sexta-feira, março 18, 2005

Olhando as rodas (I)

"As pessoas dizem que sou preguiçoso por sonhar minha vida deste jeito
Elas me dão todo tipo de aviso com o objetivo de me iluminar
Quando eu lhes falo que estou legal, olhando sombras na parede
Você não sente falta do menino daquele grande tempo que você não é mais?"
“Watching the wheels” (Olhando as rodas) de John Lennon

Vivemos tempos complicados. Nunca se discutiu tanto cidadania e ela nunca foi tão pouco praticada. Hoje os maus hábitos viraram norma e o pior é que as pessoas nem acreditam que eles sejam realmente maus. Pois bem, querem um exemplo? Chegou a hora desta gente bronzeada saber de uma coisa absolutamente incrível: houve um tempo em que as pessoas iam ao cinema só para assistir ao filme. Acreditem, ninguém conversava na sala de cinema. Podia ser o maior “poeira” (Tradução: cinema desconfortável, cadeiras de madeira, sem ar condicionado) que todos respeitavam os limites da conversação até o sussurrado: “quer um drops?” Barulho em cinema, só das risadas, quando passava comédia, ou dos gritos, quando era terror/suspense. No máximo, um gaiato dizia uma piadinha. Lembro quando fui assistir à “Tubarão”, naquela cena em que o personagem do Richard Dreiffus mergulha e vai investigar um barco afundado, aparece uma cabeça flutuando. Pois é. Antes dela aparecer, o gaiato gritou: “só a cabecinha!” Foi um susto e uma gargalhada geral. Ah, tinha um tipo de barulho consentido. Era quando passava filme da distribuidora “Condor Filmes”. Aparecia em desenho animado um condor, pousado no alto de um monte e, de repente, ele alçava vôo e atravessava a tela, formando a frase “Condor filmes apresenta”. Quando o bicho aparecia, o cinema quase todo irrompia histérico, fazendo “Shhhh! Shhhh!”, ou seja “espantando a ave”. E como se ela “ouvisse”, batia as asas e ia formar a tal frase. O povo achava uma graça danada desta bobagem!...Mas perto do que acontece nas salas de cinema de hoje, aquilo era de uma inocência boçal.
Não vou falar nem do celular, porque isso não existia no tempo em que Adão era escoteiro.
Hoje eu vejo suplício no meu lazer. Ir ao cinema pode ser extremamente desagradável. As pessoas conversam em voz alta, atendem ao celular, quando não ligam elas próprias para perguntar qualquer besteira. Tudo isto durante a sessão! Acreditem, eu já ouvi um casal discutir a relação durante um filme!
Quando eu entro num cinema, na hora de eleger em que lugar vou sentar, procuro fugir de casais, grupo de adolescentes e de duas ou mais pessoas provavelmente amigas que foram juntas assistir ao filme. Sentar ao lado de qualquer destas opções pode ser uma roubada fenomenal! Às vezes, tenho que ir para a “turma do gargarejo” (tradução: primeiras filas da sala de projeção, onde é preciso levantar tanto a cabeça que parece que estamos gargarejando). O desconforto de ficar tão próximo da tela é menor que ficar perto de pessoas incivilizadas.
“Ó tempora, ó mores!”. Para quem não conhece latim: “ó tempo, ó costumes!”
Vejo tudo isto com olhos de quem sente realmente falta “daquele tempo que não é mais” como está na letra da canção de Lennon. Como ele, vejo as rodas rodando e não tenho outra alternativa a não ser deixa-las seguirem. Volto a este assunto no texto seguinte.
M.S.

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