quarta-feira, abril 25, 2007
Auíka!
No outro dia, fui até o setor de suporte da informática no meu trabalho e no que eu cheguei vi uma rodinha com uns quatro mais ou menos. Um deles, justamente o chefe do setor, apontou pra mim e disse:
- Esse aí também gosta!
Eu protestei:
- Ô rapá! Presta atenção! Me respeite, sujeito! Sou homem! Vê lá se eu tenho os seus hábitos!
Eles riram. Quando a gente vê grupo de homens conversando, já imagina que tem sacanagem no meio...
- Ô mané. Não é isso, não. Estamos falando de National Kid.
Minhas glândulas salivares começaram a se assanhar. Daí, comecei a falar daquele seriado que encantou toda a minha geração (se você tem menos de quarenta e poucos, não faz a menor idéia do que eu estou falando...). Os caras desconheciam completamente o que eu estava contando pra eles. Virei ídolo daquela moçada por saber tanto sobre o Kid.
*
No meu computador do trabalho tem uma baita foto do herói japonês no wallpaper (essa imagem aí ao lado) Quem vai na minha sala e olha a foto, se for da minha geração, já pinta aquele brilho nos olhos. E quando eu falo que o único lugar do planeta onde a série fez sucesso foi o Brasil, e conto otras cositas más, a pessoa chega a pular de felicidade feito perereca profissional.
*
Pois é. Meninos, eu vi. E vou contar pra vocês.
*
O seriado foi produzido no Japão, em 1960, pelos estúdios da Toei (estreou no Brasil em 1964, na Record de São Paulo, e no Rio em 1965, pela TV Rio). Era em preto e branco (para baratear os custos de produção). O herói foi criado pelo desenhista de quadrinhos Daiji Kazumine. Foram produzidos cinco histórias, com episódios de 24 minutos cada um. Eis os nomes das histórias famosas do National Kid:
Contra os Incas Venusianos
Contra os Seres Abissais
Contra o Império Subterrâneo
Contra os Zarrocos
O Mistério do Garoto Espacial
*
Agora, sintam só as curiosidades sobre a série.
Ela era, na verdade, um grande comercial dos produtos National (que hoje têm o nome de Panasonic), a patrocinadora do programa. Nos episódios, o que aparecia de radinho e outros aparelhos daquela marca não estava no gibi! Um merchandising dos mais escancarados que a TV já viu.
Eu tenho nos meus guardados uma antiga matéria de jornal sobre o National Kid que apresenta a letra da musiquinha de abertura do seriado. Pena que eu não saiba onde guardei o raio da página. Mas fui fuçar na internet e achei a letra original com a tradução! (Babem, quarentões e cinqüentões...)
Kumo ka arashi ka
Inazuma ka
Heiwa o aisuru hito no tame
Morote o takaku sashinobete
Uchu ni habataku kaidangi
Hei, sono na wa kido - Hei, Nationaro Kido
Bokura no Kido - Kido! - Nationaro Kido
(“Será nuvem, tempestade ou raio?
Lutando pela paz do mundo...
Levantando alto as duas mãos...
Voando pelo cosmo o nosso herói...
Oh! O seu nome é Kid!!!
Hey! National Kid!
Ele é o nosso herói, Kid!!!
National Kid”)
Eu me lembro da abertura do programa, quando o locutor dizia assim:
Domina o mundo da 4ª. dimensão...
Supera o impossível...
Mais forte do que as armas científicas atuais...
Mais rápido do que os aviões a jato...
Defensor da Paz e da Justiça...
Super-homem invencível,
Seu nome é...National Kid!
*
No elenco, haviam atores profissionais misturados com amadores. O próprio protagonista, National Kid e sua identidade secreta Professor Massao, nos episódios contra os seres abissais e incas venusianos, era feito por um funcionário dos Correios do Japão (Ichiro Kojima, que deixou a série por problemas de saúde, sendo substituído por Tatsume Shiutaro). A garotada que aparecia na série, os órfãos criados pelo prof. Massao e sua assistente Tyako, foram recrutados em colégios.
Aliás, tem uma outra curiosidade hilária: o professor Massao originalmente não tem esse nome. Na história original ele se chama “professor Riusako”, mas na dublagem brasileira resolveram trocar para não favorecer trocadilhos de duplo sentido com “riu” e “saco” (Ah... anos 60!)
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Outra curiosidade que vai deixar os admiradores da série de queixo caído: os “incas venusianos” só se tornaram “venusianos” no Brasil. Originalmente, são só “incas”, mas os responsáveis pela dublagem acharam melhor dar um planeta para aqueles caras estranhos, vestidos de morcego com um Z no peito. Os tais esquisitões adoravam o deus Awika (se pronuncia “Auíca”) e eram governados pela princesa Aura, uma japinha até bem mais ou menos...
Vejam uma cena do Kid, lutando contra os incas venusianos. Reparem na gargalhada canastrona. E no radinho National. Gente, isso era muito bom!!! (dura só 2min e 8seg)
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O efeitos especiais mais pareciam “defeitos”. Só faltava aparecer a cordinha segurando os discos voadores. Cenas de um episódio eram aproveitadas em outros. Por isso os disco voadores dos subterrâneos são iguaizinhos aos dos incas.
Nos episódios contra os seres abissais, as fantasias de monstro dos caras eram risíveis, assim como o submarino deles. Numa cena em que um automóvel voa, vê-se nitidamente ser um carrinho de brinquedo em uma maquete. Mais tosco, impossível.
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Os criadores da série nunca esconderam que o National Kid era uma cópia descarada do Super-Homem, cuja série com Geoge Reeves fazia muito sucesso no mundo todo. No Japão, o NK não causou nenhuma sensação, ao contrário do Brasil, sucesso garantido em todos os canais que passou (TV Rio, Globo, Tupi e Record). Nagayoshi Akasaka, criador, roteirista e diretor da série, levou um susto quando, muitos anos depois do fim da série, um jornalista brasileiro lhe falou do absoluto sucesso do herói para toda uma geração no Brasil. Ele confidenciou porque escolheram aqueles vilões:
“Existem dois grandes inimigos do ser humano. As coisas que vêm de fora e as coisas que saem de dentro. Assim criamos dois tipos de vilões: os invasores vindos do espaço e os seres abissais saídos das profundezas do oceano”.
Isso é bem típico dos anos 50/60, quando a Guerra Fria em marcha no planeta, camuflava no mundo capitalista a luta contra o comunismo, dando a vilões do espaço ou do fundo do mar ou ainda das profundezas da terra características da liturgia soviética.
Se bem que no caso do National Kid, os incas venusianos invadiram o nosso planeta para protestar contra as experiências atômicas e com o descaso com a natureza. Da mesma forma, os seres abissais atacaram a superfície como protesto pela poluição marinha e pelos testes atômicos. Em tempos de aquecimento global e ameaças de corrida nuclear pelo Irã e Coréia do Norte, seria a hora de pedir: “voltem, incas, voltem pelo amor de Awika!”
E vai que os abissais soltem o celacanto e produzam uma baita tsunami! Olha só a situação!
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Aliás, sobre isso, lembro que em 1978, vários muros da cidade apareceram pichados com a frase “Celacanto provoca maremoto”. Nossa! Lembro que aquele mistério agitou os cariocas. Bem, os cariocas que não conheciam o National Kid, é claro... Eu e os outros fãs da série estávamos carecas de saber que aquela frase era a senha dos seres abissais na luta contra os seres da superfície e contra o National Kid. Mas as “teorias” que ouvi na época a respeito da frase são de matar de rir. Iam desde mensagem cifrada de bandidos até uma forma de atacar o governo da ditadura militar.
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Para nossa tristeza, no incêndio que praticamente destruiu a TV Record, no início dos anos 70, ficaram torrados os rolos contendo a série. Com muito custo, e graças a longas negociações com os estúdios Toei Company e com a Sato Company, conseguiram resgatar cópias com algumas histórias (abissais, incas e subterrâneos). Lançaram aqui, em VHS e depois em DVD. Tenho ambas, minhas queridas antigas ternuras.
Quando as revejo, lembro daquele herói que veio de Andrômeda, mas principalmente, lembro de um menino magrinho, que costumava amarrar uma toalha no pescoço e sair correndo pela casa cantando “taaaaaan...Tan-tan-tan-taaaaaaaaan...”
Como já dizia Belchior, “nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam, não...”
M.S.
Bem,amigos da Rede Globo… Eis a última cena do último episódio do National Kid. E com a dublagem original. Dura 3min e 40seg.
Não precisam agradecer. Basta curtir e enxugar aquela lágrima vadia que insiste em correr no canto dos olhos...
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Na TV Antigas Ternuras você vê algumas cenas e a abertura do National Kid. Se você não era desta época, você não sabe o que perdeu. Se você era... Ah, está aí fungando não é? Pois é. Eu também.
domingo, abril 22, 2007
Um caguëte de outro mundo – 2a. Parte (Final)
No capítulo anterior, eu comecei a contar uma de minhas travessuras do tempo do colégio e as respectivas conseqüências, que depois viriam a culminar com uma delação vinda do mundo dos mortos. Se você não leu ainda, recomendo que leia primeiro o post abaixo para colocar-se a par dos fatos.
A situação era desesperadora. Eu e Roberto GBO estávamos perdendo aulas direto. Resolvemos apelar para os céus. No caso, para Nossa Senhora da Penha.
Mais uma vez, pular o muro da linha do trem, andar sobre os dormentes, arriscar a vida na ponte de ferro, pegar o trem. Paramos na estação da Penha.
*
A igreja da Penha é famosa por ficar num penhasco (óbvio...O nome já está dizendo). Muita gente faz promessas e pedidos à santa, na esperança de receber uma graça. A nossa graça era aquela história se resolver sem que a minha mãe e a avó dele entrassem no circuito. Decidimos subir os 365 degraus da igreja de joelhos para comover a santa e o milagre acontecer.
*
Começamos a subir juntos. Não deu certo. Era só um olhar para a cara do outro para cair na gargalhada feito hienas enlouquecidas. Resolvemos nos separar. Ele ficaria no outro lado da escada. Mas não teve jeito. Bastava que um olhasse para o outro e ambos se mijavam de tanto rir. Será que a santa iria aceitar um sacrifício daquele jeito?
*
No dia seguinte, entramos na sala. Ficamos quietinhos. O coordenador apareceu e a história se repetiu. É. Não tinha jeito. Tínhamos que contar para nossos responsáveis e agüentar as conseqüências.
Em casa, eu olhava para a minha mãe, fazendo o jantar... e cadê coragem para falar? Ficava rodeando ela, feito cachorro que comeu o presunto e está envergonhado.
Acabei falando. Ouvi um dos famosos esporros de D. Ruth. Daqueles que fariam as trombetas do Apocalipse parecerem caixinha de música para bebês.
*
E lá fui eu para o colégio, com a minha mãe e seu olhar fuzilante sobre mim. Entramos, ela foi para a coordenação, eu fui para a sala. Encontro lá o Roberto GBO com os olhos arregalados, parecendo que tinha visto o Drácula montado na mula-sem-cabeça correndo atrás do lobisomem.
- Você trouxe a sua avó? Teve coragem para contar pra ela?
- Não foi preciso. Entregaram a gente de bandeja.
- Como entregaram?... Quem entregou?
Foi quando ele me contou uma triste história.
A avó dele era macumbeira. Freqüentava um terreiro de umbanda. No dia anterior, ele estava tentando reunir coragem para confessar o acontecido, quando a velha foi no terreiro. Lá, ela se consultou com uma das entidades, um cabôco, um preto velho, sei lá. Só sei que o espírito (de porco) contou toda a história para a avó do GBO. Contou minuciosamente. Parecia um travesti descrevendo uma festa de casamento. Com riqueza de detalhes. Falou do trem, da praia de Ramos, da igreja, tudo, tudo, tudo! Eu nunca vi um troço desses! Um Cabôco Língua Grande!
A avó chegou em casa cuspindo fogo que nem dragão profissional! Apertou o GBO que não teve como negar.
Ou seja: A avó estava naquele momento lá na coordenação, junto com a minha mãe.
*
Como diria Madre Teresa de Calcutá, em momentos difíceis:
- Agora é que fodeu tudo de vez!
O coordenador veio nos chamar, fomos até a sala dele e eu temia entrar na porrada lá mesmo. Encontrei minha mãe bem calma. Estranhamente calma... Ela só me disse:
- Em casa conversamos...
Duvido que Tiradentes, ao ouvir a sentença de morte, tivesse sentido o que eu senti naquele momento.
Cheguei em casa já pensando em fazer o meu testamento. Minha mãe só disse o seguinte:
- Um mês sem sair de casa. Você só sai para ir ao colégio. E volta direto pra casa.
" AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAUUUUUUUUUUUUGHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
PelamordeDeus!! Tudo, menos isso! "
Fui pegar o fio de ferro:
- Me bate! Me espanca! Arranque o meu couro! Mas não faça isso comigo!!!
*
Ela fez. Passei um mês trancafiado em uma cela de segurança máxima.
Na sagrada hora do futebol das tardinhas, os meus amigos vinham me chamar e eu dizia que não podia ir jogar. Eles perguntaram porquê e eu só falei:
- Macumba!
M.S.
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No outro dia, estava fazendo a ronda nos blogs amigos, passei no Playground dos Dinossauros, um blog-irmão deste Antigas Ternuras, também dedicado a relembrar doces momentos do passado (são quatro dinossauros autores, um deles é o Itiro que vem sempre aqui). Lá, vi um texto em que falava de viagem no tempo, como vocês sabem, uma de minhas mais queridas e antigas ternuras. Perguntava que viagem no tempo nós, leitores, gostaríamos de fazer. Eu respondi: voltar à minha adolescência, quando ia para o colégio encontrar meus amigos, depois voltava para casa, para ver National Kid na TV e jogar futebol no campinho de várzea.
Daí, me veio à mente este momento difícil que passei. Hoje, eu revivo isso tudo com um sorriso nostálgico. É muito bom ter vivido histórias assim para ter o que lembrar, o que recordar, o que contar para os amigos.
No próximo post, escreverei sobre o National Kid.
Em tempo: se vocês acham que eu inventei tudo isso, perguntem ao meu amigo-irmão Luiz, que sempre lê este blog e era meu colega de escola neste tempo...
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo uma de minhas antigas e deliciosas ternuras: "O Bom Menino", com meu ídolo de infância, Carequinha. Eu deveria ser um bom menino, mas...
terça-feira, abril 17, 2007
Um caguëte de outro mundo
Alguém aí já foi cagüetado por um espírito? Eu já. E, olha, deu uma merda federal!
Querem saber como foi? Então deixem eu fazer o que mais faço aqui neste blog: apertar a tecla REWIND e voltar a fita no tempo, até meus 12, 13 anos, quando estava no segundo ano ginasial.
*
Um dia, cheguei na sala de aula, sentei no meu lugar e estava aguardando a aula começar. Nisso... ploct!... Um pedaço de giz bateu bem na minha cabeça. Levanto os olhos e vejo o Luiz Carlos “Neguinho” (naquela época não havia politicamente correto, chamávamos nossos colegas com excesso de melanina na pele de “neguinho” e ninguém se sentia ofendido). Ele estava rindo feito um pterodátilo.
- Ah, féla da p...
Ato contínuo, peguei o mesmo pedaço de giz e mandei nos cornos dele. Foi a senha para iniciar uma troca de tiros de giz entre nós. Corri para o final da fila de carteiras, ele se entrincheirou no início da fila e voou toco de giz para tudo que é lado. Parecíamos dois pistoleiros de filme de bangue-bangue, trocando tiros de giz.
*
No que eu estou abaixado, olho no canto da sala uma lata de lixo e dentro, uma pêra semi-comida, semi-apodrecida... Uma idéia me passou pela cabeça. Lembro que fiquei avaliando se devia ou não pô-la em prática.
Sabem quando aparece nos desenhos animados um diabinho e um anjinho e ficam falando um de cada lado do ouvido? Pois é. O Marco Anjinho falava assim: “não faça isso. Pode te trazer problemas.”
O Marco Capetinha sussurrava: “que mané problema! Manda essa pêra nos cornos desse cara para ele aprender a não te provocar!”
Gente, eu tentei resistir, mas o argumento do diabinho era mais forte!
Peguei a pêra meio podre no fundo da lata de lixo, esperei o Neguinho levantar e arremessei com toda a força na direção dele.
Ele se abaixou.
Exatamente na hora em que a Neusa, a menina mais sebosa, mais antipática da sala ia passando.
*
A pêra explodiu na cara dela. Na mesma hora, a pentelha girou nos calcanhares, saindo da sala. Eu sabia exatamente o que ela iria fazer.
Voltei pro meu lugar, sentei e aguardei a punição. Não demorou três minutos, apareceu o coordenador, prof. José Carlos, na porta da sala:
- Marco, arrume o seu material e venha para a coordenação.
E lá fui eu, com passos pesados, com a sensação de que estava condenado à câmara de gás, à forca, à cadeira elétrica e à cruz. Tudo ao mesmo tempo.
*
Chegando lá, ouvi uma bronca daquela de fazer derreter o granito do piso. Ele pegou a minha ficha. Acontece que eu não tinha uma ficha. Tinha um prontuário! Já tinha feito tanta merda naquele ano, que na última me alertaram: na próxima, expulsão. E a próxima tinha acontecido. Eu acabava de dar motivos para isso.
*
Nisso, chega à coordenação mais um aluno da minha sala, o meu amigo Roberto GBO (de Grande Bobo e Otário, olha só com quem eu andava!). Ele também tinha aprontado alguma e fora mandado para a punição do coordenador.
A situação dele não era tão grave como a minha. Mas a punição também seria da pesada. Como eu era considerado um bom aluno, embora fosse um capeta, resolveram me dar uma última chance. Mas... Sempre existe um “mas” nessas situações. Mas eu teria que trazer a minha mãe no colégio. Só entraria com ela.
*
Aí é que morava o perigo. Minha mãe era muito rígida. Se soubesse o que eu tinha feito iria me dar uma coça de fio de ferro (sim, moçada, houve época em que o fio do ferro elétrico era solto! Toda criança deveria fazer uma prece silenciosa em memória do santo homem que inventou o fio de ferro preso ao aparelho!). Não, minha mãe tinha que ficar fora dessa!
A punição do Roberto GBO foi a mesma: teria que trazer a responsável por ele, no caso, a avó que o criara. E parece que ela era mais braba que siri amarrado. Que nem minha mãe.
*
Saímos para a rua e ficamos zanzando até o meio-dia, fim das aulas. No dia seguinte, entramos na sala quietinhos, nos sentamos no final das carteiras sem dar um pio, na esperança de que esquecessem da gente.
Não esqueceram.
- Marco e Roberto. Cadê os responsáveis por vocês?
- Ah... Sabe o que é, professor... Minha mãe trabalha. Não pode vir.
- Então vocês ficam suspensos até as mães de vocês terem tempo para vir aqui conversar conosco.
*
Raios. Raios duplos. Raios triplos.
Saímos os dois de sala. Eu ainda dei uma olhada na direção daquela desgraçada da Neusa. Ela, com a cara de vômito engarrafado habitual, nem te ligo...
Na rua, eu e Roberto GBO decidíamos o que fazer. Olha só a sugestão do mequetrefe:
- Vamos andar de trem?
- Pô, Roberto, eu não tenho um tostão.
- Ah, a gente pula o muro da linha do trem, vai andando até a estação de Vigário Geral. De lá, nós entramos no trem sem pagar. (veja na foto a estação e o trem de madeira puxado por locomotiva que a gente pegava)
E este débil-mental aqui topou.
*
Fomos andando pelos trilhos, passamos pela ponte sobre o Rio Meriti (putz! Que mêda! Um passo em falso ali e ficaríamos gravemente mortos pro resto da vida!), pegamos o trem. Aí, o GBO, deu mais uma idéia de jerico:
- Vamos saltar em Ramos e ir pra praia?
- Pô, cara. Estamos com uniforme do colégio!
- E daí? Ninguém vai saber!
Mais uma vez eu topei. E fomos para a praia de Ramos, antes do Piscinão. Aquilo era um cocozal da pior qualidade.
Chegamos lá, o Roberto quis nadar. Eu não topei. Ele foi.
Depois dele se refestelar nas águas, resolvemos voltar pra casa. No dia seguinte tentaríamos entrar no colégio novamente, na esperança do coordenador nos esquecer.
*
Não esqueceu, aquele filho de uma que ronca e fuça...
M.S.
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Esse post ficou muito grande, tive que dividi-lo. Publico aqui a primeira parte e no domingo eu posto a parte final. Aguardem. Vou, enfim, revelar como um espírito me delatou.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Eu sou terrível”, com Roberto Carlos.
sexta-feira, abril 13, 2007
Cada uma que aparece...
Dia desses, recebi pela Internet uma mensagem de um parceiro meu. Eis o conteúdo:
O que significa a palavra "Família"?
Você tem consciência de que se morrêssemos amanhã, a firma onde trabalhamos nos substituiria rapidamente?
Mas a família que deixamos para trás, sentirá a nossa falta para o resto das suas vidas.
Pensando nisto, já que perdemos mais tempo com trabalho do que com a família, parece um investimento muito pouco sensato, não acha?
Afinal, qual a moral da história?
Você sabe o que significa a palavra Família em inglês?
FAMILY = (F)ATHER (A)ND (M)OTHER (I) (L)OVE (Y)OU'
Pai e Mãe Eu amo Vocês!
Legal! Eu não sabia disso!
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Que coisa linda!... Que coisa meiga!... Que coisa errada!
Não a primeira parte do texto, obviamente. De fato, passamos a maior parte do tempo longe de nossas famílias e justamente ela que nos dá o necessário reforço emocional.
O errado aí é a “explicação” sobre “family”.
Não sei de onde tiram idéias de jerico como essas, juro que não sei! Às vezes, acho que tem uma pessoa na Internet, que fica sozinha, tadinha, solitária, sem mais o que fazer além de ficar inventando lendas urbanas, bobagens que são repassadas e acabam ganhando “fundo de verdade”. Eu parto do princípio que 99% das coisa que recebo pela Internet são coisas erradas, falsas, sem nenhuma comprovação científica. E são mesmo! A quase totalidade de textos atribuídos ao Luís Fernando Veríssimo e ao Arnaldo Jabor está aí mesmo para comprovar.
*
Sobre a origem da palavra “Família”, respondi para o meu amigo o seguinte:
Família vem do latim "famulus", que significa "escravo doméstico". Este termo (e conceito) foi criado na Antiga Roma para designar um novo grupo social que surgiu entre tribos latinas, tão logo foram apresentadas à agricultura e ao trabalho forçado com justificativa legal.
Inicialmente, "família" eram todos os que pertenciam ou estavam ligados a um mesmo patriarca. Na Idade Média, passou-se a admitir como "família" somente os ligados por laços de consangüinidade e/ou decorrentes de matrimônio.
*
Por sorte, eu conhecia a origem da palavra “família”. Mas poderia não conhecer; não sou nenhum sabichão, desconheço muitas, muitas coisas. Vai que eu acredito nessa explicação bonitinha (mas ordinária) e saio repassando por aí, fazendo as pessoas acreditarem em mais esta lenda urbana, olha a situação...
*
Tem outra. Tão inacreditável quanto.
Nesta semana, de segunda a quarta, estive em Porto Alegre para fazer algumas palestras e participar do lançamento do segundo volume do projeto onde atuo, no meu principal emprego. Na segunda-feira, estivemos eu e meu coordenador, na TV RBS para participar de um programa de entrevistas. Era uma espécie de mesa redonda, com um âncora e outros participantes. Entre estes, havia um professor de português (imagino eu...). O público telespectador mandava perguntas com dúvidas sobre a nossa língua e ele respondia no ar.
Estávamos lá, esperando a nossa vez, quando o âncora leu uma pergunta dirigida ao tal professor:
“Atualmente existe uma recomendação oficial para não usar a palavra aluno e sim estudante, pois, segundo dizem, aluno em latim significa ‘aquele que não tem luz’. É verdade isso, professor?”
*
Eu, no meu canto, quase tive uma síncope, prendendo o riso (estava no estúdio, não podia fazer barulho) diante de uma bobagem sem tamanho como aquela.
O professor esclareceu, até usando de muita galhofa (eu teria feito pior, debochado do jeito que eu sou...), que aquilo era um erro colossal, que aluno, em latim alumnu, na verdade significa: “criança que se dava para criar” (segundo o Aurélio), ou “criança em fase de aleitamento”, recebendo o “leite do saber”, evidentemente (segundo o Houaiss). Pois é. Está nos dicionários. No “nosso pai” (o “pai dos burros”). Bastaria que a pessoa o consultasse para ver que é uma enorme bobagem essa de aluno ser “pessoa sem luz”... E pelo que o professor falou, tem gente do Ministério da Educação passando esse tipo de recomendação às escolas, vejam vocês...
*
As lendas urbanas estão espalhadas por aí e a Internet se transformou num excelente veículo para transmiti-las. Como sempre há olhos crédulos para por fé nas coisas que chegam pelas infovias da rede, estamos diante de uma espécie de “Febeapá” internáutico. Stanislaw Ponte Preta deve estar no túmulo se revirando de rir...
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo “Aviso aos Navegantes” com o sempre ótimo Lulu Santos.
domingo, abril 08, 2007
Pé de pato, mangalô três vezes!
O tema hoje é: superstição. (toc, toc, toc!)
Vou começar teclando com a mão direita pra dar sorte. Mas, antes, deixa eu beijar a minha figa. Isso afasta aquela palavrinha horrível com quatro letras. Não gosto nem de pensar nela. Deus me livre! Isola!
*
Bem, agora podemos tratar do assunto.
Este post faz parte da seção “A origem das expressões que utilizamos e que não sabíamos de onde vinham”. Quem me acompanha há mais tempo já leu aqui posts que eu fiz com minhas pesquisas nesta área (que são antigas ternuras minhas). Vou apresentar hoje a origem de duas expressões relacionadas com superstição. A primeira é:
Entrar com o pé direito
Essa é do tempo da Antiga Roma. O costume e a expressão nasceram lá, embora tal prática tenha se espalhado pelo mundo. Segundo consta, nas festas que os romanos davam era costume dos convidados entrarem nos salões dextro pede – ou seja, com o “pé direito”. Diziam eles que isso afastaria o mau agouro. Vai ver eles pretendiam encher a caveira, e, por isso, não queriam atrair má sorte. Se iriam enfiar o pé na jaca, que fosse o direito!
*
Hoje em dia, especialmente jogadores de futebol, uma das raças mais supersticiosa que eu conheço, fazem questão de entrar em campo com o pé direito. Nem sabem o porquê fazem isso, mas repetem como macaquinhos o que um outro faz.
*
A outra expressão que eu quero explicar é a:
Bater na madeira
Uma amiga minha, atriz, só entra em cena se bater na madeira três vezes. Um dia perguntei a ela porque ela faz isso. “Para dar sorte”, me respondeu. Eu insisti (sou muito chato e implicante, de vez em sempre, coisas de virginiano): “estou perguntando se você sabe por que se bate na madeira para dar sorte?”
Ela não sabia.
Aí eu expliquei:
O costume de bater na madeira é muito antigo, provavelmente de origem celta. Acreditava-se que em cada árvore existe uma divindade. Por isso, ao se entrar numa floresta era hábito bater nos troncos para despertar o deus que lá estava e invocar proteção. Especialmente para afastar maus espíritos. Se antes se procurava um tronco para as tradicionais pancadinhas, no ambiente urbano as pessoas começaram a procurar mesas, portas, o que fosse feito de madeira para o mesmo ritual (embora o deus não estivesse numa mesa; no que derrubaram a árvore, ele teria buscado outra planta pra morar; aliás, que deus mixuruca esse que nem a própria casa ele conseguiu proteger!)
*
Sei que alguns diriam: “Bobagem! Superstição é besteira, invencionice do povo ignorante!”
É. Pode ser.
Mas o costume está mais arraigado do que pode pensar a nossa vã filosofia. E existe traços de preconceito nisso também. De certa forma, confunde-se religião com superstição e aí o bicho pega, porque consideramos nossos hábitos litúrgicos como religião, e os dos outros, diferentes de nós, como superstição. Costuma-se vincular superstição ao paganismo. E não está de todo errado quem pensa assim. Mas está equivocado quem acha que o seu hábito religioso é legítimo e o dos outros, não!
O cara que faz o sinal da cruz quando passa diante de uma igreja, acredita de pés juntos que seu gesto não é superstição. Agora já tem jogador de futebol (sempre eles!), que quando chuta a bola para fora, faz o sinal da cruz (provavelmente pedindo perdão a Deus por isolar a bola na arquibancada...) e acham que isso é devoção, pedido de proteção, o escambau.
No que isto é diferente de bater três vezes na madeira? De se entrar com o pé direito em um lugar?
*
O autor, ator e diretor Fernando Peixoto costuma contar uma história curiosa. Ele teve uma secretária doméstica que num dia entrou em casa reclamando de uma pessoa que estava no mesmo ônibus que ela, com um cordão largo com um crucifixo, e que ao balanço do veículo ficava com a cruz batendo no braço dela, incomodando bastante.
Fernando tentou contemporizar:
- Mas é a cruz de Cristo! Símbolo de devoção! Você estava sendo abençoada!
Ela respondeu, mais fula ainda:
- Que mané devoção, que nada! Cruz era objeto de tortura! Queria ver se Jesus tivesse morrido na cadeira elétrica se as pessoas iam andar com uma cadeira pendurada no pescoço! Aí que iria incomodar os outros mesmo, ter uma cadeira num cordão, balançando e batendo na gente!
*
Sei que vai ter gente considerando este argumento um sofisma, mas, aqui pra nós, a mulher está careca de razão! (Já imaginaram fazer o “sinal da cadeira” diante de uma igreja???)
*
Claro que este post não vai e nem pretende mudar os hábitos de ninguém. Talvez, no máximo, levá-los à reflexão sobre o efeito prático de algumas superstições. Especialmente no que diz respeito às confusões com religião.
Superstição e religião são coisas diversas. Uma, a segunda, trata da vida espiritual; a outra, a primeira, pretende trazer benefícios imediatos e sempre terrenos, concretos.
Na superstição não há... não há... (Eu queria lembrar de uma palavra, mas esqueci... Ô meu Deus... Como era mesmo?... Huum, espera aí, deixa eu dar três pulinhos e dizer: “São Longuinho! São Longuinho! São Longuinho!”... Ah! Lembrei:)
Não há lógica científica!
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo o delicioso clássico brega “Sorte tem quem acredita nela” do sempre inacreditável Fernando Mendes.
terça-feira, abril 03, 2007
Nunca mais
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
(...)
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
“É o vento, e nada mais.”
(...)
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
(...)
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
(...)
[Trecho do poema “The Raven (O Corvo), de Edgard Allan Poe, traduzido para o português por Fernando Pessoa]
*
Noutro dia, estava indo para o estacionamento do meu prédio quando vi uma linha por sobre o meu carro. No que eu puxei, percebi que na ponta estava uma pipa que tinha voado e se alojado ali, agarrada no meu batmóvel. Uma pequena chama se acendeu nas minhas retinas fatigadas. Lembrei que fui menino e que em determinadas épocas do ano eu andava pelas ruas olhando para o alto, procurando pipas voadas que tivessem sendo cortadas por linhas com cerol para eu correr e pegá-las para o meu divertimento. Então pensei: “Mas que pandorga é esta que me ativa memórias ancestrais?... Chega assim, sem um aviso, vindo em ventos celestiais... Será que não trouxe junto a ela minha infância em rituais?”
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E já me vi ali correndo, estendendo a linha de um “dez dos grandes” (como chamávamos o carretel maior da linha Corrente de número 10), passando a mistura de cola de madeira e vidro moído, botando no alto aquele artefato feito de varetas finas de bambu e papel-seda colorido...
*
Hoje percebo o quanto de ritual existe no simples ato de empinar papagaio ou pandorga, soltar pipa, como dizíamos e acho que ainda dizem aqui no Rio. Quem fazia a pipa escolhia com critério o bambu, cortava varetas para a armação, ligava-as com linha dando o aspecto desejado. Depois, escolher a combinação de papéis finos para revestir o esqueleto de bambu.
Eu gostava de fazer em listras vermelhas e pretas, e chamar a minha pipa de “flamenguinha”. Depois, elaborar a rabiola com as sobras do papel, andar pelos terrenos baldios atrás de lâmpadas velhas, quebrá-las e moer os cacos até ficar uma farinha branca e bem fina; coava numa meia de seda velha. Depois, derretia as placas de cola de madeira (numa lata vazia sobre uma fogueira de lenha, porque cheirava forte e minha mãe não deixava fazer aquilo na cozinha), adicionava pó secante, misturava com o vidro moído, deslizava a mistura pela linha, com a mão em concha, fazendo o fio passar por baixo do polegar, de vez em quando dar uns estanques para retirar o excesso... Esperar secar e pronto!
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Daí, eu chamava o vento com uma cantiga mágica, de tempos imemoriais: “vem, vento, catinguelê... Cachorro do mato quer me morder...” (o significado disso? Não importa. Importava era o vento aparecer). A brisa da tarde aparecia e fazia o meu pássaro rubro-negro singrar pelos ares... sendo conduzido por mãos hábeis, na busca por outros pássaros.
Ah... E ver um combate nos céus. A aproximação era sempre com negaceios. Debicava a pipa na direção da possível vítima, fazia que ia, mas voltava... O balé no azul podia durar segundos, minutos, pequenas eternidades, esticando o prazer até não mais poder. Aí vinha o bote final. As linhas se entrecruzando e definindo quem prosseguiria no jogo. Uma delas - às vezes as duas - teria partido o cordão umbilical que as ligava ao dono. E a pipa voava, bailando no céu, virando cambalhotas livres, lindas... Até ela mansamente cair numa rua, num quintal baldio, onde mãos ávidas a esperavam para novamente fazê-la subir para o azul.
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Mas aquela pipa caiu em completa solidão. Nenhum bando de alegres meninos, não tinha dedos ávidos para disputá-la. Jazia ali, ao lado do meu carro. Agora, estava na minha mão. “E então, triste pandorga”, pensei eu, “onde está a tua vida, dá-me então os teus sinais... Vens com tuas cores de alegria e aos meus olhos provocais... Por algum artifício não sabido, presa ao carro em seus umbrais... Traga minha infância perdida! Cessa em mim esses meus ais...”
E a resposta veio num vento sacudido: “Nunca mais... Nunca mais...”
M.S.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você está ouvindo 14 Bis com “Pequenas Maravilhas”.
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Pessoal: sei que ando meio sumido do ambiente blogueiro. Eu estava em semana de reestréia de meu espetáculo "Nhoque em Tempos de Crise". Ele agora estreou e, para os que moram no Rio e queiram me assistir fazendo palhaçadas, é só ir ao Teatro Glaucio Gill (Barata Ribeiro com Praça Cardeal Arcoverde, ao lado da Estação do Metrô Arcoverde, em Copacabana). A peça é uma comédia de se mijar de rir. Já teve blogueiro amigo que foi e gostou. Será um enorme prazer tê-los lá para me assistir. A peça está em cartaz de quinta a domingo, às 21h (domingo às 20h).
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