
No outro dia, fui até o setor de suporte da informática no meu trabalho e no que eu cheguei vi uma rodinha com uns quatro mais ou menos. Um deles, justamente o chefe do setor, apontou pra mim e disse:
- Esse aí também gosta!
Eu protestei:
- Ô rapá! Presta atenção! Me respeite, sujeito! Sou homem! Vê lá se eu tenho os seus hábitos!
Eles riram. Quando a gente vê grupo de homens conversando, já imagina que tem sacanagem no meio...
- Ô mané. Não é isso, não. Estamos falando de National Kid.

Minhas glândulas salivares começaram a se assanhar. Daí, comecei a falar daquele seriado que encantou toda a minha geração (se você tem menos de quarenta e poucos, não faz a menor idéia do que eu estou falando...). Os caras desconheciam completamente o que eu estava contando pra eles. Virei ídolo daquela moçada por saber tanto sobre o Kid.
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No meu computador do trabalho tem uma baita foto do herói japonês no wallpaper (essa imagem aí ao lado) Quem vai na minha sala e olha a foto, se for da minha geração, já pinta aquele brilho nos olhos. E quando eu falo que o único lugar do planeta onde a série fez sucesso foi o Brasil, e conto otras cositas más, a pessoa chega a pular de felicidade feito perereca profissional.
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Pois é. Meninos, eu vi. E vou contar pra vocês.
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O seriado foi produzido no Japão, em 1960, pelos estúdios da Toei (estreou no Brasil em 1964, na Record de São Paulo, e no Rio em 1965, pela TV Rio). Era em preto e branco (para baratear os custos de produção). O herói foi criado pelo desenhista de quadrinhos Daiji Kazumine. Foram produzidos cinco histórias, com episódios de 24 minutos cada um. Eis os nomes das histórias famosas do National Kid:

Contra os Incas Venusianos
Contra os Seres Abissais
Contra o Império Subterrâneo
Contra os Zarrocos
O Mistério do Garoto Espacial
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Agora, sintam só as curiosidades sobre a série.
Ela era, na verdade, um grande comercial dos produtos National (que hoje têm o nome de Panasonic), a patrocinadora do programa. Nos episódios, o que aparecia de radinho e outros aparelhos daquela marca não estava no gibi! Um merchandising dos mais escancarados que a TV já viu.
Eu tenho nos meus guardados uma antiga matéria de jornal sobre o National Kid que apresenta a letra da musiquinha de abertura do seriado. Pena que eu não saiba onde guardei o raio da página. Mas fui fuçar na internet e achei a letra original com a tradução! (Babem, quarentões e cinqüentões...)
Kumo ka arashi ka
Inazuma ka
Heiwa o aisuru hito no tame
Morote o takaku sashinobete
Uchu ni habataku kaidangi
Hei, sono na wa kido - Hei, Nationaro Kido
Bokura no Kido - Kido! - Nationaro Kido
(“Será nuvem, tempestade ou raio?
Lutando pela paz do mundo...
Levantando alto as duas mãos...
Voando pelo cosmo o nosso herói...
Oh! O seu nome é Kid!!!
Hey! National Kid!
Ele é o nosso herói, Kid!!!
National Kid”)
Eu me lembro da abertura do programa, quando o locutor dizia assim:
Domina o mundo da 4ª. dimensão...
Supera o impossível...
Mais forte do que as armas científicas atuais...
Mais rápido do que os aviões a jato...
Defensor da Paz e da Justiça...
Super-homem invencível,
Seu nome é...National Kid!
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No elenco, haviam atores profissionais misturados com amadores. O próprio protagonista, National Kid e sua identidade secreta Professor Massao, nos episódios contra os seres abissais e incas venusianos, era feito por um funcionário dos Correios do Japão (Ichiro Kojima, que deixou a série por problemas de saúde, sendo substituído por Tatsume Shiutaro). A garotada que aparecia na série, os órfãos criados pelo prof. Massao e sua assistente Tyako, foram recrutados em colégios.
Aliás, tem uma outra curiosidade hilária: o professor Massao originalmente não tem esse nome. Na história original ele se chama “professor Riusako”, mas na dublagem brasileira resolveram trocar para não favorecer trocadilhos de duplo sentido com “riu” e “saco” (Ah... anos 60!)
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Outra curiosidade que vai deixar os admiradores da série de queixo caído: os “incas venusianos” só se tornaram “venusianos” no Brasil. Originalmente, são só “incas”, mas os responsáveis pela dublagem acharam melhor dar um planeta para aqueles caras estranhos, vestidos de morcego com um Z no peito. Os tais esquisitões adoravam o deus Awika (se pronuncia “Auíca”) e eram governados pela princesa Aura, uma japinha até bem mais ou menos...
Vejam uma cena do Kid, lutando contra os incas venusianos. Reparem na gargalhada canastrona. E no radinho National. Gente, isso era muito bom!!! (dura só 2min e 8seg)
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O efeitos especiais mais pareciam “defeitos”. Só faltava aparecer a cordinha segurando os discos voadores. Cenas de um episódio eram aproveitadas em outros. Por isso os disco voadores dos subterrâneos são iguaizinhos aos dos incas.
Nos episódios contra os seres abissais, as fantasias de monstro dos caras eram risíveis, assim como o submarino deles. Numa cena em que um automóvel voa, vê-se nitidamente ser um carrinho de brinquedo em uma maquete. Mais tosco, impossível.
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Os criadores da série nunca esconderam que o National Kid era uma cópia descarada do Super-Homem, cuja série com Geoge Reeves fazia muito sucesso no mundo todo. No Japão, o NK não causou nenhuma sensação, ao contrário do Brasil, sucesso garantido em todos os canais que passou (TV Rio, Globo, Tupi e Record). Nagayoshi Akasaka, criador, roteirista e diretor da série, levou um susto quando, muitos anos depois do fim da série, um jornalista brasileiro lhe falou do absoluto sucesso do herói para toda uma geração no Brasil. Ele confidenciou porque escolheram aqueles vilões:
“Existem dois grandes inimigos do ser humano. As coisas que vêm de fora e as coisas que saem de dentro. Assim criamos dois tipos de vilões: os invasores vindos do espaço e os seres abissais saídos das profundezas do oceano”.

Isso é bem típico dos anos 50/60, quando a Guerra Fria em marcha no planeta, camuflava no mundo capitalista a luta contra o comunismo, dando a vilões do espaço ou do fundo do mar ou ainda das profundezas da terra características da liturgia soviética.
Se bem que no caso do National Kid, os incas venusianos invadiram o nosso planeta para protestar contra as experiências atômicas e com o descaso com a natureza. Da mesma forma, os seres abissais atacaram a superfície como protesto pela poluição marinha e pelos testes atômicos. Em tempos de aquecimento global e ameaças de corrida nuclear pelo Irã e Coréia do Norte, seria a hora de pedir: “voltem, incas, voltem pelo amor de Awika!”
E vai que os abissais soltem o celacanto e produzam uma baita tsunami! Olha só a situação!
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Aliás, sobre isso, lembro que em 1978, vários muros da cidade apareceram pichados com a frase “Celacanto provoca maremoto”. Nossa! Lembro que aquele mistério agitou os cariocas. Bem, os cariocas que não conheciam o National Kid, é claro... Eu e os outros fãs da série estávamos carecas de saber que aquela frase era a senha dos seres abissais na luta contra os seres da superfície e contra o National Kid. Mas as “teorias” que ouvi na época a respeito da frase são de matar de rir. Iam desde mensagem cifrada de bandidos até uma forma de atacar o governo da ditadura militar.
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Para nossa tristeza, no incêndio que praticamente destruiu a TV Record, no início dos anos 70, ficaram torrados os rolos contendo a série. Com muito custo, e graças a longas negociações com os estúdios Toei Company e com a Sato Company, conseguiram resgatar cópias com algumas histórias (abissais, incas e subterrâneos). Lançaram aqui, em VHS e depois em DVD. Tenho ambas, minhas queridas antigas ternuras.
Quando as revejo, lembro daquele herói que veio de Andrômeda, mas principalmente, lembro de um menino magrinho, que costumava amarrar uma toalha no pescoço e sair correndo pela casa cantando “taaaaaan...Tan-tan-tan-taaaaaaaaan...”
Como já dizia Belchior, “nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam, não...”
M.S.
Bem,amigos da Rede Globo… Eis a última cena do último episódio do National Kid. E com a dublagem original. Dura 3min e 40seg.
Não precisam agradecer. Basta curtir e enxugar aquela lágrima vadia que insiste em correr no canto dos olhos...
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Na TV Antigas Ternuras você vê algumas cenas e a abertura do National Kid. Se você não era desta época, você não sabe o que perdeu. Se você era... Ah, está aí fungando não é? Pois é. Eu também.