sexta-feira, maio 26, 2006
Caô
No dicionário carioquês, “caô” significa “conversa mole”, “papo furado”, “conversa fiada”... E “mandar um caô” é o mesmo que tentar se safar de alguma situação da maneira mais cínica possível ou se dar bem em algum lance. Para quem quer exemplo de caozeiros em ação, basta assistir à entrevistas de algum deputado, senador, governador, presidente... Nem todo caô é “do mal”. Às vezes, é até divertido. E eu prefiro falar de exemplos mais prosaicos e deliciosos, onde o mais puro “caô” foi proferido.
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No antigo lugar onde me criei tinha uma família de alagoanos e alguns jogavam bola com a gente. Anselmo e Geraldino eram bem mais velhos que a nossa moçada. Um sobrinho deles, o Tininho (de Faustino), era da minha idade. Pois lá das Alagoas veio mais um irmão, o Augusto, um negro bem apessoado, que causou furor nas mulheres casadas do lugar. Aliás, ele parecia dar preferência às donas de casa, não se importando nem um pouco em ser o “Ricardão” da nossa rua.
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Ele se engraçou pela irmã do Jurandyr e do “Play” (era apelido, porque ele gostava de usar cabelo de playboizinho...). Não lembro do nome dela, mas me recordo que era uma mulataça vistosa, de curvas, peitos e bundas que atraíam olhares cobiçosos que , canalhamente, se dirigiam para a sua derrière quando ela passava perto do campinho. A moça era casada com um cara legal, bom pai, bom trabalhador. E o Augusto se importava lá com isso?
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O cara acordava cedo e ficava à espreita. Ele esperava o marido da mulher sair para o trabalho. Olhava a mulata levá-lo ao portão, entregar-lhe o “rádio de pilha” (como chamávamos a marmita de cada dia...), dar-lhe um beijo e acenar quando ele pegava o ônibus. A mulher entrava, Augusto pulava o muro e os dois faziam a festa.
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Um dia, o Play, que morava ao lado (onde fazíamos os nossos bailinhos), entrou na casa da irmã, sem avisar. Pegou o Augusto, pelado, sentado na cama da moça. O Play tomou um susto. Augusto, impassível, não se abalou. Começou a se abanar e mandou o maior caô que conseguiu imaginar:
- Puxa...Está um calor, né?
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Um outro exemplo de caô, vem, quem diria, de meu velho pai. Depois de aposentado, gostava de ficar lendo o jornal, sentado em sua cadeira de balanço.
Minha mãe ficava entretida com as atribuições de dona de casa, andando de um lado para o outro, concentrada em suas ocupações. Às vezes, meu pai ficava carente de alguma atenção de sua mulherzinha. Acompanhava ela com os olhos, em seus quefazeres, e subitamente botava a mão no peito e começava a gemer:
- Ai...ai...ai...
Minha mãe parava o que estava fazendo e vinha acudi-lo:
- O que foi, Ferreira? Está se sentindo mal? É o coração?
Bastava ela se aproximar que ele, feito sucuri matreira, dava-lhe o bote, abraçando-a, pondo-a no colo e dando-lhe uma sova de beijos.
Minha mãe se afastava dele, sorrindo:
- Você é louco...
E o Seu Ferreira rebatia, no maior caô de velho assanhado:
- Sim, louco de amor que me aperta e me abrasa o peito!...
Nessas horas, meu pai era o maior caozeiro. Dizem que o filho dele seguiu-lhe os passos. Mas, inocentemente, qual um anjo de igreja barroca, pergunto:
- Quem? Eu?
M.S
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Negue”, com Maria Bethania. (A letra dessa música é o próprio caô em ação...)
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13 comentários:
Se todos os caôs fossem ingênuos assim,né?
Histórias gostosas de ouvir,mas seu pai era bom heim?rs
lindo dia Marco,
beijossssssss
Caô de amor é sempre uma delícia ... mesmo quando esconde comportamentos pra lá de reprováveis... rssss E o seu texto está melhor ainda. Beijo você.
Ah, Marco Anjinho Barroco! Aliás é Gibson também... Acho que é bom de caô sim senhor! Estas suas histórias... Eu tenho dois concorrentes de peso aqui em casa, pai e filho são experts em caôs, que por aqui se fala "Migué". Deu um Migué, significa uma desculpa esfarrapada... Imagino o que o Play não falou pro rapaz! Imagino a cara da moça e o moço todo folgadão... Agora eu fiquei fã é do seu Ferreira, com um caô destes não há mulher que resista, fica logo ali ganhando muitos beijinhos... E por falar neles, um bem grandão 'procê Minino do Rio'!
Caô... diria um paulistano típico como eu que não há nada melhor do que ficar horas e horas jogando conversa fiada , levando um lero. Agora como você traduz isso pro carioquês eu não sei... :D
Um abraço!
Então, és um caozeiro de marca maior? Agora, o caô do seu velho pai com certeza era um caô do bem. Carinhos entre um casal é a motivação mais sagrada que pode existir!
Ps: Grande Marco, se puder confira o meu novo projeto, o blog RESTINGA MUSICAL(http://restingamusical.blogspot.com)É estou arriscando a carreira solo, mas a parceria com o Paulo, no cinelândia, continua! Um abraço!
Mano Marco:
Na minha insonidade perene e já velhusca,um dos melhores lenitivos é espairecer no ANTIGAS TERNURAS,enquanto a alba não arregala os olhos.
Tanto quanto desanuvio em tua sala,reflito também quando teu assunto é mais indignado com as traquinagens desengonçadas da "humanidade" brasileira.
Mas esta crônica carioquíssima botou pra quebrar de tão deliciosa. Ri uma porção com o "caô" de Seu Ferreira.
E,sabes de uma coisa Vendetta? Você acertou na mosca: o Grande Marco é um memorialista congênito.
Com seu colóquio ágil e risonho,seu texto enreda,feiticeiro,e,por mais comprido seja o post,nós ficamos querendo mais. Tem um quê de Zélia Gattai na desarmagura absoluta.
Outra coisa: não é qualquer um que pode discorrer sobre assuntos que pareceriam chulos na boca de outra pessoa. Só tu,irmãozinho,com a elegância desafetada que te pertence,és capaz de uma proeza de tal quilate.
Abraço sabatinal.
PS: "Caô" aqui em Pernambuco,em alguns casos,chama-se "pantim". Cada terra com seu uso,cada roca com seu fuso...
Ahh que " Diliça" De caozeiros!!!
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Sabe Marco, lembrei-me dos maranhenses...
Hmmm que saudades daqueles finaizinhos de tardes em que eu , meu pai e outros caozeiros sentávamos em frente a casa...
E eu, de olhos arregalados ouvido caôs! rsr
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Seu pai sem dúvida tinha uma lábia hein? rs
Feliz de sua mãezinha!
Não me recordo de um dia ter visto meu pai debulhar minha mãe em beijos...tcs..tcs..
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Aquele abraço amigo!
Bom final de semana.
Rapaz, esses caôs foram muito engraçados! Mais que o rubro-negor, o maior caô do futebol carioca, vive de passado... Rsrs. Bom, só para provocar um pouquinho, afinal, estamos no mesmo barco furado... Eu te aguardo amanhã na reunião! Abração!
P.S.: quando vi a capa de Zé carioca (creio que a sua primeira edição), pensava que o post seria sobre ele... Taí uma sugestão! Até!
O segundo caô foi divino quanto amor existia ali.
o primeiro é típico do malandro agulha e acredite quem quiser nessas figuras de linguagens usadas para o bem particular.
Um dia vc aprende, rsrs.
Vc é a segunda pessoa que me fala de A Terceira Onda, tenho de ler e diminuir a curiosidade.
Abraços.
PS. O Zé Carioca foi original.
Domingão maravilhoso querido,
beijosssssssssss
oi meu querido,vim deixar meu carinho a vc ,e ler suas ternuras antigas ,lindas,nunca ouvi falar em caô....mas muito bom esse caô ..rssss.uma dor no peito e depois muitos beijos,é seu pai um perfeito caô do bem,muito bom,adoreiiii suas lembranças ,e vc gentil como sempre,te adoro,e desejo um lindo fim de semana,só nao entendo sobre a radio que vc fala,nao ouço nada aqui e nao sei como faz pra ouvir essa radio,e por falar nessa musica ,eu adoro Betania e essa musica negue é demaiss,bjsssssssssss
o caô do seu pai é uma delicia. imagino que muito desses "caôs" simpáticos e carinhos não existam mais. é uma pena. mas te ler, marco, é sempre, sempre, como renovar a vontade de brilhar e de sorrir. vc tem me renovado sim. através de suas memórias sempre tão gostosas de ler e rir. adoro vc. sabia?
Este caozeiro aqui fica feliz por ter agradado aos seus leitores.
Querida Vendetta: Você escreve muito bem. Qualquer um que vá ao seu blog sabe disso.
Doce Marcinha: Pois é. Tem o caô mal intencionado, tem o caô engraçado e ainda tem o caô ternamente gentil. Meu velho era o fino! Sinto muito a falta que ele fez na minha vida.
Cara Claire: Sim, há diversos tipos de caôs. A gente abre os jornais e vê caozeiros pusilânimes mandando o maior caô para cima da população. Tem o caô canalha, mas engraçado, como o do Augusto. E tem o caô simpático como o do meu pai.
Querida Fugu: Você tem razão. Caô de amor é delicioso! Fico muito feliz por alguém que escreve tão bem como você apreciar meus textos.
Minha doce Claudinha: O "migué" também é usado aqui no Rio com o mesmo sentido do caô, quando é aquela conversinha mole, aquele papo de cerca-lourenço. Todo filho manda caô pra cima dos pais. Na minha época de explicar para a minha mãe as minhas notas baixas em Matemática, Física e Química, era um caô só!
Meu pai era capaz de gestos como estes e de outros mais. O filho dele tenta se defender...
Grande Bruno: Este é um dos sentidos do caô. O papo furado para enganar os outros também.
Grande Evandro: Quem sou eu para ser um grande caozeiro...Seria um baita caô meu dizer que sou grande. Sou um pequeno caozeiro, tá bem assim? Já fui no seu novo blog e coloquei link.
Mano Paulinho: É uma satisfação saber que o Antigas Ternuras faz companhia à sua insônia. Achou o caô do meu velho pai divertido? Pois é. Meu pai tinha cada história...De vez em quando eu vou soltar algumas por aqui.
Nossa, quem sou eu para ser comparado com a Zelia Gattai? As coisas ficam facilitadas pro meu lado por lidar com histórias muito gostosas. Só preciso narrá-las.
Querida Roby: Gostou dos caôs? Pois é. Talvez seu pai fosse mais fechado na presença de outros. Mas tenho certeza de que ele cobria sua mãe de carinhos no momento certo. Naquele tempo era assim mesmo.
Meu bom Dilberto: Tua veia bacalhosa é que te estraga. Fico contente por ter apreciado as histórias, caro "primo". Já postei a minha participação na família Morcegos. Sobre o Zé Carioca, o rei do caô dos gibis, sim, ele merece um post.
Grande Júnio: Eu estou aprendendo sempre! Os malandros agulha daqui do Rio continuam atacando! O Zé Carioca entrou ilustrando a história porque ele sempre aplicava caôs nos seus gibis. Você deve estar lembrado disso.
Querida Samara Angel: Obrigado pelo seu carinho, meu anjo. Você é um doce! Quanto à Rádio Antigas ternuras, ela depende dos sites de midivoices. Eles às vezes saem do ar e aí fica este mutismo. mas na maior parte das vezes, dá para ouvir.
Dira querida: Ah, mas tem muito caô de carinho igual a este do meu pai. Hoje em dia é mais comum do que no tempo dele. Eu mesmo sou um beijoqueiro de marca maior. É uma felicidade saber que você aprecia minhas histórias.
Valeu, moçada! Abraços e beijinhos e carinhos e ternuras sem ter fim!
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