sexta-feira, julho 06, 2007

Com a mãe no meio


Eu acho que já escrevi aqui: no trajeto entre a minha casa e o meu local de trabalho eu passo por uns cinco colégios. E todos com a garotada espalhada pelos arredores, conversando, namorando ou simplesmente brincando, que é o que mais fazem. Dia desses, eu passava perto de um bando de estudantes, quando um deles jogou uma tampinha de refrigerante na cabeça de um outro que estava de costas e distraído. Quando esse se virou para reclamar, o cínico atirador já estava disfarçando, como se nem fosse com ele. O que não impediu o atingido de abrir o verbo:
- Veado! Féladapulta! Vai jogar na @#$%&* da mãe!
Que nem acontecia no meu tempo de moleque, no tempo das antigas ternuras! E com as mesmas palavras! Garotos... Ré! Ré! Ré!...
*
Prosseguindo no meu caminho, fiquei pensando: por que, quando se quer ofender alguém do sexo masculino, se costuma chamar de veado e em seguida xingar a mãe? Por que ninguém chama alguém de “ladrão”, “corrupto”, “nazista”, que certamente são ofensas muito mais graves do que se referir à suposta preferência sexual ou postura liberal de comportamento da genitora de uma pessoa?
Fiquei matutando sobre o que motiva as pessoas a buscarem ofensas sempre neste sentido.
*

Bem, como tinha tempo para pensar, fiz minhas reflexões.
Para os latinos, acusações que envolvam a sexualidade e especialmente atinjam a mãe são consideradas as mais graves. Não consigo imaginar um sueco chamando alguém de filho da puta. Nem um russo, por exemplo, acusando alguém de ser homossexual. Sei que na língua inglesa existe o “son of a bitch” (“filho de uma cadela”), mas o sentido desta ofensa é bem mais o de “bastardo”, ou seja, aquele concebido fora de uma relação legal. Xinga-se alguém disso, acusando-o de ser fruto de uma transgressão sócio-jurídica, nem tanto pelo aspecto comportamental. O sentido do xingamento deles é diferente do nosso.
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Na verdade, intrinsecamente falando, isso nem era para ser considerado como ofensa. Se alguém opta por se relacionar com alguém do mesmo sexo, é problema dele. É o mesmo para quem escolhe a profissão que vai seguir, o time por que vai torcer, os artistas que irá admirar... São coisas de foro íntimo.
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E se a mãe de alguém é professora, aeromoça, médica, engenheira ou escolhe ser garota de programa, é problema dela, de julgamento ético e pessoal de quem faz essa opção.
Mas, especialmente entre crianças e adolescentes, nada cala mais fundo do que ser acusado injustamente (porque se for justamente aí deixa de ser ofensa...) de ser veado ou de ser filho de uma prostituta.
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E por que essa ofensa vira coisa muito grave?
Bem, vamos para as minhas considerações, mas antes quero deixar bem claro que o que vou dizer é como vejo a sociedade, não é como eu penso.
O homem latino tem função bem determinada na constituição familiar. Cabe a ele ser o pai, o provedor, o dono da semente que fecunda a mulher e passa adiante seus cromossomos (mesmo que a figura do homem chefe de família esteja em processo de mutação; majoritariamente, o homem está destinado a ser isso aí que eu falei). Não pode haver dúvida sobre sua sexualidade, uma vez que isto faria com que se sentisse desvalorizado ou menos respeitado em sua comunidade por não satisfazer sexualmente a esposa, por não adotar, de forma geral, uma postura viril necessária para criar e proteger o seu núcleo familiar (como era feito desde o tempo das cavernas...), por adotar práticas condenadas pela religião, eterna guardiã da moral, bons costumes e principalmente por assumir comportamentos contrários à procriação ordenada e ordeira dos fiéis.
Transgredir essas determinações é cair em erro gravíssimo perante a sociedade.
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No caso das mães: nós, latinos, temos na figura de Nossa Senhora o modelo de virtude em que deveriam se espelhar todas as mulheres, especificamente todas as mães. Não pode haver numa genitora desvios que a afastem demasiado da postura que Maria, mãe de Deus deixou como exemplo. Comportamento sexual e virtude e retidão de caráter são coisas intrínsecas, fazem parte da atitude esperada de todas as mulheres. Se uma mãe transgride isso, ela traz para si e para a sua prole a reprovação de seus pares. De uma mãe só se espera uma sexualidade monogâmica e absolutamente comportada. O contrário disso é passível de ser “apedrejada”, mesmo se for com palavras ofensivas, que a marquem como “diferente” pela sua comunidade.
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Chamar alguém de ladrão, de corrupto em nossa sociedade, é grave, mas são duas atividades que podem ser confundidas com esperteza e ser “esperto” no Brasil é virtude, não é defeito. Portanto, se o objetivo é atingir moralmente quem se quer ofender, deve-se buscar temas que calem fundo: o comportamento sexual não-esperado de um homem e de sua genitora.
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Estas foram reflexões ligeiras de quem estava caminhando, não pesquisei a fundo sobre o assunto. E, principalmente, volto a dizer que é uma análise que eu faço de um fenômeno social, não estou criticando ou prejulgando a sexualidade alheia. Esclarecida esta parte, digo que estas reflexões que faço, para mim, fazem muito sentido.
E para vocês?
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Garotos”, com Kid Abelha.

30 comentários:

Claudinha ੴ disse...

Oi Marco! Seus posts ultimamente têm sido bastante reflexivos. Eu vejo muito isto (alunos e filhos) e quando vejo, eu mesma já apelei pra mãe. De minha parte,não quero que meus filhos se achem "filhos da santa e muito menos da outra", mas não gosto de ser colocada no meio das confusões. Tenho pena dos juízes, mas eles são mesmo. Os costumes variam de região para região, que dirá de um país para outro. O negócio é atingir o inimigo da maneira mais "adrenalínica" e explosiva possível e aqui é mesmo a pobre da mãe, que padece em paraísos, quem leva a pior.
Beijo!

Anônimo disse...

Marco,
Concordo com tudo o que você diz e com o estilo agraente, agradável e cheio de graça. Sei que estou me tornando repetivo, mas o que faze? Um grande abraço, um grande final de dia e um grande final de semana.

Moacy Cirne disse...

Cara, suas reflexões me parecem absolutamente corretas. Há certas ofensas que têm um peso histórico e cultural que extrapolam qualquer senso de "moralidade social". Mas também são ofensas carregadas de "historicidade". Recentemente, em nossos estádios de futebol, em função de um episódio muito conhecido, os juízes passaram a ser xingados de "Edilson". (Coitados dos vários Edilsons honestos espalhados por esse Brasil afora...) Um abraço.

Anônimo disse...

Demoro, mas sempre volto. Já estudou o antigo código civil brasileiro? É exatamente o que você descreveu.

Anônimo disse...

OLÁ MARCO! NOSSA QUE PRAZER INENARRÁVEL EM ENCONTRAR O SEU BLOG, QUE SENSIBILIDADE E INTELIGÊNCIA, FIQUEI EMOCIONADA,
POR SABER QUE AINDA EXISTEM PESSOAS COMO VC, E TEMOS GOSTOS MUITO PARECIDOS!QDO PUDER VENHA ME LER, TENHA UM FDS MAGNÍFICO, REPLETO DE BOAS ENERGIAS E PAZ!
BJS RAQUEL/KEKA
HTTP://FASCINACAOEMPOEMAS.SPLINDER.COM
HTTP://KEKA-DAN.MYBLOG.COM.BR

Saramar disse...

Oi Marco, bom dia.
Mesmo sem pesquisar, eu creio que você explicou muito bem a importância social dessa forma de ofender as pessoas.
Destaco, entretanto, o que você comentou ao final sobre corruptos e corrupção em geral. O fato de ser considerado quase como elogio da "esperteza" mostra bem como a ética é rara entre nosso povo. E isso é muito pior que ser xingado com os nomes que você analisou.

beijos, bom domingo.

Anônimo disse...

Oi Marco.

Voce realmente falou tudo. Eu nunca tinha pensado nisso, mas e mesmo verdade que para nossa sociedade não tem nada pior do que humilhar uma pessoa falando da sua sexualidade e da moral de sua genitora.
Otima reflexão.

Abraço

Anônimo disse...

Marco. Interessante esse raciocínio que vc fez, a partir das ofensas dos garotos. É na verdade, cultural "o xingamento"...em cada sociedade. Fiquei pensando na briga entre um menino palestino e um israelita...O xingamento deve ser bem diferente...rs
Essa cultura da perfeição materna deve ser originada no Marianismo, que é a linha do Catolicismo que venera a Virgem Maria...E nós, mães ocidentais, penamos com isso..né? rs
Enfim, seu texto é sempre bem explicitado.
Deixo-lhe meu abraço.
Dora

Anônimo disse...

Você esclareceu tudo, Marco. Nunca parei pra pensar sobre o assunto, mas acho que é por aí mesmo.

Beijos e ótima semana!

;)

Anônimo disse...

Meu caro Marco,
Andei (e ando) meio cantando pra subir, o que me impediu de te visitar com a assiduidade que gostaria. Vir aqui, além de nos informarmos, saímos melhor como gente, a alma mais leve, as emoções mais limpas.
Atualizei a leitura e... dizer o quê?
Vou me repetir: gosto de tua maneira elegante, escorreita e bem humorada de tratar das coisas que importam.
Boa semana e um forte abraço.um

Nena disse...

Ternurovski

Eu jogo o "jogo de você" e sei que muitas "convergências' ainda vão surgir nos diversos assuntos que você coloca no belíssimo Antigas Ternuras.
Mas xingamentos têm uma única intenção: ofender. E nada pior que mexer com a mãe dos outros. Até os políticos iriam ficar bravos se pudéssemos chamá-los de filhos da p#%a. De ladrão e corrupto eles não ligam mais, nem dói nos ouvidos... infelizmente!

beijão carinhoso, muito carinhoso

Dilberto L. Rosa disse...

É, primão, as mães e as "bichas" primeiro... Eu mesmo sempre detestei as gracinhas com minha mãe no Colegial (outra brincadeira detestável é a atualmente em alta "moda dos cornos", sem graça, sem graça, especailmente para os que amam...) e concordo que tudo passa pelo "temperamento latino" (aquele que é fogo...), lembrando o lado "cavalheiro" dos machistas na hora de proteger... Interessantes reflexões, lembraste-me duplamente de "E su mamã también"!

Velho, não sou bem um "quadrinhista", mas desenho desde menino... De qualquer forma obrigado pelas palavras e, tão logo a coisa avance, eu darei um jeito de te mostrar!

Marco, não deixe, por favor, de dar uma olhada no 'post' anterior, onde falo de tuas "Antigas Ternuras" em razão do prêmio Blog Cultura a que me indicaste (no que já agradeci por aqui também). Forte abraço!

Anônimo disse...

Sim, tens razão. Os machos latinos, como muitos gostam de ser apelidados, detestam que mexam com a sua sexualidade. Mas alguns têm comportamentos deveras estranhos... Contudo não vou entrar por aí! lool
Pena realmente que as pessoas consideram mais ofensivo as "dúvidas sexuais" do que as dúvidas de honestidade! Enfim!
Porém, cá, mais no Norte, admito, depende da forma como o dizes. Muitas vezes os rapazes tratam-se por f... da p..., mas não consideram isso ofensivo. É quase como se fosse uma maneira "carinhosa" de tratar o amigo! looool

Uma óptima semana! *.*

Anônimo disse...

Vinny já é praticamente uma ternura quase antiga, né Marco?
Quase não se ouve falar, e esta fase dele quase ninguém conhece mesmo.

Parabéns pelos prêmios, querido, vc os merece todos, e seu espaço é uma maravilha de se ler.

Eu fico envaidecida com os meus prêmios, sabe? Pelo carinho mesmo em torno de todos eles.
É por isso que não consigo mais escolher só 5 ou 7... o carinho é enorme que eu tenho por aquela minha lista toda, vc inclusive.

Beijo e ótima semana

Luma Rosa disse...

kkkkkkkk eu nunca fui chamada de Veada ou filha da puta! Sei lá, acho que as pessoas procuram o ponto fraco da outra para agredir e na falta, essas palavras saem quase que automaticamente.
Aconteceu um caso recente, que me relataram pedindo conselhos. Um garoto de 10 anos estava num transporte escolar junto com crianças menores. Um dos pequininos perguntou à ele, o que era veado. Ele não teve meios de explicar e disse que era para o garotinho perguntar para a mãe.
Resultado: O garoto maior pegou suspensão na escola, porque o pequenino não soube explicar para mãe o porque que o garoto maior falou para ele questionar a mãe.
No fundo, as pessoas criam barreiras (no caso, a mãe) que os mais novos não entendendo o real significado das coisas. Consequentemente, esse menorzinho, sem saber o significado da palavra, ao se deparar com um oponente, certamente o chamará de Veado.
Marco, parece que tem uma grande diferença entre viado e veado. Eu na dúvida, te copiei! (rs*)
Boa semana! Beijus, Luma

Anônimo disse...

Claro que fazem sentido,MARCO.
Aliás, vc sempre é muito oportuno nas considerações e,claro,nas explicações a que se propõe.
Confesso que já aprendi muita coisa aqui no seu cantinho,pra lá de fundamental.
Qto a ofender,estava aqui recordando e acabei engrossando a lista dos latinos que acabam tbem usando o famoso "fiadaputa",rssss

Abração e uma otima semana.

Anônimo disse...

Só passando rapidinho pra deixar carinho nessa segunda, e em todos os dias também amigopratodavida
beijos
*tadinhas das mães :(

Lara disse...

Olha MArco... não sei o porquê disso.. mas acho que esse fenômeno ocorre mais no sexo masculino. Posso dizer que para uma mulher dói muito mais ser chamada de Gorda, do que de puta hahaha
beijos

Taís Morais disse...

eu não sei, mas me senti diretamente envolvida com o texto.
Um: sempre que vou xingar meu filho, o xingo de filho da Puta... ahahaha, me xingo, é mole?
e não sei a razão. Talvez para que ele sinta que está transgredindo as regras e se sentir culpado?
não sei.
de qq forma, foi bom ler as tuas reflexões, pois nunca havia pensado neste tipo de coisa.

te beijo

Taís

Anônimo disse...

Fiquei imaginando que você escreveria um tratado se tivesse debruçado sobre a mesa para refletir...rs. Pensou tudo isso enquanto caminhava? Rapaz, isso que é talento! Um post excelente. Parabéns, Marco!
Gostei particularmente do universo da latinidade que abordou. Está coberto de razão. As ofensas buscam desestruturar o ofendido, nocauteando-o moralmente. E nada mais ofensivo, para garotos, que o v**** e o filho da p***. E as razões são bem as que colocou aqui. Uma bela reflexão.
Abraços.

Tina disse...

Oi Marco!

Gosto do modo como você explora os assuntos a que se propõe: muito bom. Parabéns.

E a "mãe", tá sempre no meio das ofensas... Que coisa, né?

beijos querido, boa semana.

Anônimo disse...

Marco:
Acho que suas reflexões estão corretas e vejo no cerne desses xingamentos o puro machismo latino. Para ele, veado e fdp são coisas inanceitáveis.

Fernanda disse...

Isso vem da repressão que as mulheres sempre tiveram! Herdamos isso da sociedade machista em que vivemos!!

Muito legal o post como sempre!!!

Kisses

http://fernandaruiz.com

Chellot disse...

Marco, a questão é que repetimos o que nossos pais falavam e o que ouvimos os outros dizerem. Por que não xingar o pai: seu filho do pai! Afinal a mãe não é hermafrodita e o pai tem sua cota de responsabilidade. A escolha de cada um de nós não deveria ser usada como forma de rebaixar o outro. Ser homo, hetero, bi, trans ou o que for só diz respeito a cada um e não será a sociedade, a igreja que irá mudar o jeito de ser de cada um.

Beijos perfeitos.

ninguém disse...

Marco. Acho que tudo passa pelo medo da sexualidade. E das transgressões: ser homossexual e puta são comportamentos vistos, hipocritamente, pela sociedade, como à sua margem. Ou seja: todo mundo sabe que existe, usa ou adota, em eventuais ocasiões, mas, para o bem de todos, convém apedrejar e ficar do lado "bom". A gente sbe que, a sociedade,como força, é perversa. E o mais incrível é ouvir uma criança de cinco, seis anos, xingando com estas expressões que não entende. Mas, de algum modo, já aprendeu que ofende pra valer.
abraço

Léo Scartezzine disse...

Olá,
Vc esteve no BlogSuite apreciando os escritos de Saramar. Obrigado pela visita, e pela oportunidade de conhecermos o teu espaço. [Abraços]

Luciana L V Farias disse...

Concordo em gênero, número e grau com suas reflexões, Marco. São bem verdadeiras, mesmo!!!

Beijocas...

dade amorim disse...

Claro que você está certo. O problema é que essas coisas passam de geração a geração há séculos, estão por assim dizer no sangue. Entender o alcance do que se diz supõe que as pessoas entendam bem o que ouvem e lêem e sejam capazes de alguma crítica, e isso não acontece entre nós. As palavras aqui são lançadas como pedras. Um beijo.

Anônimo disse...

Gostei das suas reflexões, Marco!!! Nunca havia para pensar nisso!

Achei bem bacana você atentar para os chamados "valores latinos". As vezes eles dão um nó em certos estudos quando queremos transpor os resultados de uma cultura anglo-saxonica, por exemplo, para uma cultura latina.

Beijos

Anônimo disse...

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