a música. Sou atrapalhado com essas coisas...

Querida Eduarda: é muuuuito bom relembrar nossas velhas histórias. Meu Antigas Ternuras é para isso mesmo. E pelo que vi, você está entrando na mesma onda, não é?

Querida Marcinha: Eu aprontei muito...Tenho que admitir. Mas se desse mole, faziam comigo também. Você já leu aqui minhas histórias engraçadas...E sempre tem mais. Eu ando bem comportado. Mas é bom não deixarem carteira e grampeador perto de mim...

Querida Jade: Contando assim, pode parecer singelo receber uma chuva de papel abrindo o guarda-chuva no meio da rua. Mas para a vítima, especialmente depois que o povo caía na gargalhada, não era muito legal, não... Depois te escrevo para a gente combinar.

Minha doce Claudinha: Eu imagino que você também tenha aprontado das suas. Olha, Cavaleiro Negro, não sei não, mas Batman...
O cara não ficava bravo, não. Ele ria também. Todos ríamos. Éramos umas hienas.
Não tomo juízo, não. Fui na farmácia e o farmacêutico disse que esse remédio tem efeito colateral: a gente passa a se levar muito a sério.

Querida Saramar: Que bom que você gostou! Mostra o texto pra sua secretária, e ela vai ver que amigo maluco a patroa tem. Você é muitíssimo gentil, fico lisonjeado com suas palavras. Eu é que tenho de lhe agradecer pelo carinho.

Querida Vendettinha: Você e assim? Que nem quieu? Tem outros meninos maluquinhos aí no seu trabalho? Vixe maria! Ré! Ré! Ré!...
Vou te visitar no divã novo logo, logo.

Querida Claudia: E aqui é a casa de quem gosta de recordar...Que bom que gostou.

Querida Carlinha: Que bom saber que você se alegrou com minhas loucuras de velha infância. Naquela época, nós ganhávamos realmente muito pouco, mas só o "couvert artístico" de nossas palhaçadas pagavam a diferença.

Linda Samara: Ah...É um prazer alegrar o seu dia, com minhas loucas histórias. E que felicidade ler suas palavras tão gentis. Você é adorável, mesmo. Obrigado, querida. Obrigadíssimo. Você é um anjinho lindo.

Roby, minha querida! Antes de mais nada, boa viagem, bom regresso à terrinha, que tudo corra bem contigo e com seu povo.
Gostou das minhas doidices? Ré! Ré! Ré!...
Olha, eu sou mesmo um pouco mineiro, porque amo aquela terra, minha família materna vem de lá... Mas quer dizer que eu tenho características gaúchas? É pela gaiatice, é? Então tá! Sou "cariominucho"! Tá bom assim?
Os textos do AT vão ficar aqui te esperando. Vou ficar com saudades!

Obrigado pela visita, Jéssica. Irei retribuir, sim. Mas não tenho MSN, nem Orkut...

Querida Karine: Gostou, né? Que bom! Eu não bato bem das idéias, não... Como você pode ver.

Thatty, querida: Obrigado pela visita. Então, eu estou te dando idéias, é? Rá! Rá! Rá!... Sempre soube que eu era um mau exemplo... Aqui no AT tenho contado meus micos também, querida.

Grande Rubo: Boas, mesmo, caro amigo... Tenho orgulho de minhas loucuras de velha infância. Onde trabalho, graças a Deus não tem disso de puxar tapete, não. Mas sei que isso é uma constante no serviço público. Infelizmente.
Na primeira oportunidade, irei lá ver o 5o. capítulo de sua novela.

Valeu, moçada! Abraços e beijinhos e carinhos e ternuras sem ter fim! Coloco um post hoje e estarei fora no final de semana, viajando para o interior de São Paulo. Se não tocarem fogo num ônibus comigo dentro, prometo estar de volta no domingo a noite.