
Bem, amigos do Antigas Ternuras... Finalmente saiu o livro “Veredas de Brasília: as expedições geográficas em busca de um sonho” que tomou conta das minhas atenções por três meses.
Na empresa em que trabalho, a diretoria aceitou a sugestão dada por meu coordenador de produzir um livro sobre a criação de Brasília sob a ótica das expedições geográficas que, desde o Século XIX, foram ao Planalto Central para delimitar a área em que a nova capital seria construída.
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Mas você perguntaria: Ué? Mas Brasília não saiu da cabeça de Juscelino Kubitschek?
(Pausa para você ouvir a seleção musical que a Rádio Antigas Ternuras oferece, para acompanhar a leitura deste singelo post. Clique na setinha e pode voltar a ler, por favor)
Muita gente pensava isso. Eu próprio acreditei piamente nisso durante muito tempo. Só descobri que não era bem aquilo quando estava pesquisando para a minha dissertação de mestrado e vi, num Diário Oficial de 1919, um deputado pedindo providências para que fosse atendido o preceito constitucional de 1891, que dizia em seu Artigo 3º: Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabeIecer-se a futura Capital federal.
Parágrafo único - Efetuada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal passará a constituir um Estado.
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Aliás, naquele mesmo D.O., eu descobri uma coisa interessantíssima: José Bonifácio de Andrada e Silva, que seria mais tarde celebrado como o “Patriarca da Independência”, recomendava que se construísse uma nova capital no Planalto Central, que deveria receber o nome de Brasília. É mole ou quer mais? Num texto dele, cujo título é "Lembranças e apontamentos do governo provisório da província de São Paulo para os seus deputados" (1821), ele recomenda que "se levante huma Cidade central no interior do Brasil para assento da Corte ou da Regência" e mais adiante, ele diz que assim, "se chama para as Províncias centraes o excesso da Povoação vadia das Cidades marítimas e mercantis (sic)". Repararam numa coisa interessante? A Constituição de 1891 diz que deveria se demarcar “uma zona” e o Bonifácio sugere que para lá sejam levados “os vadios”. O que acham disso? “Uma zona”... “Vadios”... “Brasília”... Vocês veem alguma ligação entre estes termos?
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O livro ficou muito bonito e com bastante conteúdo. Nele, encontram-se textos de treze pessoas, incluindo o modesto escriba que vos digita estas mal tecladas linhas. A mim coube a elaboração de sete perfis biográficos de pessoas envolvidas nas expedições geográficas que rumaram ao Planalto Central para definir onde seria construída a nova capital do País. Eu também cuidei da iconografia- seleção e inserção das imagens, da documentação visual da obra. E não é por estar na minha presença, não, mas o livro está “ricamente ilustrado”, como se costuma dizer. São 195 páginas e 160 ilustrações (todas as que fazem parte deste post estão na obra).
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A primeira expedição constituída para ir ao Planalto Central procurar o melhor lugar para a edificação da nova capital saiu do Rio de Janeiro, em 1892, e foi chefiada pelo astrônomo belga Louis Cruls, diretor do Observatório Nacional. Cruls reuniu vários cientistas (esses da foto), representantes de vários conhecimentos científicos, e, munido de uma enorme quantidade de aparelhos, rumou para o interiorzão de Goiás. Uma aventura para Indiana Jones nenhum botar defeito. Cruls voltaria ao Planalto dois anos depois, para novos estudos. As duas expedições geraram dois relatórios, sendo o primeiro o mais conhecido e publicado. Nele, os cientistas delimitaram uma área de 14.400 km2, em forma de retângulo, no coração do Brasil, escolhido por ter características necessárias para o surgimento de uma cidade: bom clima, manancial de águas, espaço para crescer, facilidade para construção de estradas e vias de comunicação e vai por aí.
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Mas o assunto transferência da capital ficaria em banho-maria por vários anos. Quando em 1919, o tal deputado que falei, deu uma pressionada no governo para saber o que se estava fazendo para cumprir a Constituição, pouco depois, no centenário da independência do Brasil, o então presidente Epitácio Pessoa mandou construir um marco comemorativo na área onde deveria ser construída Brasília. O tal marco está lá, até hoje, em Planaltina, para quem quiser ver.
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Mais anos se passaram, veio Getúlio Vargas, e a mudança da capital foi empurrada com a barriga. Com a Constituição de 1946, o preceito que determinava a construção do novo Distrito Federal voltou à baila. O presidente Eurico Dutra, o homem que seguia “o livrinho”, como ele chamava a Carta Magna, determinou que se fizesse novos estudos para atender à Constituição. O general Djalma Polli Coelho, então chefe do Serviço Geográfico Militar, foi designado para chefiar uma comissão para a localização da área para a nova capital. Ele foi ao Conselho Nacional de Geografia (um dos órgãos que constituía o IBGE) e determinou a organização de duas expedições geográficas para rumar ao Planalto Central e definir a melhor área.
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Por essa época, havia duas correntes políticas fortes para este assunto: a mineira e a goiana. A primeira, queria que a nova capital fosse instalada no Triângulo Mineiro, ali próximo a Uberaba e Uberlândia. A segunda, queria que fosse escolhida uma área no Retângulo Cruls, no interior de Goiás.
As duas expedições rumaram para lá: uma, chefiada pelo geógrafo francês Francis Ruellan; a outra, pelo geógrafo brasileiro Fábio de Macedo Soares Guimarães, com a consultoria do geógrafo alemão Leo Waibel.
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Foi uma aventura digna de um filme de Hollywood. Os caminhões com os técnicos enfrentaram estradas esburacadas, falta de estradas, atoleiros, acampavam onde era possível, comiam comida de campanha (apresuntado enlatado e pão borracha), mas pelo que os remanescentes contam, foi inesquecível para todos. Eu fiz o perfil destes chefes e consultores e foi maravilhoso conhecer esta epopéia a fundo.
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A Comissão Polli Coelho fez relatório, depois de muita discussão, e recomendou áreas que estavam inseridas no Retângulo Cruls, em Goiás. No Congresso, o pau comeu para se decidir em que área. Acabou prevalecendo a corrente goiana.
E, com a posse de Getúlio Vargas, mais uma vez o assunto ficou adormecido. No fim do governo dele, o seu chefe do Gabinete Militar, general Aguinaldo Caiado de Castro, foi escolhido para chefiar uma nova Comissão para fazer estudos no Planalto Central. Caiado contratou uma empresa brasileira de aerofotogrametria para fazer levantamentos no Planalto e, depois contratou a melhor empresa no mundo para estudos de aerofotogrametria, a norte-americana Donald J. Belcher. Quando o trabalho estava quase pronto, Vargas resolve dar um teco no próprio coração. Mais tarde, o vice-presidente tornado presidente Café Filho pediu para que Caiado continuasse à frente dos trabalhos. Mas por sua ligação com Getúlio, ele resolveu não prosseguir. Café escolheu o Marechal José Pessoa para assumir a Comissão e foi ele que pegou o touro à unha e tocou o trator para diante. Com o Relatório Belcher nas mãos, a Comissão escolheu cinco áreas favoráveis para a nova capital, deu a cada uma delas o nome de uma cor, e, mais tarde, na peneirada final, decidiram pelo Sítio Castanho. Curiosamente, a área escolhida estava dentro do Retângulo Cruls e era uma das escolhidas pela Comissão Polli Coelho.
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O livro tem muitas informações curiosas e uma delas é justamente o fato de que quando Juscelino assumiu, já se tinha a área escolhida, os terrenos já estavam desapropriados por decisão do governador de Goiás, José Ludovico, a pedido do Marechal Pessoa, enfim, tudo pronto para se levantar a capital no centro do Brasil. E a impressão que tenho é que Brasília surgiria com JK ou sem JK, embora, temos que reconhecer que sem JK iria demorar um pouco mais.
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Foi maravilhoso (embora super cansativo) sair do zero e colocar o livro pronto, à disposição do público, em apenas três meses.
Agora vocês já sabem porque eu tive que dar um tempo no Antigas Ternuras... E o Arruda não teve nada a ver com esse projeto. Graças a Deus!
O título do livro foi criado por mim e faz um jogo de palavras com a antiga aspiração que vinha desde muito tempo, e com o sonho de São João Bosco, aquele que sonhou, em 1883, com uma cidade construída entre os paralelos 15 e 20, vindo a ser o primeiro e único sonho com GPS na história da humanidade.
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve Juca Chaves e a sua “Presidente Bossa Nova”.