Foi lançado recentemente o livro “Conversando é que a gente se entende”, do meu caríssimo amigo Nelson Cunha Mello, grande professor, grande ator, com quem tive a honra de contracenar muitas vezes. Aliás, durante a última peça em que atuamos juntos ele já me falava de um livro que estava aprontando sobre expressões coloquiais brasileiras. Eu estava terminando o meu livro “Popularíssimo – O ator Brandão e seu tempo” e ele o dele. Nós conversávamos sobre estas expressões e eu dizia que também era um aficionado, gostava de pesquisar e coletar as origens destas frases deliciosas que falamos tão habitualmente quase como um bordão e, em muitas vezes, nem sabemos o que significam. Por ser um estudioso de mitologia grega, acabei descobrindo muitas origens destes ditos. Ao ler autores como Câmara Cascudo, Deonísio da Silva entre outros, acabei arrebanhando um vasto repertório de explicações das expressões. Quem me lê aqui há mais tempo sabe que minhas explicações para estas expressões constituem seção fixa deste blog. Já fui até pauta de um jornal de Vitória, Espírito Santo, que fez uma matéria comigo sobre estes ditos e minhas histórias.
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Mas quero falar sobre o livro do meu amigo Nelson, que compilou mais de dez mil destas expressões, fazendo um dicionário fundamental, importantíssimo, que haverá de elucidar a quantos se interessem por saber o significado e o sentido de frases como “não vale o que o gato enterra”, “mais feliz que pinto no lixo” e “quando o cara está com azar, cai de bunda e quebra o pau”, por exemplo.
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Há uma parte do livro em que o Nelson esclarece sobre a origem de várias expressões, assim como faço aqui e esta parte é deveras interessante. Você acha de tudo lá. Desde bordões de televisão, passando por frases célebres do Teatro e da Música Popular Brasileira até frases antigas usadas há bastante tempo.
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E eu aprendi muito no livro! Tenho certeza de que quem lê-lo vai aprender também. Querem um exemplo? Sabem de onde vem a palavra “ce-cê”, como sinônimo de inhaca debaixo do suvaco? Das iniciais de “cheiro do corpo”. Diz o livro que esta palavra foi popularizada no início dos anos 40 do século passado, por intermédio da propaganda de um sabonete desodorante. Eu não sabia dessa...
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Outra ótima: “por um triz”. Olhem só que fantástico. A palavra “triz” vem do grego trikhós, que significa “cabelo”. Logo, perder (ou salvar) algo por um triz é o mesmo que perder (ou salvar) algo por um fio de cabelo, por alguma coisa mínima, muito pequena.
Mais uma: “emprenhar pelos ouvidos”. Essa é hilária. Provém da teoria de que a Virgem Maria foi fecundada pelo Espírito Santo, por intermédio de um raio luminoso que lhe passou pela orelha esquerda. E como era difícil para as pessoas acreditarem nesta história, ficou como sinônimo de “deixar-se levar por intrigas, fofocas, por informações orais sem comprovação”.
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Quem entre vocês não disse alguma vez: “ih, fulano foi para as cucuias”, significando que o tal fulano”bateu as botas”, “dançou”, “cantou para subir”, “esticou o pernil”, “bateu a caçuleta”, “foi comer capim pela raiz”? Várias vezes, não é? Sabe a razão dessas cucuias como sinônimo de morte? Do bairro chamado Cacuia, na ilha do Governador, cidade do Rio de Janeiro, onde está um cemitério, exatamente o Cemitério da Cacuia. Com o uso corrente, acabou virando a corruptela “cucuia” ou “cucuias”
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Aliás, sobre corruptelas o Nelson dá um show de bola e esclarece sobre o montão de expressões modificadas ao longo dos tempos, em muitos casos virando algo sem sentido, mas que as pessoas aceitam e passam adiante. Querem exemplos? “Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão”. O correto é “batatinha quando nasce espalha rama pelo chão”. “Cuspido e escarrado” vem de “esculpido em Carrara”, província italiana da região da Toscana, grande produtora de mármores e onde se trabalha esta pedra de forma magnífica. “Enfiar o pé na jaca” provém de “enfiar o pé no jacá”, uma espécie de cesto feito de cipó. “Estar com bicho-carpinteiro” tem duas explicações. A mais conhecida, e que é registrada no livro do Nelson, é pela corruptela de “estar com bicho pelo corpo inteiro”, ou seja, estar inquieto. Mas há versões que garantem que esta expressão vem de um dos nomes pelo qual o escaravelho é conhecido, exatamente como “bicho-carpinteiro” (inclusive está dicionarizado), pois ele está sempre roendo madeira. Por esta vertente, “estar com bicho-carpinteiro” seria o mesmo que parecer estar sendo roído por dentro, por escaravelhos, por bichos-carpinteiros.
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No livro do amigo Nelson estão várias expressões criadas por mim, que eu usava numa peça de Teatro que encenamos juntos há alguns anos. Era uma cena em que eu falava para uma atriz “volta pra mim, vamos fazer nheco-nheco!” E ela perguntava: “O que é nheco-nheco?” e, no original, eu dizia algo como “fazer aquilo”. Num dia de ensaio, eu mandei um “gratinar o canelone”, que é como eu falo às vezes me referindo a fazer amor, fazer sexo. O diretor gostou e me incentivou a falar mais destas bobagens. E aí eu despejei meu repertório inteiro de gírias para nheco-nheco. Empolgado, eu inventei várias, a cada dia eu chegava com uma diferente no espetáculo. Olhem só as que eu criei: levar a tora pra serrar, afogar a cobra caolha, pingar iogurte no mexilhão, gratinar o canelone, fazer um cachorro quente sem pão, botar o siri na toca, temperar o chouriço, lixar a linguiça, envernizar o cabeçudo, rechear o pastel de pelo, martelar o bife. E além destas, eu dizia outras que ouvi em minhas viagens, escutando gírias salientes aqui e ali, como por exemplo: descabelar o palhaço, escovar uma tripa, dar um tapa na coelha, botar o Jabaquara em campo, repartir a peruca no meio, amassar o capô do fusca, destroncar o pescoço da girafa, botar a baratinha no espeto, botar a perereca para tomar leite de canudinho e vai por aí a fora.
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O Nelson adorava ouvir estas bobagens que eu dizia e, para meu orgulho e alegria, acabou dicionarizando tudo isso em seu maravilhoso livro. Fico imaginando alguém, daqui a não sei quantas gerações futuras, pegando o livro do meu amigo e chamando a namorada para “botar o siri na toca”... De onde quer que eu esteja, estarei rindo à socapa, com a minha melhor cara de pau.
Amigos, não deixem de ler “Conversando é que a gente se entende”, de Nelson Cunha Mello, Editora Leya, por R$ 48,86 no site da Livraria da Travessa. É sopa no mel, vai que é mole.
M.S.
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Na TV Antigas Ternuras, você vê o Nelson Cunha Mello sendo entrevistado no Programa do Jô, falando sobre as expressões de seu livro.