quinta-feira, setembro 15, 2005

Amor e paixão em jogo


Está em cartaz um filme muito simpático e divertido. Uma daquelas comédias românticas da qual o cinema americano é especialista. Trata-se de "Amor em Jogo" ("Fever Pitch" – USA, 2005), dirigida pela dupla Peter e Bobby Farrely, que já nos deu o maravilhoso "Quem vai ficar com Mary?" e o pavoroso "Debi e Lóide".
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Os diálogos do filme talvez sejam o seu grande atrativo. As piadas são ágeis e realmente engraçadas. A dupla de protagonistas, Drew Barrymore (apareceu recentemente em "Como se fosse a primeira vez" e "As panteras detonando") e Jimmy Fallon (do fraco "Taxi") está afinadíssima. Originalmente, trata-se de uma refilmagem do inglês "Febre de bola" (1997), que por sua vez era baseado no livro "Fever Pitch" de Nick Hornby (autor de "Alta Fidelidade"), onde o personagem principal é apaixonado por futebol. Neste, Ben Wrightman é fanatizado pelo time de beisebol Boston Red Sox e, por conta do filme, ficamos sabendo que praticamente toda a cidade é capaz de perder a cabeça pela sua equipe. Eles mantêm uma rivalidade com o New York Yankers que em nada perde de Flamengo e Vasco, Palmeiras e Santos, Atlético e Cruzeiro...
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Aí já entra o primeiro aspecto curioso da história: como uma cidade, um país inteiro, podem ter como paixão um esporte tão bobo, tão sem graça como o beisebol! Pior que este só o futebol deles, aquele com a bola oval, onde um bando de parrudos corre para se jogar em cima de um jogador e impedi-lo de prosseguir correndo. Não consigo entender como conseguem gostar tanto de dois esportes tão insossos.
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Claro, estou sendo egocentrista até a medula. Com que moral, eu, que sou louco de amor pelo Flamengo, a impessoalidade que mais amo no mundo, posso criticar o esporte dos outros? Ou melhor, a paixão dos outros por determinado esporte? Talvez por conta disto o filme tenha me interessado tanto. Acho que vai interessar aos marmanjos que querem demonstrar para suas namoradas a razão deles serem apaixonados por seus clubes. O personagem do filme tenta explicar o inexplicável: por que ele é fanático pelo Red Sox. Eu também não conseguiria explicar cientificamente meu amor pelo pavilhão rubro-negro. A gente gosta e ponto final.
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Mas o problema não é gostar. É perder de vista os limites. E nisto o filme é exemplar. Ben é professor e se interessa por Lindsey Meeks, uma executiva workaholic. Neste caminho, o filme repete a conhecida fórmula "rapaz encontra moça-rapaz se apaixona pela moça-rapaz briga com a moça-rapaz reencontra a moça e termina o filme aos beijos com ela", que é mais velha que os rascunhos da Bíblia. Mas, quem se importa? É uma comédia romântica, não um filme para revolucionar a linguagem cinematográfica. Lindsey (e as amigas, amigos e familiares) vê em Ben todas as qualidades de um cara "pra casar". Ele é tão perfeito que só pode ter escondido algum problema grave. E o problema é justamente a sua paixão ilimitada pelo Red Sox. Em algum momento ele teria que perceber (e alguém lhe diz isso na lata) que ele ama o Red Sox, mas o Red Sox não o ama. Já a Lindsay tem por ele os sentimentos que ele tem pelo time de beisebol.
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Taí o grande mote do filme: até quanto nosso amor por impessoalidades interfere no que sentimos por "pessoalidades"? Aí valem o parceiro, a família, os filhos, os demais seres humanos... Por que pessoas matam e morrem por uma paixão clubística? Quando amamos alguém esperamos alguma reciprocidade – a não ser que tenhamos fortes componentes masoquistas. Afinal de contas, o amor alimenta e é alimentado pelo outro, se não, vira dor, o que é uma rima mas não é uma solução. No caso de um clube, seja de que esporte for, não há reciprocidade nenhuma. Estamos amando algo que é uma abstração e que não vai nos retribuir o sentimento. Está claro que nos sentimos felizes, com o corpo cheio de endorfinas, quando nosso clube vence. Mas, evidentemente, o fato de um clube ganhar não significa que ele nos ama. Só significa que ele ganhou aquela partida, mas poderá perder a próxima.
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Em algum momento do filme Ben percebe isto e cai nos braços de sua Lindsey. Querem saber se o Boston Red Sox vence o campeonato? Prefiro não estragar a surpresa de quem for assistir ao divertido "Amor em jogo". E quem for poderá ter a grata surpresa de se divertir e refletir. Afinal de contas, o que está em jogo não é só o amor.
M.S.

3 comentários:

Anônimo disse...

Minhas namoradas nunca tiveram que passar pelo mesmo problema da Drew neste filme. Uma delas chegou a dizer que eu era o homem perfeito por não dar bola para o esporte bretão. Elas só não conseguiam entender minha quase obsessão por Jornada nas Estrelas. Tentei até convertê-las à "religião trekker". Não fui feliz nas tentativas. Acho que isso é parte de uma sina humana: ser fanático por alguma coisa. No mais, muito divertido o post sobre as frases de caminhão. Escreva mais sobre elas! Quanto ao livro da "Sra. Sexo Anal", mais lamentável do que as baboseiras que são publicadas é sabermos que existe muita gente que gasta dinheiro com este tipo de literatura (sic). Sua tese deve ser muito interessante. E que trabalhos seus foram premiados? Em breve, tentarei retomar nossas aulas. Abração!

Anônimo disse...

Voltei! Um passarinho, ou melhor, uma passarinha me contou que hoje é seu aniversário. Agora veja como ando desatento, pois a data está logo de cara no blog... De todo modo, parabéns! Muitas felicidades e muitos outros milhares de anos (tu mesmo, o confessaste) de vida para você!

Marco disse...

Gostar de futebol tem seus altos e baixos. Hoje estou feliz com a vitória do meu Mengão ontem e com a derrota dos bacalhosos sebentos hoje.
Não sabia que você era um "treker". Adoro a primeira série, gosto muito da segunda e de "Enterprise". As outras (Voyager etc.) eu já achei apelação.
Minha namorada não reclama muito da minha paixão rubro-negra. Ela não liga para futebol e, para me agradar, se diz torcedora do Flamengo. Pelo menos isso!
Imagino que a minha tese tenha, no mínimo, mais consistência do que o livro da Toni. Mas não tenho como competir com as picantes (hummm!) revelações da moça que gosta de "gratinar um caneloni".
Já venci um concurso de contos do SESC e fiquei em segundo lugar em um da UFF.
Já até sei quem é a "passarinha"... Pois é. Estou um ano mais experiente a partir de hoje. Obrigado pelas felicitações.