domingo, setembro 18, 2005

Meus "Rosebuds"


Na primeira cena de Cidadão Kane, excelente filme de Orson Welles, o personagem “Charles Foster Kane”, murmura “Rosebud...”, deixa cair uma bola de vidro, que se espatifa no chão, e morre. A partir dali, conta-se a história daquele magnata da Imprensa (inspirado claramente em William Randolph. Hearst (1863-1951), megaempresário das comunicações que efetivamente existiu) e descreve a busca por um jornalista dos motivos dele ter dito aquela palavra. Ao final do filme, quando estão queimando alguns objetos de Kane, aparece um trenó com a inscrição “Rosebud”. Os espectadores compreendem, então, que aquela palavra se referia à sua infância pobre, mas inesquecível. Um dado curioso: “rosebud” ou “botão de rosa”, era como Hearst chamava o clitóris da sua amante, Marion Davies (Fonte: “Guia dos curiosos”).
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Recentemente, esclarecendo uma dúvida do Leônio, cara bom de chinfra de Brasília, blogueiro do excelente Modos Artificiais, lembrei deste filme. E me veio à mente a pergunta: “qual seria o meu Rosebud”? Que objeto ou imagem simbolizaria a minha infância/adolescência que, graças a Deus, não foi pobre, mas certamente foi inesquecível?
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Há pouco tempo, o Artur Xexéo escreveu na sua coluna a boa recordação que um anúncio da cama DragoFlex lhe trouxe. Pois é. Trouxe a mim também. Era uma cama de armar, feita de canos, lona e molas. Meu pai tinha comprado uma, com a intenção de tirar seus cochilos no quintal de casa, debaixo de alguma das muitas árvores que tínhamos. Mais tarde a cama passou para uma empregada da nossa casa. Ela era da pontinha da orelha, tinha um tremendo corpão (não estou me cartando, não). Seu nome era Marly. Bem, com ela fiz minha iniciação sexual, justamente naquela cama DragoFlex. Seria esta, então, a minha Rosebud? Não sei. Talvez não.
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Recentemente, assisti no Programa do Jô, a um Billy Paul para lá de decadente cantando “Me and Mrs. Jones”. Esta foi a primeira música que eu dancei coladinho com uma garota, em uma festinha no bairro onde eu morava. Tomei a “cuba libre da coragem” antes de convidá-la para dançar e fui até ela, com os corações aos pulos, temendo a rejeição. Ela topou e dançamos. Eu ainda fiquei murmurando a letra da música no ouvido dela em autêntico “embromation”, enquanto circulávamos pela pista, junto com outros casais. Ver o Billy Paul cantando esta música me trouxe à memória aquela boa sensação. Seria “Me and Mrs. Jones” meu Rosebud?
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Quando vou à feira e vejo uma banca vendendo goiabas minha boca começa a salivar. Acabo comprando uma ou duas. Não que eu goste tanto assim de goiaba. É que só de ver a fruta lembro que no quintal da casa onde eu morava tinha quatro pés de goiaba: uma da branca e três da vermelha. E que eu preferia roubar goiabas no quintal de um velho brabo, junto com meus amigos, do que comer as de casa. As roubadas tinham um sabor especial que as lá de casa não tinham. Vai entender... Seria, portanto, uma goiaba meu Rosebud?
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Acho que não tenho só um Rosebud, tenho vários. Eu poderia relacionar muitos outros, como um carrinho de rolimã, bola de gude, um exemplar do gibi “Nick Holmes” número 1, que eu achei numa banca em Curitiba, há uns cinco anos, o perfume da planta “Dama da Noite”, que tinha no jardim de casa, minha primeira camisa do Flamengo, que acabou virando meu figurino na primeira peça de teatro em que atuei na vida...
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Muitas destas coisas nem existem mais. Minha antiga casa e meu antigo bairro estão tão diferentes que é como se não mais existissem. Meus Rosebuds hoje são quadros na parede da minha memória que de tempos em tempos faço questão de tirar o pó e admira-los. Mas não me detenho muito neles. Sigo em frente. Como a nave “Enterprise”, eu também tenho que explorar novos mundos desconhecidos e recolher outras memórias que me aquecerão um dia, quando, como o apóstolo Paulo, puder dizer ter combatido o bom combate, completado a carreira e guardado a fé.
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Este texto foi escrito especialmente para hoje, 18 de setembro, dia do meu aniversário. Normalmente eu fico mais nostálgico do que o costumeiro neste dia (mas, gostosamente nostálgico) e acabo remexendo meu baú de antigas ternuras. Vocês querem saber quantos anos estou completando? Bem, se eu tivesse nascido no planeta Mercúrio, teria 207 anos; em Vênus, 81; em Marte; 26; em Júpiter, 4; em Saturno, 1; em Urano, seis meses, em Netuno, três e em Plutão, dois.
Somei tudo e dividi pelo número de planetas do nosso sistema solar e cheguei a uma bela média: 41 anos e quebradinhos. Beleza! Do ponto de vista do nosso sistema solar está é a minha idade. Sou um garoto ainda!
(Se alguém quiser saber a sua idade nos outros planetas, clique aqui.)
M.S.

19 comentários:

Anônimo disse...

Pôxa Marco, tentei ligar para ti ontem, mas só dava ocupado. O que importa é a intenção.

Anônimo disse...

Caríssimo Marco. Valeu pelos alogios. Mas neste dia, que foi ontem, do seu aniversário, que tenha muitas realizações sempre, somos muito jovens, mesmo aqui na Terra ou no Sistma Solar. Já que o tema é a nostalgia segue uma música de parabéns à moda antiga:

♪Chegou a hora de apagar a velinha, vamos cantar, ♫ aquela musiquinha, parabéns pra ♪você, parabéns pra você, pelo seu ♫aniversáriooooo.. ♫

♪Que deus lhe dê, muita ♫ saúde e paz, e que os anjos digam amém; ♫ parabéns pra você, ♪parabéns pra você, pelo seu aniversário.♪

Marco disse...

Aos amigos Ronie e Leônio: obrigadaço pelos votos (ontem eu recebi muitas felicitações por telefone). Leônio, um dia ainda vou ter o palhaço Carequinha cantando esta canção em um aniversário meu (eu já o entrevistei uma vez).

Anônimo disse...

Também tentei falar contigo, oh inigualável guru! Mas espero que tenhas visto aquele arquivo que te mandei, do cara tocando "While my guitar gently weeps"... é do piru!!
Vamos marcar um dia desta semana pra almoçarmos, valeu?

Anônimo disse...

tá demais esse blog, hein?! e parabéns por ele epelo seu niver. nem me avisou... beijo bem grande, bella.

Anônimo disse...

Isso mesmo Léo, somos muito jovens, mas vá lá, um pouco de nostalgia. Meus 'rosebuds' são musicais. Cito dois mestres de minha infância: um, Ivanildo 'Sax de Ouro', outro, Polly, do disco genial-clássico-que-quase-todo-mundo -ouviu, 'Polly moendo café'. O primeiro é um tocador de chorinho daqueles, fazia discos com títulos de números, do tipo Volume, 1 e 2. Lá em casa tinha o 4, o 6 e o 7. Ele fazia covers cafonas é verdade, mas quando danava a tocar clássicos do cancioneiro nacional era de lascar. Não tinha prá ninguém. Todo domingo de manhã era mais ou menos assim: missa das 7, feira com direito à pastel e caldo de cana, depois programa do Roberto Carlos na Rádio Nacional e o disco de Ivanildo. Assisti um show-baile dele no Centrão, acompanhava meus pais, foi a APM da escola que promoveu. O professor Limeira foi companheiro de Ivanildo no quartel e ele tocou de graça: isso é que é amigo da escola. Perfeito, a gente só percebe com o passar dos anos!!! Agora o disco do Polly com capa cheia de grãos café, só pela lendária 'Moendo Café" já valeria à pena. Mundo pequeno: amigo meu, criado às beiras do rio Araguaia, lá em cima no Pará, conta que tinha um carro de som que passava pela cidade tocando a música do Polly. A reação das crianças era imediata, saiam correndo atrás do carro curtindo a melodia. Que coisa mais cafona não é mesmo? São os 'rosebuds'.

Anônimo disse...

Ah, já ia me esquecendo: excelente o Modos Artificais? Aquele blog-buteco-comunitário de nerds brasilienses? Caraco! Atingimos nosso objetivo inicial, enganamos UM! Sacanagem, valeu pelo elogio.

Marco disse...

Boas recordações, heim Ronie? O Ivanildo Sax de Ouro eu conheço mas este Polly, confesso que não.
Como escrevi, tenho muitos "Rosebuds". Você citou a Radio Nacional e vários programas de lá são bastante significativos para mim, especialmente "Jerônimo, o herói do sertão", "As aventuras do Anjo" e "Histórias do Tio Janjão". Ainda vou escrever sobre isso aqui no AT. Junto comigo, também faz aniversário a TV no Brasil. Ela chegou por aqui em 18 de setembro de 1950. Não dá para esquecer que este eletrodoméstico foi parte integrante da minha infância. Quem da minha época não brincou de "Vigilante Rodoviário", "Tarzan", "Jim das Selvas", "Batman", "Combate", "Bonanza"...
São nossos "Rosebuds", nossas antigas ternuras...Tatuagens na nossa alma que não saem nunca.

Anônimo disse...

Pois é Marco, a televisão. Vou contar uma historinha de televisão. Meus pais são da segunda geração que veio para Brasília. (Não existe um marco científico ok?)A primeira foi a pré-60, a dos candangos. A segunda vai de meados do 60 ao início dos 70. Anos de chumbo. A maioria das pessoas não tinham alta qualificação: outras épocas, empregos não faltavam. Meu pai, p.e., foi almoxarife do Exército (viu Lamarca sendo preso em um quartel local), e... é torcedor da urubuzada. Mas,... o que quero contar é o seguinte: as televisões eram raras na Vila Buritis, assentamento de Planaltina, minha cidade-satélite, minha Rosebud, e o jogo era Menguinho e Botafogo. Todos reunidos na casa de meu pai. O Botafogo meteu um sacode. Só sei que à partir do terceiro gol meu pai começou a expulsar todo mundo e desligou a televisão. Alguns anos depois e o Mengo devolveu o chocolate e o efeito foi o contrário: comprou cerveja e chamou os vizinhos para comemorarem. TODOS os vizinhos da época conhecem e contam esta história, rolam de rir do flamenguista emburrado-apelão (acho que está no dna dos urubus). kkkkkkkkkk Depois conto outra: Flamengo e Atlético na final do brasileiro. Sou vascaíno, mas tenho que reconhecer, eram duas máquinas de jogar futebol.

Anônimo disse...

Vi "Casa Vazia" em SP. Confesso que prefiro muito mais o "Primavera...". Achei bastante superficial, falta de foco no roteiro, pontas soltas e uma temática meio batida, a solidão. Esperava um espetáculo na tela grande, hehehehehehe!!! Abraçao!

Marco disse...

Ronie, filho desnaturado! seu pai deve chorar muito por conta do filho desgarrado que pôs no mundo. Deus me livre de gerar um bacalhoso!
Mas sobre a sua história, tenho outras sobre ter o único aparelho de TV das redondezas. Lá em casa vivenciamos o chamado "televizinho" desde muito cedo. Uma hora dessas eu conto.

Marco disse...

Cara Belise, se você me permite, vou discordar. Não acho o "Casa Vazia superficial, gosto do roteiro e sobre o tema solidão ser batido, bem, todas as histórias já foram contadas. O que existe são variações sobre os mesmos temas. Temos opiniões diferentes sobre o filme do Ki-Duk Kim. Ótimo. Uma boa razão para uma dialética discussão. Abração procê!

Anônimo disse...

Rapaz, me diverti tanto com a história do Leônio que esqueci, que você é fã.. do Billy Paul. Pode confessar, se ele te ajudou.. tem que ser fã do cara. Fui à um show aqui em Brasília quando tinha uns treze, quatorze anos. Um amigo de meu pai era eletricista no Teatro Nacional, hoje é chefe dos eletricistas, e descolou umas 'cortesias' para nós: eu, minha irmã mais velha e meu tio pôrra-louca, um deles. Tinhamos que esperar a trupe do artista chegar, aí entraríamos no meio da confusão, éramos familiares da estrela. há, há há. A Sala Villa Lobos me impressionou, assistimos o show sentados no palco. Depois da segunda música, ele ainda não era decadente, o teatro transformou-se numa pista de dança. Dancei feitou louco, não acreditávamos naquilo tudo. Lembra das diferenças sociais? Se tivéssemos que pagar as entradas nem passaríamos por perto. Só tinha a grana da passagem e do pastel na Rodoviária. Olha, estou muito nostálgico. Vou lá pro Modos continuar sacaneando o Léo. Por último: meu pai conheceu o eletricista, Zé Pedro, em um caminhão pau-de-arara. Recém chegados na cidade, não tinham lugar para ir. Foram amigos no sofrimento, é cada história de lascar, e continuam na bonança. Ele não podia desapontar o filho de seu grande amigo.

Marco disse...

Rapaz! Eu adoraria ver um show do Billy Paul. Mesmo decadente. A sua interpretação de "Your Song" (a melhor música do Elton John, na minha opinião) é fantástica! E têm outras super dançantes, como: "July, July, July", "Thanks for saving my life", "Only the strong survive" e a absurdamente dançante "I've got so much to live for". Sempre que eu vou em alguma festa flashback eu não deixo de sacudir a caveira ao som destas músicas. E ainda tem a "Me and Mrs. Jones", com valor sentimental para mim.
Sobre o Leônio, acho que a gente está pegando pesado com o cara, né não?
O seu pai é homem honesto e trabalhador. Não merecia ver o filho torcendo para o time bacalhoso sebento.

Anônimo disse...

E aí, grande Marco! Vai ter q esperar um bocado pra me gozar por causa do meu super time... quem sabe no próximo Fla Flu... cuide é de torcer pra não "cair" pra segundona... hehehe... O vírus do pé, tá meio brabo... ainda dói... acho q vai levar um tempo pra ficar boa totalmente. Estou mancando um pouco. A torção do computador, está resolvida, aparentemente, pelo menos. Agora só me falta tempo pra por tudo em dia. Mas assim q der, eu venho ler tudo com calma e volto a escrever no meu bloguinho, ok? Beijocas tricolores pra você!

Anônimo disse...

Esses tricolores são de doer: dia desses estavam lá na Terceirona e hoje se acham grande coisa! Dxá prá lá. Seguinte: pode conferir o texto sobre o Poly.

Marco disse...

Mas a doce Helena é especial. Ela torce para o tricolor mas é uma pessoa fantástica. Não tem como a gente não perdoar essa...hum...digamos...falha.
(Você também é um cara legal, Ronie, e é bacalhoso! Tá vendo? Tem de tudo nessa vida...)

Anônimo disse...

Não vou nem comentar "essa" do seu amigo, Marco. Prefiro agradecer os elogios de uma pessoa doce, como vc... Obrigada.
PS. Os bacalhosos deviam é botar o pé do Romário na forma, ou ir procurar "a macaca"... hahaha... (= Ponte Preta)

Marco disse...

Minha doce Helena, a turma "Ronie e seus candangos" é super legal. O cara é do bem, pode acreditar! Mas é bacalhoso, sacumé...Eu sei que nem todo mundo pode ter o bom gosto de torcer para o Mengão. Alguém tem de torcer para os outros. O Flamengo está no alto da cadeia alimentar e vocês estão abaixo. Por isso nós jantamos vocês com freqüência, entendeu?
Beijos pros dois!