sábado, setembro 24, 2005

Sujaram a Casa do Homem Branco

Noutro dia, estava passando pela Praça 15 e vi o estado em que está a água da estação das barcas, especialmente ali perto dos aerobarcos. Não fica a dever em nada ao Rio Tietê, que, como diz o Jô Soares, “é o único rio sólido do mundo”. Vi também recentemente um gari da Comlurb retirar centenas de embalagens pet dessas de dois litros de refrigerante de um curso de água. Há um tempo atrás, fui dar uma voltinha no Largo do Boticário, lugar aprazível do meu Rio de Janeiro, e vi o estado em que passa por ali o Rio Carioca. E quando ele desemboca na Baía de Guanabara fica pior ainda. O governo estadual até instalou uma estação de tratamento junto a foz (vejam abaixo), para tentar amenizar os esgotos que diversas ligações clandestinas lançam em suas águas. Transformaram o rio que dá nome ao gentílico da cidade em uma vala negra.
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E pensar que o Rio já dependeu totalmente do Rio Carioca para sobreviver. Ele tem um histórico interessante. Querem ver?
A Baía de Guanabara foi descoberta por uma expedição comandada por Gonçalo Coelho, que nela adentrou em 1o de janeiro de 1502. O piloto da expedição, um certo Américo Vespúcio, acreditou que era a foz de um rio.
E como era primeiro de janeiro, resolveu batiza-lo como Rio de Janeiro. Ele já tinha batizado um outro rio, que a expedição descobrira ao norte daquela nova terra. Como era dia de São Francisco, deu este nome àquele curso d’água. Como se vê, os nomes que ele dava pegavam...
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No ano seguinte, outra expedição comandada pelo mesmo Gonçalo Coelho esteve novamente na baía formada pelo tal “Rio de Janeiro” e ali deixou alguns degredados. Como ainda não tinha rede hoteleira nem indústria da construção civil, resolveram eles mesmos construir uma casa feita com pedras na foz de um rio de águas cristalinas, que desembocavam na igualmente cristalina baía. Os índios chamaram aquela casa de “kari’ioca” (“kari’i”= homem branco; “oca”=casa, ou seja, “casa do homem branco”). A moradia dos degredados acabou dando nome ao rio. E o rio adjetivou os que nascem na cidade. Dizem os arqueólogos que esta casa foi construída na altura da atual Rua Senador Eusébio, no bairro do Flamengo. Com os sucessivos aterros o mar ficou bem longe de lá, mas originalmente ela se situava à beira-mar.
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Muitos anos depois, Estácio de Sá fundaria a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro junto ao morro do Pão-de-Açúcar. Como a cidade não poderia se desenvolver ali, o governador-geral Mem de Sá transferiu-a para o alto do Morro do Castelo e de lá ela se esparramou pelas cercanias. No século 18, o Rio de Janeiro tinha crescido bastante, já era até capital da colônia! O Rio Carioca era o principal abastecedor de água da cidade. Só que ele ficava um pouco afastado do núcleo do centro urbano. Ou se pagava a alguém para ir lá pegar água ou se mandava um escravo encher um barril e trazer o precioso líquido. A administração da cidade instituiu leis de proteção ambiental (olha!), proibindo que se desmatasse ao longo do curso do rio ou que se lavasse roupa ou desse banho em animais em suas águas.
Mas, com a cidade crescendo, foi preciso arranjar um jeito de trazer a água do Carioca para mais perto. Construíram onze fontes abastecidas pelo rio, que foi canalizado desde sua nascente, com suas águas chegando à cidade, passando pelo Morro de Santa Teresa, por intermédio de um aqueduto, hoje conhecido como Arcos da Lapa.
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Como a água chegava limpinha, a administração liberou geral: desmataram as matas ciliares ao longo do rio, passaram a lavar roupa, cavalos, jogaram esgoto... e deu no que deu.
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O homem é a única espécie que polui a própria água que bebe. Assim como as guerras no final do século 20 tinham como motivação o petróleo, eu não tenho a menor dúvida que os conflitos deste século serão por causa de água.
A Cedae utiliza cada vez mais produtos químicos para “fabricar” água potável para a população do estado. Ainda assim, desperdiçamos, poluímos e inutilizamos reservas que não são infinitas: uma hora vai acabar. Como Jacques Costeau morreu, acho que vamos ter que chamar este aí do lado para defender nossas águas.
Abaixo tem outro texto que eu fiz sobre o futuro (?) problema da água.
M.S.

10 comentários:

Anônimo disse...

Interessante resgate da história do rio, Marco. E muito necessária a sua reflexão sobre a questão da água. Quanto mais penso sobre este assunto e fico sabendo de tudo o que os nossos antepassados já destruíram, mais acredito numa frase de efeito que uma professora do curso de história da UERJ sempre repetia: a história não é a escola da vida! Percam esta tola ilusão de que olhando os erros do passado, não os cometeremos no futuro!

Marco disse...

Pois é, Evandro. Eu acredito firmemente que ainda vem aí uma guerra mundial por conta da água. Pode não ser para agora, mas que vai acontecer ainda neste século, não tenho dúvida. O mundo está em transformação muito veloz. Coisas como efeito-estufa, buraco na camada de ozônio, redução de fontes de água potável, tudo isso está por chegar com uma força muito maior do que já está sendo discutida. Olha só a temporada de furacões nos EUA. E algo me diz que é só o começo. Creio que nossa geração ainda vai ser personagem de um filme-catástrofe, destes que Hollywood adora fazer. Sua professora está correta. Não aprendemos com a História e estamos condenados a repetir nossos erros.

Anônimo disse...

conheci hoje seu blog. gostei muito. gosto muito de historia. o Rio nao conheco ainda (sou de Recife), mas sei de sua beleza. um grandea abraço.

Marco disse...

Alô, moçada! A Clara é mais uma amiga blogueira para a gente trocar figurinhas. Fui visitar o blog dela e gostei muito. Ela faz a linha nostálgica, de quem gosta de antigas ternuras. Podem visita-la com a minhas melhores recomendações. Eu pretendo freqüentar o seu blog sempre que possível. O endereço é:
http://purviance.zip.net

Anônimo disse...

Só passeando, mas li o texto. Então a bagunça da Lapa tem seu fundo histórico bem anterior, hein ?

Anônimo disse...

Não acredito em repetição na História. É como se voltassemos ao velho paradigma da História ciclica. A História não se repete. São outros personagens, outras situações, outros lugares. è como se um engenheiro levantasse um prédio e ele desabasse, e ele fizesse da mesma forma, é claro que ele não vai fazer. Mas utilizará todo o conhecimento que obteve para levantar outro prédio evitando os erros anteriores. Na História utilizamos os conehcimentos anteriores para que possamos seguir adiante. Mesmo que os acontecimentos possam parecer repetidos, não são.

Marco disse...

Leônio: a História não se repete. A humanidade é que repete erros por não dar a devida atenção aos erros cometidos no passado.
Alemón: benvindo ao pedaço. Já vi a sua entrada no Modos Artificiais. Espero que o boteco tenha bastante cerveja no freezer.

Marco disse...

Ah, sim, caro Alemón: respondendo à sua pergunta, a bagunça do RIO DE JANEIRO tem explicação histórica. Se contassem para os degredados de 1503 o que isso aqui viraria, acho que eles fechariam a casa de pedra e se mudariam para a serra.

Anônimo disse...

Não acredito nem mesmo na repetição os erros pois os mesmos são também históricos, ou seja ações humanas em um determinado contexto, situação e lugar.

Anônimo disse...

Oh, Marco, você vai ter que nos abrigar por aqui um tempinho, perdemos tudo. Não me pergunte como, só sei que é assim!!! Estamos juntando os caquinhos e tentando entender o que aconteceu. Não localizamos o Lênio, nem o Alemón, nem o Cléber, e os que estavam hibernando? Coitados, devem ter sido arrastados para as profundezas virtuais. Prá quem não conhece, ainda tínhamos o André e o Homem-enfadonho! Vamos marcar uma pajelança, de repente a gente encontra todo mundo!