
Recentemente assisti a uma palestra que abordou a célebre tese do historiador Sérgio Buarque de Holanda (também conhecido como “o pai do Chico”) a respeito do brasileiro como um “homem cordial”, conforme ele dissertou em sua magnífica obra “Raízes do Brasil”.
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O assunto é interessante e sempre atual. Mas antes, cabe um pequeno grande reparo: não foi o Sergio quem criou o conceito de homem cordial. O primeiro a tratar disso foi o jornalista, poeta, acadêmico e magistrado santista Ruy Ribeiro Couto (1898-1963). O velho Buarque só deu uma fundamentação sociológica ao termo. Outro reparo mais importante ainda: o “cordial” aí do conceito
não é sinônimo de afetuoso, afável, simpático, polido, educado, cortês... Não, nada disso! Cordial é por conta de seu radical latino “
core, cordis”, que significa “do coração”. O homem cordial de que falavam Ribeiro Couto e Sergio Buarque diz respeito ao caráter emocional, passional, do brasileiro.
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Mesmo porque nós não temos nada de educado ou de afável. Aquela imagem do brasileiro como um povo alegre, gentil, sempre de bem com a vida... Rá!... é uma
lenda. Falo especificamente pelo carioca e pelo paulista, que conheço muito bem. Não dá para considerar como gentil um povo que dirige no trânsito como se estivesse num rodeio de boi brabo em Barretos; que fala ao celular em cinema e Teatro, sem se importar se está incomodando ou não; que larga o carrinho do supermercado no meio do corredor, pouco se lixando com os demais passantes; que finge estar dormindo nos ônibus e trens, só para não dar o lugar para idosos, pessoas com criança ou com dificuldades físicas; que joga lixo pelas ruas e ainda reclama que o governo não limpa a cidade; que entra com a porra do cigarro aceso dentro de elevador, tentando escondê-lo na concha da mão; que fura fila na maior cara de pau se vê algum conhecido bem localizado... Enfim. A relação é grande. E de “afetuoso” com o próximo essa gente não tem nada!
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O Homem Cordial de Ribeiro Couto e especialmente de Sergio Buarque não é gentil. Ele é emocional, age deixando a razão de lado, é pouco afeito às leis, confunde o público com o privado, abomina formalidades e despreza a ética, a civilidade e a cidadania. Vocês conhecem alguém com essas “qualidades”?
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Veja só como age o homem cordial. Alguns exemplos. Alguém é bem atendido por um servidor público e faz uma carta para os jornais elogiando o tal funcionário. Um gari acha uma carteira cheia de dólares e procura o proprietário para devolvê-la intacta e por isso recebe medalha e matéria nos jornais.
Perceberam?
Ambas situações não são mais do que obrigação de cidadão! Mas são tratadas como exceções dignas de louvor. Faz-se uma festa para celebrar o que deveria ser corriqueiro.
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Vamos ver outros exemplos? Um motorista anda por um pequeno trecho em contramão só para não dar uma volta maior. E se um guarda o multa, ele vai conversar com o cara, pedindo para ele dar uma aliviada... Ou ainda. Um assessor de deputado força uma barra para atravessar em uma área fechada para o tráfego e quando o guarda o impede, ele mostra a sua carteira. E se o guarda insiste na proibição, ele cresce para cima do policial, fazendo ameaças, perguntando se ele tem idéia de quem ele está importunando.
Para vocês, estes dois exemplos parecem distantes, coisa impossível de acontecer? Pois são exemplos do homem cordial brasileiro em ação.
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Aliás, estes dois últimos exemplos são característicos de duas posturas tipicamente brasileiras, que nem a jabuticaba. Ambas traduzem o desprezo pela formalidade e pela ética. O primeiro caso é nacionalmente conhecido como “o jeitinho brasileiro”. O segundo, como o não menos famoso “você sabe com quem está falando?” Um dia desses eu escrevo sobre isso com mais vagar.
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Depois que o safado do atual presidente do Senado conseguiu se livrar da cassação com a ajuda de seus comparsas ou asseclas, uma carioca escreveu carta para O Globo, esbravejando, pedindo de volta o voto que dera ao senador Francisco Dornelles, um dos que votaram favoravelmente ao Renan Canalheiros e ainda justificaram o voto. Ora, se ela votou consciente no seu candidato a senador, não há do que se arrepender. Até as pedras das calçadas do Rio conhecem a biografia de Francisco Dornellles, sua subserviência e o seu caráter. Ela votou nele porque quis. E agora exibe uma típica atitude de homem cordial. Tsc, tsc, tsc... Só ouvindo o Chico:
“
Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus lhe pague”
M.S.
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Tive a honra de ser agraciado pelo grande blogueiro
Lino Resende com o selo “Este blog vale a pena conferir”, pelo qual agradeço muitíssimo. É um enorme prazer ser indicado por um dos mais talentosos blogueiros que conheço.
De acordo com a praxe nestes posts-correntes, devo indicar outros cinco para receber o selo. Nunca é fácil escolher
apenas cinco, entre tanta gente talentosa. Em princípio, todos os blog que estão listados aqui ao lado, no
Outras Palavras, valem a pena serem conferidos. Mas, da mesma forma que me agraciaram, dou prosseguimento agraciando outros. Os meus indicados – que poderiam ser mais de dez - podem ficar à vontade para indicar outros ou não. Ei-los:
Eu não sei trigonometriaPlayground dos DinossaurosUmbigo do SonhoRamsés do Século XXIApoio FraternoAgora é com vocês. Colem o selo e parabéns por serem tão especiais.
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Outro post-corrente que anda por aí eu o considero como muito criativo. Alguém propôs que cada indicado pegue um livro qualquer, vá à página 161 e transcreva a quinta frase. Depois repasse para outros cinco blogs.
O grande Mario, do
Apoio Fraterno, me indicou para entrar no jogo. Pois bem. O meu livro escolhido é o que estou lendo no momento, ou seja, “A Coroa, a Cruz e a Espada”, do Eduardo Bueno.

Livro interessantíssimo, um dos melhores da Coleção Terra Brasilis que é sensacional por si só. Neste, ele descreve como foram os dois primeiros governos-gerais do Brasil Colônia, especificamente Tomé de Souza e Duarte da Costa. Eu não quero me deter muito no livro, pois pretendo escrever um (ou mais) post sobre as coisas que estou descobrindo nele. Aí vai a seleção pedida:
Eis o trecho da carta, redigida em Salvador, em 1 de junho de 1553: “Eu entrei no Rio de Janeiro, que está nesta costa da capitania de de Martim Afonso. Mando um debuxo (um desenho) dela a Vossa Alteza, mas tudo é graça o que dela se pode dizer”.(p.161)
Este trecho do livro fala de como Tomé de Souza se extasiou quando entrou na Baía de Guanabara e viu aquela pujança toda da natureza do lugar. Pois é. Ele não foi o primeiro, nem o único...
Para dar prosseguimento ao post-corrente, indico:
Moacy Cirne, do
Balaio PorretaTheo, do
Museu de TudoClaudinha, do
Transmimentos de PensaçõesMinha amigapratodavida Marcia, do
Brincando com PalavrasBruxinhachellot, do
Labirinto do Sol e da LuaAh, quer saber? Vou indicar mais dois. Gosto do número 7:
Lara, do
Tema de LaraArmando, do
Livro sem Final.
Vamulá, moçada! Estou curioso para saber das indicações de vocês.
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Na Rádio Antigas Ternuras, você ouve “Deus lhe pague”, de e com o cara que dispensa comentários: Francisco Buarque de Holanda.