terça-feira, novembro 22, 2005

Um poema chamado Vinícius

Olha que coisa mais linda, mais cheio de graça, é o filme "Vinícius" que vem e que passa e balança docemente a nossa cabeça.
É o documentário homenageando o "Poetinha", que chamava todo mundo no diminutivo e que chega às telas do Brasil num filmaço.
*
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
*
A estrutura do documentário dirigido por Miguel Faria Jr. é simples, mas perfeitamente funcional. Dois atores (Camila Morgado e Ricardo Blat) se preparam para apresentar um espetáculo, declamando poesias de Vinícius de Moraes, falando de sua vida, entremeados por cantores que interpretam algumas das músicas que ele letrou. Em paralelo, amigos dele contam passagens, "causos", dão a sua opinião sobre o diplomata, poeta, letrista, dramaturgo, mulherengo e "branco mais preto do Brasil".
*
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço
- Meu tempo é quando.
*
O filme ajuda a gente a desvendar os mistérios de Vinícius. Ele viveu nos extremos da paixão. Precisava dela para respirar, para escrever seus poemas, compor músicas. Somente naquele estado de combustão da alma ele se sentia vivo. Eu compreendo isso. Era quando vivia abrasado nas minhas paixões que mais me sentia criativo. Como se aquele fogo que me consumia as entranhas, amalgamasse, cinzelasse, moldasse cada palavra que eu escrevesse.
Só que não acho isso bom. Não, definitivamente, a paixão não é coisa boa. Amar, é. O amor é brisa refrescante; a paixão é vendaval que deixa rastro. O amor é para se degustar. A paixão nos entope e nunca se deixa aplacar ou saciar. O amor é sempre alegre. A paixão é sempre triste: se o objeto pelo qual nos apaixonamos corresponde, dá tristeza porque nunca estamos satisfeitos; se não corresponde, aí é o sétimo inferno, aquele mais profundo, mais tenebroso, de a gente pedir para morrer e acabar com aquele suplício.
Vinícius claramente optava por viver nessa vida abrasante.
*
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Se não, não se faz um samba, não...
*
Vinícius podia ser também o rei da alegria. E era quando extremadamente estava alegre, o que vale dizer, estava apaixonado. As muitas histórias que estão no filme assim atestam. E muitas outras ficaram para ser contadas. Tem uma que eu ouvi de um diagramador do jornal em que trabalhei durante um tempo. Não sei se foi verdade. O cara me garantiu que sim, que conhecia Vinícius, bebia uns gorós com ele e tudo o mais. Conto aqui, segundo ele me contou.
Um dia o Poetinha estava num bar com seus confrades de copo, quando sacou essa: "Tem tanto amigo meu virando veado, que eu vou acabar dando a bunda para saber que gosto tem". Passou um tempo, esse diagramador encontrou ele de novo e perguntou se ele tinha feito a tal "experiência". – Fiz, respondeu Vinícius. "E aí?", perguntou o amigo. Vinícius tomou mais um gole e rebateu: – Gostei, não. É um prazer doloroso e insípido.
*
A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente, não tinha pai.
*
E relação de Vinícius com família foi uma coisa complicada. Com pai, mãe e irmãs, nem tanto. Teve uma família feliz, burguesa, mas feliz. Como conta na poesia dedicada a seu pai. Com as que formou ao longo da vida, com seus nove casamentos, filhos, outros tantos, sim, era complicado. Ele não largava as mulheres, saía dos casamentos por maldade, por falha de caráter. Ele foi extremamente apaixonado por cada uma delas e aí estava o problema. Ele não deixava a paixão virar amor. Quando cessava, preferia arranjar outra paixão e ao conseguir, não via mais sentido em prosseguir com a ex-paixão anterior. E ele sofria por conta disso. Sofria por ter escolhido viver assim. Sofria por sofrer na hora de dizer adeus. E era sempre um momento complicado. Mesmo assim, tenho a certeza de que todas as suas mulheres, em algum momento entenderam que o seu amor era infinito enquanto durasse.
*
Quem pagará o enterro e as flores
Se eu me morrer de amores?
Quem, dentre amigos, tão amigo
Para estar no caixão comigo?
*
Vinícius como o apóstolo Paulo, "combateu o bom combate, completou a carreira" e seguiu para a eternidade. Deixou uma obra extremamente densa, seu legado para o futuro do mundo. Chico Buarque, em um certo momento do filme, disse que não imaginaria Vinícius vivendo nos dias atuais, dias completamente "anti-Vinícius". Ele está certo. O dramaturgo Fernando Arrabal, em O Globo, disse que "hoje é praticamente impossível transgredir, provocar". E o Poetinha, como grande transgressor, encontraria dificuldade em viver em meio a mediocridade em que, miseravelmente, vivemos hoje.
*
Você que só ganha pra juntar
O que é que há
Diz pra mim o que é que há?
Você vai ver um dia
Em que fria você vai entrar.
Por cima uma laje
Embaixo a escuridão,
É fogo irmão! É fogo irmão!
*
Quando acabou o filme, passando os créditos finais, eu comecei a aplaudir e TODO o cinema veio atrás de mim, aplaudindo também. Se você for assistir, depois da última e deliciosa história que o Chico conta para o Toquinho, aplauda também. E saia do cinema cantarolando "se todos fossem iguais a você..."
M.S.

6 comentários:

Anônimo disse...

Eita que deve ser uma coisa linda mesmo. Estou louca para ver. Amo o Vinicius em tudo, sua vida, sua poesia, sua capacidade de ver a beleza e a sinceridade. Um grande beijo pra vc.

Marco disse...

Ora, ora...Duas sócias muito queridas do Antigas Ternuras, que coisa boa!
Carlinha: Não deixe de ver este filme. Ele fala de um Rio que já se foi há muito tempo. E de um poeta como poucos que este país viu.
Claudinha: O que escrevi foi inspirado, baseado, fundamentado no talento do Poetinha, um cara que escrevia em estado de plena paixão. Só uma pessoa completamente apaixonada para escrever algo assim, olha só:
"Vim, cheio de saudade.
Cheio de coisas lindas pra dizer
Vim, porque sentia
Que nada existia fora de você
Nem a poesia, amor, na sua ausência
Quis me receber".
É bonito ou não é?
Beijão pras duas.

Anônimo disse...

Amigo Marco, estou sumido, mas é por uma boa causa. Vou ser PAPAI. Tá convidado pro 'xá-de-beber', com direito a muita bossa.

Anônimo disse...

Marco:

Matéria estupenda esta tua.

A maneira como Você redige (epa!) é o que nos faz seguir até o fim,num fôlego só,atento,teus posts,até mesmo se o tema tenha um gosto do azedo.

E ainda mais sendo puro mel de engenho como Vinícius imenso de Morais,que me desceu nesta madrugada envolto em sono?

Vi a entrevista de Miguel Faria Júnior concedida a Leda Nagle,e trechos do documentário belo,que,alías,foge até das regras da mera técnica já tão batida,onde podemos ver o poetinha,já tão distante,contando casos e cantando canções com sua voz desafinada.(NA verdade,a vida é que está desentoda,dou-me conta agora.)

Obrigado pelo teu abraço fincado lá no ZOOM. Deixo outro para ti.

Marco disse...

Parabéns, papai Ronie! Vê se agora toma juízo (em copo duplo e sem gêlo, ré! ré! ré!...)
Paulinho grande Patriota: Ouvir ou ler Vinícius é uma espáecie de musculação afetiva para alma. O Ministério da Saúde recomenda.
Abração!

Lena Gomes disse...

Não resisti e reli o post agora, mas preciso reler os comments também. Eu volto. O povo q assistiu hoje, ficou tímido pra aplaudir, mas garanto q todos (éramos poucos na primeira sessão) tiveram a mesma vontade... é digno de um longo e caloroso aplauso. Com certeza o velho "Vininha Camarada" deve estar morrendo de rir em algum canto do cosmos... ou vivendo de rir, né? Bjs.