sábado, maio 20, 2006

Anotações esparsas de um aprendiz de poeta


Tudo bem, vocês sabem que eu sou um saudosista incorrigível e que gosto de lembrar dos meus “bons tempos”. Mas tenho de reconhecer que existem certos aspectos da modernidade que são melhores do que antigamente.
Eu moro perto de onde trabalho. Dá para ir andando até lá, por isso, deixo o carro no meu prédio, almoço em casa, essas comodidades. No trajeto para o meu trabalho, passo por quatro colégios, todos repletos de adolescentes, que se espalham pelas ruas, calçadas, como se fossem um bando de pardais arrulhentos, transpirando energia e alegria como também já o fiz.

É comum vê-los em casais, se atracando nas paredes do colégio, quase um entrando por dentro do outro, dando beijos da gente ver a língua inchando a bochecha. E aí me dá uma inveja dessa gente que vai em frente sem nem ter com quem contar...
*
No tempo em que eu tinha a idade deles, não era assim, não. Pior pra mim. Ah, quem me dera poder pegar uma daquelas meninas da minha época, dar-lhe um malho caprichado, daqueles de lustrar o muro do colégio! Ah, meu Deus!
Naquela época, as chances disso acontecer eram as mesmas do saci pererê cruzar as pernas e a galinha obturar os dentes. Isso devido a várias razões. Cito três:
1- As moças não topavam. Naquele tempo a mulherada fazia um tremendo jogo duro para namorar e mais ainda para aceitar um arrocho com dia claro.
2- Era proibido pelo colégio. Se os coordenadores pegassem a gente dando um beijo no rosto de uma menina, dava suspensão, bronca, faziam um baita escândalo, com berros e olhares injetados de raiva.
3- Eu era tímido que dava nojo. Mesmo que eu resolvesse enfrentar as dificuldades 1 e 2, me faltaria a necessária coragem para chegar na moça, passar-lhe aquela baba de quiabo para conquistá-la e aí, partir para o arrocho.
*

Não que eu não caísse de amores por algumas daquelas maravilhosas beldades com quem convivi no colégio. Já contei aqui algumas histórias de minhas paixões. Todas mal sucedidas. A mim, tímido praticante e juramentado, só restava amá-las a distância, sonhando com uma aproximação. E toca a escrever poesias! Meus amores platônicos eram cantados em versos e sonetos por aquele adolescente sem jeito, mas com muito amor pra dar.
*
Noutro dia, estava arrumando umas velharias quando achei um antigo caderno onde registrava as minhas mágoas de amor. Caramba! Que viagem no tempo! Nem me lembrava mais daqueles poemas adolescentes que escrevi, molhando a pena nas lágrimas da alma. Eis um deles:
*
Me deixa ser o teu louco
só para uivar o teu nome pra Lua.
Me deixa ser o teu demônio de guarda
e te tentar com o mais doce dos pecados.
Me deixa ser teu anjo
e te proteger da escuridão que é a falta de mim.
Me deixa ser qualquer coisa,
me deixa só ser,
ao menos...
o teu poeta.
*
Ah, vai...É bonitinho, né não? Sei que não é como os belos poemas da Claudia, do Oxigênio, mas não deixa de ter o seu valor.
Tem outra, olha só:
*
Música ao longe
E eu a olhar as mãos
Tenho-as nuas
E escalavrar palavras
Feito escultor
Poeta artesão-mór
Que corta, entalha, lavra e dá polimento
A palavras e sentimentos.
E por falar em sentimento
Onde porei o meu
Que é caixinha de música
De delicado mecanismo?
Uma vez aberta
Toca a valsa certa, uma balada triste, música do céu.
E por falar em céu
Estou no céu
A construir castelos, todos muito belos
Esperando você chegar
(a nuvem das oito, quando há de passar?)
Fico a gastar o tempo e os olhos
E por falar em olhos
Você já reparou, pois não,
Que quando me ponho a te olhar
Meus olhos viram mãos
E fica a te acarinhar...
E por falar em carinho
Eu me pergunto, enfim,
O que será que ela pensa?
O que vai ser de mim?
*

O jovem poeta que eu era, hoje nem se lembra direito para quem dedicou essas palavras. Na verdade, eu escrevi muitíssimos mais poemas do que os que achei no caderno. É que às vezes eu conseguia dizer para minhas musas que eu gostava delas. Normalmente, ouvia como resposta:
“Ah, Marco, eu também gosto de você, mas como amigo”.
Ouvir isso era ter a sensação de ter sido atropelado por um caminhão Scania.
Eu não desistia fácil. Se já tinha chegado até a me declarar, então eu insistia. Escrevia poemas como uma fonte jorrante e entregava para as minhas amadas. Normalmente não dava em nada. Fico imaginando essas moças, hoje nem tão moças, mostrando para filhos e maridos os poemas que escrevi, dizendo:
“Tá vendo? Eu já despertei paixões, tá pensando o quê?”
*
Encontrar este caderno e reler estes poemas juvenis com estas minhas retinas cansadas me fez pensar bastante naquela minha teoria do “E Se?...”, de que já comentei aqui. Todas estas minhas paixões foram possibilidades, tantos outros caminhos que minha vida poderia ter tomado. No entanto, tenho vivido do jeito que vivi. Os árabes diriam “maktub” – “estava escrito”. Não sei se assim o é. De qualquer forma, gosto do jeito que as coisas ficaram e me sinto muito feliz pela vida que Deus tem me dado.O que não me impede de ter saudade, de lamentar não ter sido mais arrojado com as moças na minha juventude. E assim fico no silêncio solitário, admirando os quadros na parede da memória. E entre as páginas amarelecidas deste livro chamado saudade, vejo uma flor ressecada, de onde saem pequenas sementes. Proferindo a palavra mágica elas germinam e florescem em um farto buquê, para encantar os olhos daquele moleque tímido que fui.
M.S.

*************************************************
Sistema de Radiodifusão do blog Antigas Ternuras! Rapaz que escreve por aqui dedica esta música às amigas Marcia e Claudinha como prova de carinho e amizade. Pra vocês, “She Made Me Cry”, com o conjunto Pholhas.

16 comentários:

Anônimo disse...

O que estás fazendo amigo? Cada post supera o anterior!!! Nem parece que é um flamenguista que está escrevendo (rs rs rs rs). Mas, cá prá nós... Pholhas é demais! Preciso marcar reunião do MA urgentemente. Pode ficar tranquilo que faremos um brinde ao AT. Aguardamos teu set list.

Claudinha ੴ disse...

Oi Marco, obrigada pela música. Sabia que os Pholhas vem aqui regularmente e fazem som prá gente em reuniões especiais? Eles são amigos dos ex meninos do Prisma que também eram amigos dos Mutantes. Hoje o Prisma toca em ocasiões especiais, são todos meninos cinquentões e continuam batendo um bolão. Assim como você, também tenho caderninhos. O meu principal é o de capa laranja, este já ficou famoso por aqui, rsrs. Bom final de semana!

Anônimo disse...

amore meu; eu ja fiz muito poeminha nessa idade tb. ai ai e como fiz. mas n ganhava namorados por isso, acho q eles nem chegavam a ler. rs mas eu era teimosa. lembro de um poema q recebi no natal o qual até mereceu um post lá, que era mais ou menos assim:

"...quem me dera
que você fosse
meu presente de natal..."

de um menino q era tíiiiimido de dar nó..rs
Saudades demais desse tempo.
Saudade de vc.

Anônimo disse...

Marco querido
sente inveja do lustre dado nos muros dos colégios? pois é, dei muito beijinho nos meus namoradinhos, mas tinha que dobrar a divisa da manga da blusa, tirar o emblema do bolso e ir lá pra outra esquina longe dos inspetores que patrulhavam as ruas,rss,que trabalheira danada, aff![nessa época eu estudava no Instituto Guanabara,na Mariz e Barros],nunca fiz poemas quando mocinha e se fiz os perdi.
Que delicia pra você essas recordações pois assim nos repassa dando a chance de sentirmos um cadinho de algo que viveu.
Mas póparar de se auto denominar um véio de retina cansada,que coisa feia,rsssss
Bonitinho é feinho arrumadinho e seus poemas são lindos!
Ótimo domingo,
beijosssssssssss

Anônimo disse...

Mano Marco:

Roubei tua frase "de dar nojo" (um bom achado,como muitos que crias) e usu-a sempre porque sou dono de expandida discrição,irmã quase gêmea da timidez.

Você continua poemático à bessa. Os teus desfechos textuais por vezes arrepia aos borbotões.

A propósito,um dia Você,lá no espaçozão de Mestre Cyrne, lembrou que respondeu uma prova da matéria que ele ministrava em forma de versos... Que bom que tivesses uma cópia. Aliás,o gênero - que agora não recordo - impregnado por ti no referido exame é dificílimo,na minha opinião.

Quanto aos Pholhas,aprendi a admirá-los desde os anos 70,pois meu irmão primogênito tem todos os discos deles.

Meu caro,perdôe-me a falta de inspiração pois a irritação nosofaríngea e laríngea me derrubou de jeito - e toma espirros acachapantes e cefaléias bombásticas.

Tenha uma domingueira apenas supimpa.

Abraços.

Anônimo disse...

Delícia ler isso, talvez porque também sou uma saudosista de mão cheia. Seus relatos remeteram-me ao passado fazendo-me lembrar de alguns amores platônicos. Também era extremamente tímida, ah e como!!
Era gostoso né, mas puxa, a gente sofria um bocado também. rsrs.
beijo grande

Paulo Assumpção disse...

Meu caro poeta, também fui (e ainda sou) um garoto tímido. Infelizmente, sem o dom para escrever poesias. Contudo, também escrevia muito. Só que livrinhos (crente que seria um grande autor) e histórias em quadrinhos. Inadequado para se conquistar uma menina, não? Foi um prazer reencontrá-lo ontem na casa da Luciana! Grande abraço!

Anônimo disse...

Leia-se "uso-a".

Parece impertinência essas minhas correçõezinhas,mas se não emendasse não poderia culpa nesta tarde solarenga...

Anônimo disse...

Jargão: a emenda ficou pior que o soneto. Quis digitar: não poderia cair numa "sisesta sem culpa"...

Anônimo disse...

Marco
Acredita que acordei pensando no seu post e que distraidamente não agradeci o carinho do meu nominho nele, putzzz,obrigada meu querido!!rss
Pronto! agradecimentos feitos desejo lindo domingo e ótima semana,
beijosssssssssss

Anônimo disse...

Quer dizer que já na adolescência aflorava esse seu dom de poeta? Seus versos são muito bons e constroem belos poemas. Assim como sua prosa, recheada de poesia.
Abração.

Anônimo disse...

Eu tenho um sério problema em gostar só como amigo. Todos os foras que eu tomei até hoje foram dados com essa desculpa. Eu tenho raiva do trio de palavras "Somos só amigos". E eu não tenho jeito pra poeta... sério! Então , eu fiz um blog.

Um abraço!

Anônimo disse...

Marco, todos temos cá nossas saudades, principalmente daquilo que não foi. E se... ? E a minha "pulga do momento" diz respeito ao "maktub". Até onde sou dona do meu destino, caro guru? Boa semana!

Marco disse...

E eu que achava que ninguém apreciaria meu antigo bazar de recordações... É muito bom saber que estou em excelente companhia.

Grande Ronie: Paixões clubísticas a parte, é um prazer tê-lo aqui e se você gosta dessas minhas coisinhas o prazer é redobrado. Estarei em espírito na próxima reunião de "Ronie e seus candangos". Pode deixar que mandarei as minhas sugestões musicais para o encontro. Vai ser na linha Good Times, jovem também tem saudade.

Minha doce Claudinha: Eu nem sabia que os Pholhas ainda estavam na ativa. Imagino um bailinho animado por eles...
Você já escreveu sobre os seus famosos cadernos...É uma delícia lembrar disso, não é?

Grande Evandro: Não posso dizer que hoje eu ainda tenha a timidez de minha adolescência. A maturidade me deu mais sem-vergonhice. Você já me falou sobre os seus poemas e gostaria de ler alguns.

Querida Dira: Os meninos que ganhavam os seus poemas eram tolos por não aproveitarem a chance de namorar contigo. Ganhou um poeminha, né? Pois é. Só os tímidos tinham a sensibilidade e o recurso de escreverem poemas. Repare que os grandes poetas não são pessoas bonitonas, daquelas de conquistarem a mulherada com o seu sex-appeal. Ao contrário: a maioria era de tímidos e conquistavam as moças com seu talento para escrever.

Doce Marcinha: Pois acredite que um dos colégios por que passo quando vou para o trabalho é justamente o Instituto Guanabara e é nos muros deste colégio que eu vejo mais casaizinhos praticando a técnica do "apaga-balão". Que mudança em relação ao seu tempo, heim?
As "retinas cansadas" são apenas um recurso literário, que tomei emprestado de Drummond. Não sou nem estou velho, meu bem. Essa lataria aqui está seminova e o motor em estado de zero!
Adorei saber que você acordou pensando em meus escritos! Que luxo! E gostou da musiquinha que eu dediquei a você e a Claudinha? Eu imaginei que este post e esta música tinha a ver com vocês.

Mano Paulinho: Minhas expressões estão à sua disposição, parceirinho. Use-as quando melhor lhe aprouver.
Não guardei cópia do meu trabalho sobre Grande Sertão: Veredas. Ele tinha poemas visuais feitos a mão. Deveria ter tirado uma xerox. Acho que ele está arquivado na secretaria da UFF. Sei lá. Mas gostei de saber do seu interesse e da sua lembrança.
Era bom dançar nos bailinhos ao som do Pholhas. Seu irmão tem muito bom gosto. Espero que melhore da gripe. Eu andei assim, meio arriado também. Mas o bichinho já cumpriu o seu ciclo.

Querida Suzy: Então você é saudosista e era tímida. Então nossas afinidades são bem mais profundas. Mas tenho certeza de que você inspirou outros tímidos a lhe escreverem poemas. Sim, a gente sofria uma enormidade. Mas temos histórias para lembrar e contar.

Querida Vendetta: Não acredito que você não consiga amolecer o coração de sua paixão. Resisti-la, quem há de?
É para mim uma enorme felicidade saber que você gosta de meus escritos.

Grande Zeca: É, né...Aos tímidos sempre resta o recurso de solitariamente dedicarem-se aos escritos. Bom saber que você aprecia minhas mal-traçadas linhas...

Grande Bruno: Ihhh, na sua idade, ouvi muuuuito essa frase! Mas, como disse George Harrison naquele célebre disco: "All tings must pass". Imagine que muitas dessas suas "amigas" vá se arrepender mais tarde. Comigo foi um pouco assim.

A todos, abraços e beijinhos e carinhos e ternuras sem ter fim. Valeu, moçada!

Marco disse...

Grande Paulo, meu eterno personal teacher: Quem disse que seus escritos são inadequados para se conquistar uma moça? As mais sensíveis certamente vão perceber no rapaz tímido uma grande promessa, vai saber...
Também gostei muito de revê-lo e à doce Helena. Vocês são pessoas especiais. Passamos uma tarde muito agradável, não?

Querida Ana Clara: Os árabes se referem assim ao karma. Existem aspectos que são predestinados para nós, mas sempre temos o livre-arbítrio para mudar e redesenhar nosso destino. O "e se...?" são as muitas oportunidades que a vida nos oferece. Quando escolhemos uma alternativa, deixamos de lado muitas outras e aí eu fico pensando: e se eu tivesse feito uma outra escolha? Você tem quase um total controle sobre o seu destino, querida. Mas somos destinados a algumas coisas. É o que eu acredito. Guru, eu? Rá!...Imagina, meu bem...

Anônimo disse...

quem me dera mesmo ser essa poeta que você vê meu querido.
Mas tenho me esforçado ao menos para te agradar...


um beijo querido