quarta-feira, março 29, 2006

Feijão ou sonho?


Creio que vocês já perceberam que eu sou um saudosista inveterado. Realmente, eu dou imenso valor às minhas reminiscências. Mas quem me conhece mais de perto sabe que eu também sou extremamente pragmático quando a situação assim o pede. Diante de um problema, costumo arranjar uma solução objetiva. Em último caso, adoto o famoso "o que não tem remédio, remediado está". Meu saudosismo convive muito bem com a minha objetividade, embora pareça contraditório.
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Está em cartaz aqui no Rio um filme que coloca o espectador diante de um dilema:
prezar as antigas tradições ou ser pragmático e garantir a sobrevivência?
Trata-se de "Clube da Lua" ("Luna de Avellaneda", 2004, Argentina, dir. Juan José Campanella). Eu não costumo ter muitas simpatias por argentinos e vascaínos. Aliás, sempre digo que a Argentina é o vasco do mundo e vice-versa. Mas reconheço que senti pena dos caras quando vi, em tempos recentes, um monte de gente diante das portas cerradas dos bancos argentinos, querendo sacar seu dinheiro sem conseguir. A derrocada da economia porteña jogou muita gente na miséria, gente que tinha um padrão razoável de vida. Especialmente aposentados e funcionários públicos. Aposentado eu ainda não sou (huummm, tá looonge...), mas servidor federal, sim! E se o Brasil entra neste buraco que os hermanos entraram?
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No filme, um clube de subúrbio de Buenos Aires, em fins dos anos 50, vivia abarrotado de gente. Os milhares de sócios eram moradores das redondezas, trabalhavam nas redondezas e levavam seus respectivos familiares para dançar, ouvir tangos ou simplesmente se divertir no "Luna de Avellaneda". Namoros começaram ali, casamentos aos montes aconteceram naquele clube, tantas histórias bonitas... O negócio era tão família, que até uma criança nasceu lá, durante uma festa, com todos os milhares de sócios esperando, em silêncio, a criança ser apresentada e chorar no microfone.
Com a crise argentina nos anos 90 o clube entra em brutal decadência. Os oito mil sócios caem para uns trezentos e olhe lá.

Goteiras, reboco caindo, o clube precisa de uma boa reforma, mas não tem um centavo no caixa. E para piorar, ganham uma multa de milhares de pesos da prefeitura. Um cassino faz uma proposta de compra das instalações e ainda oferece 200 empregos para os sócios. Entre os que votariam a proposta, o cenário é desolador. Desempregados, subempregados, gente demitida, sem plano de saúde para os filhos e até sem dinheiro para comer.
O que fazer? Deixar de lado a tradição e os bons momentos do passado e vender? Ou ficar com um clube falido e sem condições para se reerguer, mas que atende com cursos a dezenas de crianças, algumas das favelas vizinhas?
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Comida na mesa ou antigas ternuras? Feijão ou sonho?
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Com isto, a gente vê pessoas que outrora foram orgulhosas (falar em argentino orgulhoso chega a ser pleonasmo...) e que hoje vivem dando trambiques, fazendo "gato" na luz elétrica, na TV a cabo...(na foto, estão tirando um aparelho de dentes de um menino com alicate porque a mãe não tem dinheiro para ir ao dentista e o plano de saúde foi cancelado)
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Destaque para a atuação de todo o elenco, sem exceção, para a trilha sonora (tem uma música que junta tango com samba) e para a direção que soube construir um belíssimo filme, sem usar o recurso do panfleto para tratar de um momento gravíssimo por que todo um povo está passando.
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A gente sai do cinema pensando: o que está acontecendo aqui ao lado pode acontecer aqui? Nosso ambiente político desse jeito que a gente está vendo. A economia, por enquanto vai bem, mas... Sei não, sei não... Ai que mêda!
E você? Optaria pelo feijão ou pelo sonho?
M.S.

15 comentários:

Anônimo disse...

Marco, as vezes a gente n tem muita opção assim. Não se pode optar por um sonho, quando outros sonhos e existência dependem das nossas decisões. Não acho tão fácil assim. Optar por uma coisa sem a menor chance de que ela sobreviva. No caso explícito em questão. Se fosse para manter o sonho, precisaria que alguém acreditasse, corresse atrás. Simplesmente entregar os pontos seria fácil de maior, para a tristeza. Não sou de abandonar o barco pq ele apresentou um furinho, e outro e outro. É preciso mais que isso para que eu pule na água. Então, se ele tá afundando, e eu já tentei todas as possibilidades, preciso salvar a minha pele e no outro dia, vou construir um outro barco, para reviver o sonho do barco antigo. Acho que nesse ponto, sou prática. Meu beijo. O post de hje no meu é pra vc. E pra Eva, a quem devo inspiração poética e carinho.

Desiree disse...

eu não tinha me animado muito em ver o filme, mas seu post me animou!!

Claudinha ੴ disse...

Marco! O seu post faz a gente ter vontade de ver o filme! Eu me emociono com estas histórias. Eu sempre fui sonho, mas sempre dormi com um olho aberto. Hoje, acredito que meus sonhos são apenas companheiros e o feijão, planto todos os dias sementinhas em terra fofa, rego e cuido para retirar as pragas. Minha colheita tem sido humilde, eu tive que recomeçar de novo... Os sonhos passaram a ser mola propulsora e o feijão a dignidade. Resolvido, eu fico com os dois, na medida certa!
Beijão!

Anônimo disse...

Olá, Marco! Fico com o sonho: não pode (ainda) ser alienado, penhorado, confiscado... bjs

Anônimo disse...

Marco,
sonho com feijão não pode? então tá..fico com o sonho e me alimento de esperança.
Não vi o filme mas verei.
Putz, antivascaínoroxo? tenho dois filhos vascaínos e os amo viu?rssss
Lindo dia,
beijosssssssss

Anônimo disse...

Grande mano Marco:

Eu vivo a devanear pragmaticamente.

Se Compoamor (ou foi Calderón de la Barca?) insiste que a vida é sonho,a gente não pode fugir desta sina. Há muitos pesadelos - como os há! -,mas eu sempre abro uma nesga na Realidade à fantasia: o passado não pode ser atropelado na esquina!

Sempre acordo para o sagrado labor da vida com a alma do menino que fui,porque sei que eu vou morrer. Você vai morrer,mas o mar vai entretanto continuar com a precisão desse sistema de ondas que se alternam em movimentos (sonho? feijão?),cúmplices de peixes e das paisagens.

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Mano arretado: muito obrigadão por ter apreciado minha descorada croniqueta em homenagem a ti.

Sendo quem és,merecerias coisas como o céu: metáfora da amplidão!

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Bom dia pra Você,bom dia para os que te querem bem!

Marco disse...

Dira querida: Quando não podemos optar pelo sonho é porque fatalmente estamos condenados ao feijão. Não que eu ache isso ruim. Na minha modesta opinião precisamos de um e de outro. Para mim seria impossível viver sem os dois. Um beijo. E força nos remos de sua barca. Qualquer que seja a barca em que estiveres.
(Já fui ler o seu belíssimo conto e a sua dedicatória a mim e a Eva. Puxa! Nesta semana, eu e o AT fomos citados em quatro superblogs. Aquele meu post sobre os momentos para a eternidade desencadeou uma série de outros posts em outros blogs, todo mundo citando seus momentos... Mais uma semana como essa e o meu coração não vai agüentar! Brigado, gente!)

Desiree, amiga: Ora, seja benvinda! Prazer em tê-la por aqui. Pode assistir ao filme com minhas bênçãos. Ele tem humor na dose certa, tem reflexões bastante para deixar nossos macaquinhos de sótão bem animados e belos desempenhos dos atores. Um beijo!

Querida Claudinha: É provável que este filme não passe nos cinemas da sua cidade. Aqui ele está passando com poucas cópias no circuito Estação. Mas sempre tem o recurso do DVD.
Quanto à sua resposta para a minha pergunta, para mim você gabaritou o exercício. Nota 10. Penso da mesma forma. Um beijo grande.

Seja benvinda também, Giulia! Ah, o sonho! Sonhar é tão importante! Um beijo.

Claro que pode, querida Marcia! Pode, não, deve! Há momentos em que o sonho é fundamental, e outros momentos em que precisamos da terra, do feijão.
Eu implico com os vascaínos, mas tenho grandes amigos que torcem para este estrupício. Seus filhos torcem para o time bacalhoso? Bem, pelo menos eles têm a felicidade de ter uma mãe como você. Um beijão!

Mano Paulinho grande Patriota! Que seria do Antigas Ternuras sem os seus comentários tão sólidos! E citando Calderón de la Barca ainda por cima! Sim , nobre amigo, a vida é sonho (ou sonhamos que vivemos?). Como você, sou um sonhador pragmático. Anseio pelo sonho, mas preciso do feijão. Sou virginiano, signo da Terra. Minha cabeça anda nas nuvens, mas os meus pés estão solidamente fincados no chão.
Beleza o terceiro parágrafo do seu comentário!
Como ousas chamar a sua croniqueta dedicada a mim de "descorada"? Rá! Rá! Rá!... Ela é belíssima, como tudo o que sai de sua pena, inspirada por Calíope.
Um forte abraço, mano grande!

Anônimo disse...

eu trabalharia com o feijão e voltaria a construir sonhos.
Meu amigo...sonhos se constroem.

Marco disse...

Está certíssima, querida Claudia... Como sempre, aliás. Beijo.

Belisa Figueiró disse...

Marco,

Vi o filme na tarde de ontem. Simplemente bárbaro, chico! É impressionante como a Argentina sendo monotemática no cinema consegue se aperfeiçoar e se superar a cada novo filme. Acho que ainda farei uma resenha sobre isso. Sobre o feijão ou o sonho: Vindo para SP de certa forma optei pelo sonho, mas sinto muita falta do feijão preto de Porto Alegre... Abração!!!

Marco disse...

Querida Claudinha: Certa, como sempre. Com o feijão, construímos os nossos sonhos. Com nossos sonhos, ajudamos a realizar nossos feijões. Beijo!

Cara Belisa: Eu sabia que você iria adorar o "Clube da Lua"! Esse filme já desponta entre os meus favoritos do ano. O aspecto monotemático dos filmes argentinos imagino que seja pela pancada que eles levaram que ainda precisam assimilar. Em nossas vidas há lugar para o feijão e para o sonho. Fica muito difícil ficar sem eles. Um beijo!

Belisa Figueiró disse...

Na verdade, a cinematografia portenha gira em torno de três temas: ditadura, tango e crise. Mas mesmo assim, os roteiros mostram que a diversidade é infinita. Beijos

Anônimo disse...

Você deve estar certa, cara Belisa. Eu não assisti a tantos filmes argentinos assim para poder ter uma outra visão. Vi um outro, cujo nome não lembro, que era também excelente e tratava do mesmo tema. Um professor que foi aposentado na marra e teve que vender o apartamento e ir para o interior. Vi também o 9 Rainhas. Ou seja, todos com a crise como pano de fundo, mas em abordagens diferentes. Beijos.

Belisa Figueiró disse...

Respondendo aqui e no Roda: o filme é sim "Lugares Comuns". Muito bom, realmente.

Outros interessantíssimos são "Histórias Mínimas", "O Cachorro", "Conversas com Mamãe", "Abraço Partido"... todos sobre a crise.

Ditadura: "A Nuvem", "Kamchatka", "Hijos, el alma en dos". Tango: "Tango", o melhor de todos.

E mais alguns sobre a essência humana: "Una noche con Sabrina Love", "Un amor de Borges", "Valentín", "O Pântano", "A menina santa". Esses últimos misturam de certa forma os três temas preferidos deles. Abs!

Marco disse...

Cara Belisa: Não vi nenhum desses. Só o "Lugares Comuns", de que eu gostei muitíssimo. Valeu!