sexta-feira, abril 21, 2006

Memória sensorial


Eu não tenho a menor dúvida de que há fortes conexões entre a nossa memória e nossos sentidos. Todos os cinco e mais algum, se tivermos.
Sabe-se lá o porquê, tenho acordado com gosto de Embaré na boca. Pareço mulher grávida! E é só sentir este gosto (ou imaginar que eu estou sentindo), que eu me lembro do tempo em que comprava estes caramelos na cantina do meu colégio por cinco centavos (de cruzeiro...) cada. Veja bem: eu só pensei que senti o gosto, imaginem se eu verdadeiramente pusesse um tablete deles na boca...
Mas estava eu defendendo minha teoria, a da ligação dos sentidos com a memória. Senão vejamos.
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O paladar mesmo tem a incrível capacidade de nos arremessar num túnel do tempo, tão logo nossas papilas gustativas identificam um sabor especial. No outro dia, me deu vontade de fazer sorvete de guaraná com leite condensado. É fácil: uma lata de Leite Moça, a mesma medida de guaraná, um pouquinho de leite, bate tudo no liquidificador e coloca em forminhas de gelo direto no congelador. Bastou eu botar um tasquinho na boca para eu imediatamente voltar para algum lugar no passado, a ponto de ouvir a minha mãe gritando com a gente: “Vocês tomem esse sorvete devagar! Depois, se ficarem gripados sou eu que vou ter que correr com vocês para o médico!”.
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A audição também pode nos levar para tempos idos. Eu já escrevi aqui o que me aconteceu quando ouvi o Billy Paul cantando “Me and Mrs. Jones”. Noutro dia, estava passando em um lugar quando ouvi a gravação de Al Green cantando “Let’s Stay Together”. Caraco! Na hora me veio à mente o tempo em que eu gravava músicas no meu gravadorzinho Sanyo e depois ia ouvir na casa do meu amiguirmão Luiz. Saía de lá meia-noite, com meu aparelho e minhas fitas em uma bolsa de papelão pendurada na minha bicicleta. E nada me acontecia de errado!
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Embora possa haver quem duvide, o tato também pode nos conduzir a antigas ternuras. Noutro dia, entrei em uma loja de presentes e vi que lá vendiam pipas. No meu tempo de guri a gente fazia as próprias pipas, embora alguns habilidosos confeccionavam algumas para vender em biroscas do lugar. Era uma delícia sentir o papel fino nas mãos, afilar cada uma das varetas de bambu, ligá-las com arte de aranhas, utilizando linha da marca Corrente, preparar a cola com farinha de trigo, sentindo sua consistência na ponta dos dedos... Tudo isso me veio à mente só manuseando as pipas em uma loja de presentes. Não tinha vento ali dentro. Então, fechei os olhos e fiz o antigo chamamento, baixinho: “vem vento, caxinguelê...cachorro do mato quer me morder...”
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O olfato talvez seja um dos sentidos mais fortes para relembrar bons momentos vividos. Recentemente, fui num restaurante a quilo em que tinha um enorme recipiente de angu a baiana. No que o cheirinho me cutucou as narinas, foi como se eu tivesse dito no meu celular: “Scotty, transporte para um!” e me desintegrasse, reintegrando as moléculas diante de uma carrocinha do “Angu do Gomes”. Antigamente tinha várias delas, espalhadas pelo Grande Rio. Uma delas ficava diante de uma galeria onde havia um pavilhão em que se apresentava “Famyr, a mulher-vampiro”. Era a atração que tinha substituído “Konga, a mulher-gorila”. E pensar que o simples cheiro de angu me trouxesse todas estas recordações...
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Quanto à visão, esse sentido é pra lá de óbvio se queremos dar uma de saudosistas. Pode ser olhando fotos antigas, ou aquela roupa esquecida no fundo do armário, ou ainda uma velha propaganda. Em muitos casos, uma lembrança começa a ser deflagrada por algo que vimos e logo associamos aos demais sentidos. Querem um exemplo? Noutro dia, na feira, eu vi um garoto segurando uma rã enorme. Com a velocidade do pensamento, eu me lembrei que com a idade daquele moleque eu caçava aquele bicho nos brejos perto da minha casa. Ouvia o coaxar da rã, tateava os ninhos, segurava a zoiuda com força, matava e preparava aquele acepipe, sentindo o cheirinho do ensopado na panela. Depois, comia com gosto, saboreando cada pedacinho. Hoje não faço mais nada disso. Teria pena de matar a rã e até um certo nojo de comer aquelas perninhas.
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Meus sentidos memoráveis, minhas memórias sensoriais... Fios desencapados, conectados a um coração vadio que se acostumou a ser feliz.
M.S.
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Como vocês perceberam, o Antigas Ternuras agora tem trilha sonora. Era um velho desejo meu, que foi concretizado com o auxílio luxuoso da minha querida e fantástica amiga Claudinha, amiga de sempre, amiga para sempre. Ela é a minha nova professora de template (pacientíssima!). Escolhi como tema do blog a música que mais amo na vida, o tema do filme (favorito) “Somewhere in Time” (“Em Algum Lugar do Passado”). Aliás, com esse título, só podia mesmo ser tema de um blog chamado Antigas Ternuras, não é?
Eventualmente, tocarei outra música que venha a combinar mais com o texto postado. Mas este será o tema definitivo do blog.
Obrigado, Claudinha. Este post é dedicado a você, com meu carinho.
M.S.

20 comentários:

Anônimo disse...

Ehhhhh Marcão...
E é em função destes sentidos (principalmente a visão) que eu também me recordo daquele moleque franzino que ia jogar futebol de botão lá em casa e, mostrando sua veia jornalística, criou "O CRAQUE".
Tenho certeza que, muito em breve, estaremos participando (eu como um dos patrocinadores) do lançamento do "best-seller" ANTIGAS TERNURAS.
Um bj da família Rocha.
P.S.: Vê se aparece, pô!!!!

Anônimo disse...

Concordo com você, meu caro: sem dúvida que há relaçaão entre a memória e os sentidos. E o seu texto mostra isso com propriedade. Um grande abraço.

Claudinha ੴ disse...

Emocionada, chorona... Assim me encontro ao ouvir a música, a lembrar do filme e resolvi fazer uma surpresa, depois verá. A ajuda, eu também a tive de amigos como o MaC da Dri, Theo Fº e outros queridos a quem sou muito grata. Só estou repassando, professora de template é um exagero, digamos amiga prá sempre, prá novas e antigas ternuras. Amigos, como disse, não se importam em ajudar e pedir ajuda. Eu tenho a memória musical mais aguçada que as outras, mas não me esqueço do prazer em tomar grapette, do cheiro de café torrado de manhã cedo, quando ia pro Arquidiocesano. Aprendi a "18ª variação Para um Tema de Rachimaninoff" no piano por causa deste filme sabia? E vejo agora uma estreita ligação entre o filme, sua história e aquela foto do cartão de visitas... Beijos e muito obrigada pela homenagem, pelo carinho e por ser tão especial!

Theo G. Alves disse...

marco, meu caro,
somos ambos fãs de embaré... fico pensando se existe neste mundo quem não o seja... durante um tempão achei que já não vendessem mais quando tive uma surpresa: encontrei num barraco que vende sansuíches o danado. e chique: tinha várias novas versões. mas preferi a tradicional. comi um bocado.

agora te lendo deu vontade de ir lá de novo ver se aind tem.

abraço!!!

p.s.: vou aproveitar e cascaviar minha maravilhosa coleção de k7s... e ver o que posso conseguir em mp3 :)

Anônimo disse...

Mano Marco:

Sentidos casam bem com reminiscências... E não restam dúvidas que o olfato é-me um dos mais caros: ainda posso perceber o olor de clorofila do Parque 13 de maio do Recife. É a face mais evidente do meu adolescete nariz.

Então tu és um homem sensual? Aqui com a conotação de direito,tá?

Embaré,Leite de Moça,Mel Karo,balas soft,rãs (nossa,você já deglutiu-as!),tanajura (nunca provei deste inseto himenópero da famílio dos formicídeos!) Agora é tempo delas: "cai cai tanajura que teu pai tem gordura"...

Bela postagem,em que causou até um mar de desconforto no meu coração pelo o já-ido. Nele mal consigo navegar com o barco adernado dessas lembranças. Os remos estão partidos e os músculos dos meu braços cortados pelo compulsório bisturi do tempo!

Tenha um fim de semana tão pejado de deleite.

Um abraço cordial!

Anônimo disse...

Adorei o post! Os nossos sentidos também servem para nos levar ao passado e sentirmos o gostinho da saudade de um tempo que, infelizmente, não volta mais...

Kisses

Y. Y. disse...

AMOOOO somewhere in time!! jane seymour e super homem!! \o/ auauhauhauh bjoooo

Anônimo disse...

Incrível a viagem no tempo aqui proporcionada! Agradou-me o ítem sorvete de guaraná - pensei-o esquecido n'algum canto da memória. Papilas eriçadas, pude até ouvir a voz da minha mãe, alertando com as mesmas palavras da sua. Obrigada, caro amigo, uma vez mais, pela possibilidade de tornar a ser criança mais um bocadinho! Ternuras e beijos

Bruno Capelas disse...

Fiquei com vontade de experimentar o tal sorvete de guaraná. E essa música do Al Green é o que há pros momentos... digamos... românticos.

Um abraço!

Lena Gomes disse...

Como diriam 2 amigos meus (ambos blogueiros...: Caraco! Eu também comia Embaré, e também fazia o sorvete de guaraná com leite condensado (qualquer hora vou fazer de novo). As minhas memórias sensoriais mais aguçadas, acho q são as olfativas e as auditivas... O tema musical q vc elegeu pro AT está perfeito. Lindíssima. Eu tenho a fita k-7 (eeeeeeeeeeeita!!!), com a trilha sonora... se bobear, nem toca mais. Mas hoje em dia é fácil ficar ouvindo na internet, então, tudo resolvido. Quando a saudade bater, venho aqui, ou ouço via outro canal virtual.
Enfim... parabéns por mais um belo post... adorei.
Beijos, e um bom domingo.

Anônimo disse...

Marco,

não vejo nenhuma outra música mais apropriada para ser o tema principal do Antigas Ternuras do que "Somechere in Time". Eu também sou fã da música e do filme. O post de hoje, belíssimo, me levou a alguns lugares do meu passado, com tudo o que mencionou. Eu fazia sorvete de guaraná e fazia pipas (até pra vender, cujo dinheiro ia todo para o jornaleiro em troca dos envelopes de figurinhas). As rãs, quem caçava era meu pai e meu tio, que saiam de madrugada, com lanternas e voltavam pela manhã carregados delas. Limpas, pareciam mulherzinhas peladas. Eu nunca tive coragem de provar, pois tinha a impressão de que a carne parecia com carne de gente. Leite condensado, até hoje sou viciado! Aliás, lí o post comendo um doce antigo, que é feito de banana nanica bem madura e cozida em calda de caramelo, sobre uma camada de creme feito de leite condensado com gemas e coberto com creme de leite batido com as claras. Uma delícia, dos tempos da minha infância.

Grande abraço,

Anônimo disse...

Desculpe!!!

Errei o título da música, é
"Somewhere in Time".

Dilberto L. Rosa disse...

Adorei isso aqui, dari um belo poema: "Meus sentidos memoráveis, minhas memórias sensoriais... Fios desencapados, conectados a um coração vadio que se acostumou a ser feliz"... Sobre o texto, meus comentários, se desse a eles margem total, transformar-se-iam em novo texto!!! MAs, só sobre o paladar, eu me aborreço em luitar para encontrar sabores de minha infância que não encontro mais - já notaste como todos os chocolates da Nestlé, antes deliciosos, mudaram de sabor?! E pra pior?! Pois é, saudosistas se entendem... Abração!

Anônimo disse...

em primeiro lugar, preciso de uma amiga como a Cláudinha...ganhei uma imagem da Val...e não consigo por lá...
Bom , mas isso é outra história...
Eu abro um monte de blog ao mesmo tempo ( hehehe...rapidinha) e essa música, tocando...fui fechando todos, para descobrir...de onde vinha... e então o seu ficou por ultimo, tocando e emocionando meu coração...
Tão linda.
Parabéns, bela escolha.
Bom...quanto aos sentidos...rs
faça como eu...( lembra? fiz um trocadilho uma vez...)
me tatei...com a boca..
me...( não lembro mais...)
vc. tem ra~zão com essa associação...sem dúvida.
Um beijo enorme querido
No coração

Paulo Assumpção disse...

Ultimamente, o sentido que mais tem me conectado ao passado é a audição. Basta eu ouvir algum hit dos anos 80 para sentir saudades da minha infância. E como é bom poder voltar a ter aquela sensação de despreocupação dos meus tempos de garoto, ainda que por alguns instantes. Por falar em audição, a trilha sonora está perfeita. Aliás, aquele seu velho professor não estava mesmo com nada. Como não lhe ensinou a colocar uma trilha sonora no blog?! :-D
Grande abraço!

Marco disse...

Que beleza! Abrir a minha velha cristaleira de emoções e ver os posts de meus amigos diletos!

Amiguirmão Luiz: O rapaz franzino ainda tem os NOSSOS times de botão (você me deu o seu, lembra?). E também tenho todos os exemplares de O CRAQUE. Naquela época eu nem imaginava que fosse virar jornalista de verdade.
Um livro? Huuumm, quem sabe.
Pódeixar que eu apareço, sim. Ando mesmo com saudades de nossos papos.

Caro mestre Moacy: Meu sentido da visão te leu e se lembrou de suas magníficas aulas na UFF.

Doce Claudinha: Claro, os amigos blogueiros sempre dão uma força. O Antigas Ternuras tem uma dívida de gratidão eterna com o Paulo Assumpção que deve ter ficado com ciúmes de eu ter te nomeado minha nova professora de template. Era para ele ficar, mesmo, e tratar de aparecer mais por aqui.
Estou sempre aguardando suas deliciosas surpresas.
A "variação de Rachmaninoff", também conhecida como "A Valsa dos Casais" também vai tocar aqui de vez em quando.
Eu realmente tenho uma enorme ligação com o filme "Em Algum Lugar do Passado". Não é à toa que eu o assisti 32 vezes.

Théo! Você achou Embaré!!!! Mas onde, criatura? Aqui no Rio não vejo em lugar nenhum!
Hoje com mp3 você encontra quase tudo que a gente ouvia em algum lugar do passado.

Mano Paulinho: Eu vivo navegando neste barco adernado. E depois que eu passei a escrever este blog, minha memória sempre me surpreende com alguma pepita rara que eu julgava esquecida. Lembro de ter chupado o rabo de uma tanajura, quando menino. E não ter gostado da experiência. Meus colegas faziam farofa com elas.

Doce Claire: A música tem essa propriedade também de nos trazer alguma melancolia. Às vezes até sem a gente saber a razão. Toda vez que eu ouço a Zizi Possi cantar "I Chiove" eu choro como um bezerro desmamado. Já tive até a chance de dizer isso para a própria Zizi. Ela disse que também chora. É por essas e outras que ela é a minha cantora favorita. Tem um perfume: Artmatic. Este me traz muuuitas lembranças!

Pois é, Fernandinha. A gente não volta àquele tempo mas sempre o tem na memória, nossa forma de viajar no tempo.

Yumi: Mas uma pessoa inteligente e sensível como você só pode adorar "Somewhere in Time". Não esperaria outra coisa de você.

Giulia: Então vamos fazer um sorvetinho de guaraná com leite condensado só por causa disso? Que bom saber que você viaja no tempo com minhas reminiscências.

Grande Bruno: Pode apostar: o sorvete é DEZ! E o Al Green é MIL. Eu já assisti a um show dele. "Let's Stay Together" ser ve para todos os momentos. Especialmente para os românticos, você está certíssimo!

Doce Helena: Se a sua fita K-7 não tocar, eu pirateio o meu CD e te dou de presente. Tinha certeza de que você também gosta de Embaré e sorvete de leite condensado com guaraná.

Grande Zeca: Pois é, rapaz. Também acho que não existe música melhor para este blog do que essa trilha sonora de minha vida. uma hora dessas eu faço um post capriochado sobre o filme. Você deve ser da minha geração, para ter feito pipas, tomado sorvete de guaraná...As rãs, só comia naquela época. Hoje eu não mataria nenhuma. Comer, então, de jeito e maneira!

Grande Dilberto: Mas pode escrever o comentário do tamanho que você quiser! O blogspot aceita tudo e eu dou a maior força!
Você está coberto de razão: os chocolates da Nestlé não são como antigamente. Aliás, acho que nada é como antigamente. acabei de tomar um grapette e puá! posso te garantir que no nosso tempo era bem melhor!

Doce Claudia: Olha, para assuntos de template, a sua fantástica xará é campeã. O Paulo Assumpção também. O pouco que eu sei de templates aprendi com os dois.
Eu imaginava que você fosse gostar de "Somewhere in time". Essa música tem o seu jeito. Aliás, o nosso jeito!

Paulo: Aquele "meu velho professor" sempre terá lugar de destaque aqui no Antigas Ternuras. Para você, que é da geração anos 80, deve estar se esbaldando com a volta que a mídia está promovendo. E tem muita coisa legal, mesmo.

A todos, muita luz e obrigado por dividirem comigo minhas antigas ternuras!

Fugu disse...

Marcos, que delícia de blog! E que delícia de texto! A lembrança do sorvete de guaraná foi de gelar a espinha. Ainda acrescentaria os caramelos de chocolate Bhering (aqueles do papel azul escuro com bolinhas brancas), mergulhar a mão num saco cheio de arroz (como Amelie Poulain fez com as lentilhas) num armazém perdido na memória, o cheiro de laquê que nossas mães traziam do cabeleireiro e inundava a casa com uma sensualidade doméstica e confortável, e tantas mais. Adorei. Vou voltar mais vezes.

Guardiões da Estrada disse...

OLA, EU POSSUO UMA GARRAFINHA DO ARTMATIC SERENA LEMBRAM? DEEM UMA OLHADINHA NAS FOTOS DO MEU ORKUT!

Unknown disse...

Eu tenho um Artmatic Serena em perfeito estado.

Unknown disse...

Eu tenho um Artmatic Serena em perfeito estado.