segunda-feira, abril 24, 2006

Fragmentos urbanos


Personagens: Mulher 1
Mulher 2
Namorado
Namorada
Narrador
Local: Interior de um ônibus.
(Sonoplastia de ruído de trânsito. Som de motor de ônibus)
MULHER 1 – (com forte sotaque nordestino) Comigo não, violão! Ele não sabe com quem está se metendo!
MULHER 2 – Mas você fez isso mesmo?
MULHER 1 – Fiz! Fiz e faço de novo! É só ele vir pra cima de mim com aquele negócio outra vez.
MULHER 2 – Ah, mas toda mulher gosta...
MULHER 1 – Eu não gosto! Nunca gostei! Depois a gente fica com a boca grudenta...Não. Ele é meu marido mas não sou obrigada a me submeter às vontades dele...Próxima vez que ele chegar aquilo perto da minha boca eu espero ele dormir e jogo água quente no ouvido dele...
MULHER 2 – Nossa, que exagero! Eu ia me sentir muito vaidosa se o meu marido me pedisse...
(No meio da frase da Mulher 2, a voz dela vai diminuindo e entra num crescendo a voz do Namorado em fusão. O som de ônibus e tráfego permanece)

NAMORADO – Ah, minha xiboquinha, vamos lá! Eu tenho certeza que não vai doer nada. Você não vai nem sentir!
NAMORADA – Ah, bem...Eu não sei. Eu tenho medo...
NAMORADO – Medo de quê? Hoje é tão normal. Se fosse antigamente, eu não dizia nada. Olha, não estou desfazendo de você, meu anjo. Não é isso. Você sabe que eu te amo de qualquer maneira. Mas...Ah, não custa nada você me fazer essa vontade.
NAMORADA – Bem, o que é que vão dizer de mim depois? Você sabe como existe gente linguaruda na minha rua. Eu não quero ficar falada...Eu sempre fui muito direita. Eu não sou que nem aquela piranha da Carmelita. Ela fez e gosta de ficar contando pra todo mundo. Desfrutável!
NAMORADO – Ninguém tem nada a ver com a sua vida. Alguém paga as suas contas? O que você faz ou deixa de fazer não é da conta de ninguém. Eu acho que os seus pais não iriam se incomodar...
NAMORADA – Você acha?
NAMORADO – Er...acho. O Seu Libório me parece uma pessoa moderna, de mente aberta...
NAMORADA – Ah, mas não sei...
NAMORADO – Ah, xiboquinha...Por favor...Eu queria tanto...Me dá esse prazer...
(Som de ônibus aumenta)
MULHER 1 – Mas nem que ele me pedisse de joelhos, com um prego aceso na mão!
MULHER 2 – Você já experimentou pelo menos?
MULHER 1 – Oxente! E num já? Eu simplesmente de-tes-tei. Não sei como é que alguém pode gostar de um estrupício desses!
MULHER 2 – Olha, chegamos. Vamos dar uma passadinha lá em casa que lá eu tenho um que você vai gostar.
MULHER 1 – Não adianta, Lurdes! Não adianta que eu não experimento batom nem pagando! Não gosto de ficar de boca pintada. Coisa mais indecente! No outro dia a minha irmã...
(Voz da mulher vai sumindo. Entra a voz do Namorado 1)
NAMORADO – Afinal de contas, você tem medo do quê? Você não confia em mim? Você acha que eu vou pedir alguma coisa que te faça mal?
NAMORADA – Não, bem, eu sei que você não quer o meu mal.
NAMORADO – Então! Vamos lá, vamos...Se você não gostar e quiser tirar...
NAMORADA – Tá bom...Tá bom...Vamos lá. Eu concordo.
NAMORADO – Beleza! Olha, você não vai se arrepender. Você não é a primeira e nem vai ser a última...
NAMORADA – Eu sei...
NAMORADO – Eu não estou pedindo nada de mais! Só 200 mililitros de silicone nos seus seios. Tenho certeza de que você vai ficar linda!
NAMORADA – Então vamos logo nessa clínica. Olha o nosso ponto chegou. Vamos descer.
NARRADOR – E assim, Cícero Dias, jornalista da Gazeta Popular, passageiro da linha Praça Saens Pena- Méier, consegue outro assunto para a sua coluna.
M.S.

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Este foi mais um dos textos de radionovela que escrevi há alguns anos, no tempo em que gravava uns programinhas em uma radio comunitária. Já postei alguns aqui e este é mais um deles. Eu o dediquei a Dalton Trevisan, que escreveu certa vez ser todo escritor uma espécie de vampiro de almas, sempre a espreita por um assunto.
M.S.

13 comentários:

Claudinha ੴ disse...

Oi "Minino"! Estou passando rapidamente para deixar meu alô, mas não pude parar de ler e tive que vir comentar. Gostei muito do texto, ele nos prende a atenção, tem a dose certa de malícia e tem o final inesperado. Faz até a gente refletir sobre os "pré-conceitos"... Um beijão e até mais!

Anônimo disse...

Meu caro amigo, a coisa mais engraçada do mundo é estar dentro de um onibus lotado e ouvir a conversa alheia, não que você queira, mas o volume de algumas pessoas é realmente desproporcional, você ouve cada coisa!!! rsrsr beijos de mim

Anônimo disse...

Boas histórias, como essa, merecem ser recontadas - apesar do tempo não desbotam, não perdem o vinco e se enquadram no contexto atual. Ótimos fragmentos, Marco! Beijos

Anônimo disse...

Aff! Tô aqui morrendo de vergonha da minha mente insana altamente poluída,kkkkk,pensei em tudinho dessa vida,menos no inocente batom[desde quando a boca fica grudenta com ele?]ou no moderno silicone,kkk
Mas essas histórias da vida real nos fazem um bem danado.
Adorei meu querido,
linda semana
beijosssssssssssssss

Anônimo disse...

Dalton Trevisan é muito bom, mesmo. Felizmente você não deixou aquele travo no fim das estórias. Obrigado pelo incentivo.

Anônimo disse...

marco, como a nossa cabeça é capaz de sugerir coisas diferentes da real. Imagino com os efeitos de uma rádio novela, a coisa deve ter ficado engraçada e bem picante.
Vi as fotos aí e me lembrei que recentemente escrevi algo sobre viagem de ônibus, mas é uma crônica bem pequenininha e se chama CIPOZINHO DAS SETE.
Abraços.

Bruno Capelas disse...

A minha mente é tão poluída que eu já pensava besteiras... eu sabia que não era nada do que eu estava pensando... :D

Bjs!

Anônimo disse...

hehehe...
ótima essa
tão inocente e tão...picante...rsrs
bom eu já imaginei mesmo foi a coisa toda rolando...

mas enfim, era para isso mesmo, não era...hehehe

um beijo querido, no coração

Desiree disse...

muito boas as duas histórias! claro que eu, com minha mente um pouco perversa (rs), pensei outras coisas, mas quem não pensou?

e eu adoro escutar conversa alheia e isso é o que eu mais sinto falta em não andar de onibus ou metro. estou sempre enfiada no meu pretinho. ultimamente busco minhas aspirações em banheiros de festas, sempre escuto conversas otimas!

adorei! beijos

Marco disse...

Claudinha: Você gostou? Puxa, legal. Eu me divertia duplamente nesse tempo das novelinhas de rádio: quando escrevia e quando gravava.

Giovanna: Pois é. Antigamente era "falta de educação" ficar ouvindo a conversa dos outros. Hoje é deseducado ficar falando alto (especialmente nos celulares) para todo mundo ouvir.

Giulia: Foi divertido escrever esta história. Fico feliz por ter agradado aos que lêem.

Marcinha: Você pensou em besteira? Mas era essa a intenção! Fico feliz por ter alcançado. Eu também pensaria se estivesse escutando essa história no ônibus...

Grande Lúcio: Eu sou um fã declarado do Dalton Trevisan. Um dia desses eu conto a história do meu encontro com ele.

Ora, Sonia, seja benvinda à minha cristaleira de velhas emoções! Vou retribuir a visita em breve.

Rubo: Você nem imagina como era divertido gravar essas histórias...Era risada o tempo todo! Tenho certeza de que o seu conto deve ser excelente.

Mutante: Não é só a sua mente que é "poluída". Como visto nos comentários, a de muita gente também. E a minha, se estivesse ouvindo os papos dessa turma.

Claudia: E quem não imaginaria, meu bem? Sim, era para isso. Que bom que você gostou.

Celina: Ah, você me deixa tão feliz por ter gostado da minha novelinha! Eu tenho muitas histórias de ficção. De vez em quando vou postando algumas aqui.

Doce Claire: O Dalton Trevisan acredita piamente no que você falou. Tem um outro escritor, o dramaturgo Harold Pinter (Prêmio Nobel de Literatura) costuma dizer que a sua obra é como se fossem fragmentos de conversas captadas em um ônibus.

Desirée: Sua mente não é perversa...O autor é que te induziu a pensar besteira, ré! ré! ré!...
Imagino que banheiro de mulheres seja um manancial de histórias. Mas, por razões óbvias, não posso ouvi-las para recontá-las. Por que voc~e não conta algumas no seu ótimo blog?

Obrigado a todos, um grande beijo e muita luz para vocês!

Anônimo disse...

Oi, Marco!

Gostei demais dessas histórias ouvidas no ônibus. Claro que a gente pensa em "outra coisa", menos em baton e silicone... risos. Mas o final ficou espetacular, nos trazendo de volta à realidade, como quando o ônibus para no seu ponto.

Abração.

Anônimo disse...

Marco,

Você, realmente, é dos bons na arte de escrever! E olha que isto é uma dádiva que a gente recebe de Deus!
A facilidade com que as palavras fluem e cabeça para bolar estas histórias maravilhosas são as armas de um verdadeiro escritor.

Parabéns e um beijo grande da

Sonia

Marco disse...

Zeca: Legal que você gostou!

Sonia: É sempre um prazer enorme vê-la por aqui. Nem sei o que dizer de suas palavras tão amáveis. Só que prometo continuar escrevendo para pessoas maravilhosas como você.