sábado, novembro 19, 2005

A verdadeira Avenida Brasil


Nesta semana (16 de novembro), comemorou-se, aqui no Rio, os 100 anos da Avenida Rio Branco. “E daí?”, poderiam perguntar os meus milhares de leitores.
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(Parêntesis: se o Luis Fernando Veríssimo, o Arthur Xexéo e o Agamenon do Casseta e Planeta, que têm milhares de leitores, dizem que possuem 17, então eu, que tenho 17 leitores, posso dizer que tenho milhares. E não discuta comigo. Sou virginiano. O Zodíaco e os psiquiatras dizem que não adianta discutir com a gente. Fecha parêntesis).
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Na verdade, essa comemoração não deveria estar circunscrita ao Rio de Janeiro. Primeiro, porque a avenida foi uma obra federal, logo, ela pertence a todos os brasileiros. Segundo, porque é possível contar boa parte da História do Brasil utilizando aquela faixa de asfalto.
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Ela nasceu com o nome de Avenida Central e veio no rastro de obras que visavam embelezar a cidade e melhorar a qualidade de vida da então capital da República. Em 1902, quando o presidente Rodrigues Alves assumiu, ele pôs como uma de suas prioridades de governo sanear o Rio de Janeiro, cidade onde estava o centro de poder do país e também o principal porto brasileiro.
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A capital àquela época vivia infestada de todo o tipo de peste: varíola, febre amarela, tifo, tuberculose...Já tinha navio que estava evitando aportar aqui com medo de pegar uma ziquizira dessas.
As ruas da cidade eram estreitas, as casas das freguesias do Centro eram um amontoado de gente, vivendo em condições sub-humanas, alguma coisa precisava ser feita. Rodrigues Alves nomeou Oswaldo Cruz para cuidar das doenças do povo e Pereira Passos para os males urbanos do Rio de Janeiro.
O então ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Lauro Muller, decidiu abrir uma grande avenida que unisse o novo porto, lá no cais da Prainha (hoje, Praça Mauá) à nova Avenida Beira-Mar, na altura do convento d’Ajuda (hoje Cinelândia), onde se instalaria um obelisco comemorativo. O engenheiro Paulo de Frontin seria o encarregado. As obras começaram em 1904. E digo “obras” querendo dizer a derrubada de 641 imóveis que estavam no caminho da avenida que tiraria o ar colonial do Rio e lhe daria ares de Paris, o grande sonho de consumo da classe dominante da época.
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Quando eu dou minhas aulas ou faço minhas palestras sobre a História Urbana do Rio de Janeiro, eu dedico um capítulo especial para falar da Avenida Central. A sua construção tem “causos” interessantíssimos. Um dia desses eu conto alguns deles aqui, se vocês se interessarem, é claro. Mas essa Avenida de nome Central, que depois da morte do barão do Rio Branco tomou-lhe o nome, merece ter o seu primeiro centenário muito comemorado. Seus prédios originais, de forte inspiração francesa, foram construídos para duram cem anos. Não duraram nem 50... O furor modernista começou a derrubá-los antes de o século virar sua primeira metade. Hoje, em termos arquitetônicos, o que a salva de ser mais um “cânion” de concreto e vidro que infesta as grandes cidades é justamente as antigas e originais edificações que sobraram da sanha destruidora.
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Essa avenida merecia mais respeito. Como escrevi acima, boa parte da História deste país aconteceu ali. Querem ver?
Em 1930, os ventos revolucionários que vieram do Sul com Getulio Vargas, precisavam de um símbolo para concretizar a vitória da tomada do poder, e foi ali, no obelisco da Rio Branco,onde os gaúchos amarraram seus cavalos, que isto aconteceu.

Ainda naquela década, quando o governo Vargas piscava os olhinhos para o nazifascismo, foi na Rio Branco que os integralistas – versão tupiniquim do nacional-socialismo alemão – fizeram sua parada, exibindo suas milícias.
Depois da guerra, quando os brasileiros ajudaram a derrotar os países do Eixo, ao retornarem vitoriosos, desembarcaram no cais da Praça Mauá e desfilaram pela Rio Branco, celebrando o retorno ao país.
Com o auge da Rádio Nacional, instalada num prédio da Praça Mauá, praticamente na esquina da Rio Branco, era na centenária avenida que os artistas passavam com uma multidão de fãs no seu encalço. E foi na mesma avenida que passaram dois cortejos fúnebres que pararam a cidade: o de Francisco Alves, em 1952, e o de Carmem Miranda, em 1955.

Quando em 1964, o país vivia grande instabilidade política, que culminaria no golpe militar de 1 de abril, foi na Rio Branco que aconteceu a passeata que serviu como avalista do movimento militar. Castelo Branco, nas conjurações das forças armadas, dizia que os militares só deixariam os quartéis para derrubar o governo se a sociedade civil apoiasse. E esta respondeu com a “Marcha da Família com Deus e pela Pátria”, que desfilou, de velas acesas na mão, pela famosa avenida.

Quatro anos depois, o povo clamava por liberdade. Os intelectuais e políticos de vanguarda saíram às ruas para protestar contra e o governo na célebre “Passeata dos Cem Mil”, que atravessou a Avenida Rio Branco de ponta a ponta.
Ao longo de toda ditadura militar, as manifestações contra o regime aconteciam ali, ao longo da Rio Branco, principalmente na Cinelândia.
Ali, eu vi o Brizola fazer o seu primeiro comício rumo à vitória nas eleições de 1982 e ali ele voltou, já como governador eleito, para falar para a multidão. Na Rio Branco, assisti a um grande comício do PT, inclusive tirando fotos de militantes (como eu) que se candidatavam a deputados, prefeitos, senadores etc.

Na Rio Branco, na altura da igreja da Candelária, eu assisti chorando ao Comício do Milhão pelas Diretas Já. Quatro anos depois, eu estava ali, também emocionado, no comício do Lula, que enfrentaria o Collor.
Tempos depois, vi na Rio Branco estudantes com a cara pintada, gritando “Fora Collor!”. Estávamos todos de camisetas pretas, pedindo a saída daquele safado.
E foram muitos outros comícios, festas, shows que aconteceram naquela avenida. Estive em alguns, o que me fez ser um pouco “testemunha ocular da História”, que nem o slogan do “Repórter Esso”.
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É por essas e outras que eu digo que a verdadeira Avenida Brasil é a Rio Branco. Ela daria um livro. Daria, não. Deu. O jornalista (como eu) e apaixonado pela História (como eu) Eduardo Bueno, lançou, nesta semana o livro “Avenida Rio Branco – Um século em movimento”, em parceria com o fotógrafo Fernando Bueno. Ambos gaúchos, talvez tentando redimir a heresia dos conterrâneos em amarrar seus cavalos no obelisco, em 1930.
Ganhei o livro, mas ainda não li. Tem muita coisa na frente para eu ler. Mas, só ao passar os olhos, deu para sentir que é uma obra magnífica.
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Por isso, meus caros, saibam que comemorar o centenário da Rio Branco não é privilégio de nós, cariocas. Façam a festa, brasileiros. A Avenida Central é de todos nós. A Avenida Central do Brasil!
M.S.

9 comentários:

Anônimo disse...

Você administrou o passado e presente desta Avenida de maneira sublime.

Pude a té ver-me nela,sem nunca ter pisado na capital carioca. E evoquei paisagens plenas de esplendor. E até a coreografia de antigos pássaros.

O Rio de Janeiro será sempre uma glória em meio a este inglório Brasil.

Se algumas pessoas se diluíram diante dos meus olhos urbanos voltados para o teclado do computador,mergulhando numa estranha névoa,outras ganharam minha estima para sempre,como um jornalista chamado Marco Santos.

Abraço,boa tarde e uma domingueira bem frentex.

Anônimo disse...

Marco,meu grande:

Rapaz,tuas imagens do dizer por meu ZOOM me causam sempre arrepios.

Tinha de vir agradecer; e que a semente de tua palavra fértil caia sempre no solo sáfaro do meu engenho,inaugurando a relva do aprendizado.

Bom dia!

Anônimo disse...

quem diria, o natalino salvou a urubuzada

Marco disse...

É Ronie, quem diria, o Renato Gaúcho salvou os bacalhosos sebentos...

Anônimo disse...

Chegou a ver isto?

http://nominimo.ibest.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=29&textCode=19268&date=currentDate&contentType=html

Anônimo disse...

http://nominimo.ibest.com.br/notitia/servlet/newstorm.notitia.presentation.NavigationServlet?publicationCode=1&pageCode=29&textCode=19268&date
=currentDate&contentType=html

Marco disse...

Cara Belisa, não consegui abrir esta página que você indicou.

Anônimo disse...

Olá Marco (viu, acertei agora)

Não consigo comentar no seu blog...aquelas letrinhas não me deixam entrar...
só consigo comentar no blo do blogspot que não tem letrinha. (rs)
Bom...Mas adorei a aula de história...
Quando fiz meu city tour pelo Rio ( sim ...eu também...rs)...passei por lá, mas o destino era a Candelária, fui com um amigo professor de história, e ele foi me contando alguns fatos...quase iguais aos seus.
Imaginei a Candelária como uma igreja ENORME, com pátios, árvores, como é aqui em Itapetininga a maioria das igrejas, mas vi que ela esta entre as ruas, como a Igreja da Penha em S.P.
Mas adorei seu post hoje...
E vê se consegue tirar as letrinhas...rs
Beijão

Belisa Figueiró disse...

Pois é, eu não sei o que acontece nesses comentários que cortam os links ao meio...

Bom, faz o seguinte. Entra em
www.nominimo.com.br e clica no "Ensaio", à direita, abaixo, onde tem uma foto do Rio. É um link com fotos antigas e novas da cidade. Acho que tu vai gostar.

Abração!