
A sala onde eu trabalho fica perto da copa. Logo pela manhã, o corredor fica tomado pelo cheiro de café fresco, que sai do coador de pano em busca de todas as narinas que puder encontrar pela frente. E nesse caminho, encontra as minhas cavidades nasais...
Podem falar: tem coisa mais gostosa que cheiro de café fresquinho, passado logo pela manhã?
O mais curioso nisso tudo é que eu quase nunca tomo café. O meu desjejum matinal é feito com sucos e chás, nunca com café. Não me agrada o gosto. Só o cheiro. Vai entender uma coisa dessas...
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Eventualmente, se vou na casa de alguém e me trazem uma xícara, não cometo a indelicadeza de recusar. Mas não o tomo com prazer. A não ser na roça, quando passam o café em coador de pano e adoçam com rapadura. Aí eu beberico uma “xicrinha” com muito gosto. Também toparia tomar uma xícara, num daqueles Cafés de Paris, olhando a Torre Eiffel e ouvindo Edith Piaf...
De qualquer forma, o cheiro de café passado de fresco me traz à lembrança coisas que li sobre a história do café. Se vocês não se incomodam, peguem uma xícara, tomem assento e vamos embarcar em mais uma viagem da séria série: “A História tem cada história...”
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A planta bonita, que dá flores e frutos vistosos, tem o nome oficial de coffea arabica, e foi dado pelo sueco Carl Linné (tem livros que aportuguesam o nome dele para ‘Carlos Lineu’). A primeira parte do nome da planta vem de uma região da Abissínia (norte da atual Etiópia, na África), de nome Kaffa, onde este vegetal surgiu em tempos imemoriais. Curiosamente, os habitantes do lugar não acharam a menor graça naquele arbusto de frutos vermelhos. Mas comerciantes árabes que ali estiveram, levaram mudas e os frutos para a península arábica e lá o consumo se disseminou. O que explica a segunda parte do nome oficial do cafeeiro. Conta-se que até Maomé era chegado num cafezinho...
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Há uma lenda sobre um pastor chamado Kaldi. Ele observou que as cabras que pastoreava ficavam assanhadinhas (no bom sentido...) sempre que comiam as folhas e os frutos do cafeeiro. Tomado pela curiosidade, ele próprio experimentou as frutinhas vermelhas e se sentiu mais vivaz e disposto. Na região tinha um monge que, ao saber da descoberta de Kaldi, mandou pegar algumas frutinhas e fez com elas uma beberragem que passou a usar para resistir ao sono, nas orações noturnas.
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Lenda ou não, o certo é que o hábito de tomar a infusão se espalhou mais que pereba em menino. No Século 16 a beberragem era o grande sucesso em boa parte do Oriente, com as frutinhas tendo sido torradas na Pérsia, estabelecendo o hábito de vez. No Século 17, ingleses e holandeses viram no produto uma boa oportunidade de grandes lucros. E tinha que ser eles mesmos, povos não católicos, logo, não regidos pelo Vaticano que proibira aquela bebida de islâmicos. Entretanto, quando o papa Clemente VIII provou uma xicrinha gostou tanto que liberou geral.
No começo do Século 18, a Cia. das Índias Ocidentais, empresa de Holanda, levou mudas do café para o Suriname (Guiana Holandesa). Mas não foi lá que o produto deu lucro aos flamencos. Nas possessões do Pacífico, especialmente em Java, o café pegou que foi uma coisa! E dali se espalhou pela região.
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E no Brasil? Como começou esta história?
Começou via França, que introduziu o café na Martinica e dali para suas outras colônias. Incluindo a Guiana Francesa...
Até o princípio do Século 18, não havia nenhuma muda de café no Brasil. Os países produtores – França e Holanda – faziam o maior jogo duro com mudas e sementes. Era terminantemente proibido contrabandear café, visto ser uma grande fonte de divisas e eles não queriam perder o monopólio do comércio.
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Em 1727, o governador do Maranhão, João da Maia da Gama, incumbiu o sargento-mór Francisco de Melo Palheta (o rapaz aí do lado) de ir até Caiena para duas coisas: resolver questões de fronteira e conseguir sementes de cafeeiro, contrabandeando-as para o Brasil. Chegando lá, Chico Palheta se fez amigo de Madame d’Orvilliers, esposa do governador da Guiana Francesa. O sargento era um sedutor incorrigível. Um dia foi visitá-la, ela lhe serviu uma xícara de café, ele molhou o biscoito, pronto!, Madame gamou. O cara devia ser muito bom de cama, pois a mulher do governador, tomada de paixão pela palheta do Chico, deu-lhe sementes de café, depois dele ter provado o capuccino dela. Como se vê, tem sacanagem no meio de tudo o que envolve o Brasil. Essa, pelo menos, foi no bom sentido. No sentido de fora para dentro...
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O café foi plantado no Pará e depois no Nordeste, onde o solo não era exatamente propício. Mas quando foi cultivado no Sudeste, especialmente no interior do Estado do Rio, de São Paulo e sul de Minas, ah, o bicho se entendeu com aquele chão e virou o maior produto brasileiro de exportação até hoje.
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Palheta e d’Orvilliers viraram marcas de café. A partir de agora, quando você tomar uma xícara de café, não deixe de pensar que este seu prazer começou na saliência dos dois. E se o cafezinho estiver mesmo muito bom, faça como Madame d’Orvilliers e diga bem alto:
“Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!...Ahhhhhhhhhh.... Huuuuummm...Que coisa boa!!!!!!!”
Santa palheta do Palheta...
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Edith Piaf, cantando “Sous le ciel de Paris”. U-lá-lá!