quarta-feira, outubro 05, 2005

Não


É assim que eu vou votar, apertando a tecla 1, no plebiscito que pergunta à população: "O comércio de armas e munições deve ser proibido?"
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Nunca tive uma arma, nem pretendo ter. Da mesma forma que eu nunca fumei maconha, nem cheirei cocaína ou fiz uso de nenhuma droga ilegal, a não ser torcer para o atual ataque do Flamengo, e mesmo assim, defendo a legalização de algumas drogas, como forma de quebrar as pernas do tráfico.
Na verdade, se a venda de armas for proibida, acontecerá com um Taurus 38 o mesmo que acontece atualmente com um sacolé de cocaína. Vai ter muita gente querendo ter, só por ser proibido (vide exemplo da Lei Seca norte-americana, período onde mais se bebeu e mais se fabricou bebidas alcóolicas na História dos EUA).
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Mas o principal argumento que me fez virar o voto do "sim" para o "não" veio depois de eu assistir ao filme "O Senhor das Armas" (que eu já comentei aqui no blog) e de acompanhar à propaganda eleitoral gratuita:
Não são as armas legalizadas que majoritariamente caem na mão dos facínoras.
No filme tem uma cena lapidar: quando aparece na televisão o Gorbatchov, anunciando o fim da Guerra Fria, o personagem Yuri Orlov, o grande traficante de armas, corre e vai beijar a careca do líder soviético na tela aos gritos de "Obrigado, meu Deus! Que maravilha!"
Ele estava festejando por que com o fim das tensões entre os dois maiores fabricantes de armas do mundo iria: 1) sobrar mais armas para vender; 2) criar demanda maior para vendas ilegais de armamentos.
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Imagino que os vendedores de armas estejam apostando e torcendo para a proibição passar. Aí é que eles vão vender revólveres como se vendessem banana em fim de feira. Já vendem para o tráfico os AR-15 e especialmente os AK-47 (o filme "Senhor das Armas" mostra que até uma criança opera este rifle com facilidade – olha uma foto dele abaixo). Como se sabe, estas armas não estão a venda na lojinha de "Caça e Pesca" da esquina. Traficante não compra Taurus 32 ou correlatos.
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O argumento de que com o término do comércio de armas e munições a violência vai diminuir, eu acho que será exatamente o contrário: vai aumentar sensivelmente. Na Inglaterra, Austrália e Canadá, depois de campanhas como a nossa, os índices de violência aumentaram. Impedir a venda de armas legalizadas e nada fazer palas ilegais é tampar o sol com uma peneira rasgada.
O delegado federal Antonio Rayol (meu amigo de infância) falou em uma entrevista recente que os bandidos vão se sentir mais encorajados a invadir uma casa sabendo que não tem um trabuco esperando por eles lá. Se o "sim" vencer, ter uma arma em casa torna o seu proprietário passível de ser processado. Se ele der um tiro, por exemplo, num estuprador que entrar em sua residência, vai em cana, e talvez seja condenado a uma pena maior que o "invasor de domicílio".
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Veja bem: não estou incentivando ninguém a comprar armas, nem a dar tiro em que invadir sua casa. Reafirmo: eu não gosto de armas e nunca pretendi e nem pretendo adquirir uma. Mas não acho que seja o governo, que não dá praticamente nenhuma segurança ao cidadão, que deverá tirar o direito de quem queira comprar o seu pau de fogo.
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Um outro exemplo: eu nunca pediria a ninguém que fizesse um aborto, jamais concordaria com alguém que resolvesse abortar uma criança. Mas acredito que, independente da proibição, quem quiser arrancar um bebê das entranhas vai fazê-lo, por bem ou por mal. Entre ir num fundo de quintal infecto e se submeter a alguém que enfie um arame na vagina de uma grávida e permitir que ela tenha a chance de fazer um aborto em um hospital, com toda a segurança, é óbvio que a segunda hipótese é a melhor. Para isto Deus nos deu o "livre arbítrio". Quer fazer aborto, faça. E depois assuma as conseqüências espirituais de sua opção. Quer ter uma arma em casa, quer se sentir "seguro" com um à mão, que tenha. Não é o governo que deverá impedir isto.
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Vendo a propaganda eleitoral gratuita, a gente tem cada vez mais a certeza de que o "não" tem melhores argumentos que o pessoal do "sim". Colocar um monte de artistas simplesmente para pedir o voto não me convence de que uma opção é melhor do que a outra. Eu adoro a Fernanda Montenegro, mas o argumento dela de que quer "um Brasil melhor" não me faz votar "sim", só porque ela pediu. Eu também quero um Brasil melhor e não acho que proibir a venda de armas - e incentivar o contrabando - seja o melhor caminho.
Em contrapartida, na propaganda do "não" vemos argumentos sólidos, estatísticas, como a que mostra o Rio Grande do Sul como o estado com maior número de armas registradas e o menor em vítimas por armas de fogo. Ter arma registrada não significa que se vá usá-la, nem é motivo de aumento de índices de violência.
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Por tudo isto, eu, que sou da "paz", defendo que ninguém tenha ou use armas. Dou a maior força para campanhas de desarmamento, incentivo o governo a continuar destruindo as garruchas que apreende. Neste quesito, esta é a função do Estado: criar dificuldades para a venda de armas, desestimulando que cidadãos as comprem. Fichar todo mundo que adquira legalmente um revólver, numerar cada arma e cada bala, se possível. Mas não deve impedir quem queira adquirir uma arma, apesar das barreiras.
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Mas, aqui pra nós, poderiam aproveitar a chance de uma consulta à população para perguntar coisas mais importantes como: "você concorda com a atual lei eleitoral?", "você defende um novo Código Penal, que puna com mais rigor qualquer tipo de criminoso?"
M.S.

12 comentários:

Anônimo disse...

Bingo!!! É sincronicidade o conceito de Jung que vez em quando você utiliza não é mesmo? Pois bem, não sou estudante de Jung mas acho que dá certo. Na verdade, só conheço Sincronicity, disco do Police. Ops, polícia, armas, oh o sincronismo aí de novo! he he. Terminei de comentar no Modos, o porquê do meu NÃO. Os argumentos são bastante parecidos. Hoje, comentei em meu trabalho que votaria no NÃO, me olharam atravessado, perguntaram se eu não queria um mundo melhor! Afirmei que, pelo contrário, quero um mundo melhor sim. Repito, acho este referendo de uma inutilidade sem fim! Dinheiro jogado pelo ralo, direto para o lixo com um único objetivo: privar-nos ainda mais de nosso direito de escolha. No caso, de ter ou não uma arma. Não pretendo comprar. Tenho métodos melhores para punir e infernizar alguém, por exemplo, estou preparando uma seleção especial para blogueiros inconsequentes. O tal blogueiro será trancado em um cubico com vodka vagabunda e vinho 'cantiga de grilo', o pior na categoria trash, aquela entre um e dois reais! O melhor é a trilha sonora, é de enlouquecer. "Air Suplly acústico", "Michael Bolton cantando standards" e "Gessinger, Licks e Maltz", o disco progressivo-conceitual dos Engenheiros do Havaí. Quer arma mais eficaz? Nunca mais ele vai inventar de brincar com html, ou qualquer novidade tecnológica sem ler o manual primeiro!! rs rs rs rs

Marco disse...

Pô... Sacanagem com o blogueiro inconseqüente... Eu preferi o silêncio ressentido e acusador. Mas, você é mau, heim Ronie? (Mas que tal adicionar um gravador cassete tocando fita com discursos do Roriz, o livro "Minha História", por Luiz Ignacio Lula da Silva e, quem sabe, um poster com a secretária do Marcos Valério de biquini?)

Anônimo disse...

Vocês não são fracos, hein? Jung! Assim fica difícil.(pagando pau, na humildade, tentanto limpar a imagem) Não conheço o conceito de sincronicidade a que o Ronie se referiu, porém acredito que esteja pensando na mesma coisa, só que sob o nome "teoria dos memes". Aqui não é brincadeira, perguntem ao alemón. Talvez seja só coisa que a estrutura da internet aumente/piore. Sinishtro.

Anônimo disse...

Quanto ao voto, minha decisão é "NÃO". Quanto ao castigo, pode mandar, que eu suporto. Já resisti a tanta coisa... Melhor assim que o silêncio. (inveja saudável, para "dar um lustro" cultural:) Na apresentação de "12 contos peregrinos", GGMárquez lembra um sonho em que encontrava todos os amigos, de todas as épocas, no seu enterro. Todos em festa, ele fica feliz até a hora de ir embora, qdo um dos amigos diz: "você, não; você não pode nos seguir". Daí ele tira que morrer é não poder mais encontrar os amigos. Sorte minha que não escolho as companhias pelo dinheiro. Mais pela mente e corazón("amigos para sempre" em clima bolero. Incluam essa na tortura chinesa)

Marco disse...

Lucio, a sincronicidade junguiana fala de acontecimentos simultâneos ligados pela significação. É o que muita gente chama de “coincidência”. O velho Jung acreditava (e eu concordo com ele), que nós estamos envolvidos em fluxos de energia pelo inconsciente, o que nos faz ficar em sincronia. Ele teve este insight quando tratava de uma paciente que estava narrando um sonho onde ela se sentia como um pássaro aprisionado. Pouco depois, um passarinho entrou pela janela do consultório dele e ficou voando e procurando pela saída.
Vou te confessar: sou fã do Yung. Há pouco tempo, assisti a uma peça com o Sergio Britto, ator e diretor com quem trabalhei por alguns anos, exatamente sobre o velho. O nome da peça é “Jung e eu”. Esteve aí em Brasília, pena você não ter assistido. Mas a peça é fantástica, me revelou facetas de Jung que eu não conhecia, embora já tivesse lido muito sobre sincronicidade e o inconsciente coletivo.
O disco do Police teve o nome de “Sincronicity” por causa da teoria junguiana. Veja este trecho da letra da canção-título: “A connecting principle/Linked to the invisible/Almost imperceptible/Something inexpressible./Science insusceptible/Logic so inflexible/Causally connectible/Yet nothing is invincible”.
Sentiu o drama?

Marco disse...

Sobre o seu "castigo", com todo chororô "made in Gabriel Garcia Marquez", ainda acho que os nossos olhos acusadores e silentes sobre você e a sua travessura são a melhor forma de te fazer refletir e se arrepender. Tenha modos, viu seu moço!

Anônimo disse...

Eu os terei, mas saibam: serão sempre artificiais. (eca!) Posso dar a vida pra passar o contrário, mas continuarei sempre escroto.

Anônimo disse...

Bem já que sempre remo contra a maré, estou preparando um posto pelo "SIM", lá no Modos. Não posso compactuar com os argumentos de vocês.

Anônimo disse...

Sincronicity? Tu tens esse disco, Ronie? Com essa apresentação que o Marco fez... Só achei muito delirante essa teoria do Jung, pelo que li.

Anônimo disse...

Há alguns direitos que é importante ter, mesmo que se tenha a firme disposição de não querer usá-los.

Marco disse...

Concordo, Marcelo. E ainda tem o fato de que a proibição vai estimular o contrabando de tal forma, que mesmo quem nunca pensou em comprar uma arma vai querer ter o seu trabucão.

Marco disse...

Não é delirante, não, Lucio. Pelo menos para mim, ela faz todo sentido do mundo. Da mesma forma que a teoria do inconsciente coletivo. Para quem trabalha com Teatro sabe que tudo isso é perfeitamente crível.